quinta-feira, 29 de agosto de 2019

UMA CRÔNICA DE GÊ MORAES

          

Está revogada a prisão


Gê Moraes
gemoraesodiario@ig.com.br

Ella viveu todos os seus oitenta e tantos anos naquela mesma casa construída por seu pai Dom Diego Fragoso, no principio do século XX, em amplo terreno, onde não se sabia se a frente era o fundo ou se o fundo era a frente, visto que tanto a testada quanto a retaguarda davam de cara para duas das mais badaladas ruas do Bairro do Badalo, onde há uma igreja, cujos sinos bimbalharam com alegria no dia em que Ella subiu ao altar para unir seu viver ao de Antonio Bento pelos santos liames do casamento.
Ah, quão encantadora Ella se achava naquele dia do enlace: sua face, que já era só primores, mais primorosa se fez. Na sua tez de textura acetinada havia um rubor de suave carmim que, aliado ao movimento do arfante peito, delatavam o teor da emoção que lhe inundava o coração e a alma.
Calma, tranquila e serena Ella caminhava pela nave central do templo e, a magia que pairava no ar era latente, pois quem olhasse para ela, nela não via Ella, mas uma santa a caminhar em direção ao altar em que se achava outra santa.
Ao final da marcha nupcial, vencida pela emoção, eis que Ella desmaia nos braços do noivo amado que, diante do inusitado, sem saber o que fazer e, por demais esbaforido, perdeu também o sentido.
Depois do abano de muitos leques, ventarolas, fricções e inalação de sais, os dois recobraram o sentido.
Passado o susto do surto e, com a paz de volta ao vale, a cerimônia do casamento de Bento com Ella teve prosseguimento. Apos o clássico “sim” de ambos os lados, os dois partiram para os braços da galera e, as donzelas – donzelas? – casadoiras esperavam com ansiedade para saber quem dentre elas haveria de pegar o buquê que Ella iria arremessar.
E o que ocorreu na sequência foi um fato bastante engraçado. Sabe por quê? 
O buquê, por Ella jogado, foi se aninhar com jeitinho no colo do delegado que, ao se ver metido naquela capa justa, diante daquela gente que ria à socapa, sacudiu o buquê ao chão e, a Ella deu voz de prisão, por haver entendido que houve agressividade e desrespeito à autoridade.
Foi o que bastou para que o aranzel fosse formado. 
Onde já se viu prender a noiva logo após o casamento? – berrou a plenos pulmões o marido Antonio Bento, que se lançou qual furacão pra cima de delegado, que por sua vez, ao se dar por achado, já se achava no chão deitado com o Bento fumegante por cima. 
Final da história: pra não morrer de sufocação, o delegado gritou: ESTÁ REVOGADA A PRISÃO!

Gê Moraes é cronista

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