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magem usada no Facebook de André Janones, que ganhou fama nas redes na esteira da greve dos caminhoneiros. REPRODUÇÃO
Advogado de Ituiutaba, na região do Triângulo Mineiro, em Minas Gerais, André Janones, 34 anos, nunca foi caminhoneiro e não consta, sequer, que já tenha guiado um. Nos últimos seis dias, contudo, sua página no Facebook está entre as que mais geram engajamento quando o assunto é a paralisação do setor de transportes, segundo um levantamento do EL PAÍS.
Na última semana, sua vida mudou depois que gravou um vídeo às margens da BR-365, entre Ituiutaba e Uberlândia, em apoio às manifestações.
Até agora, a publicação foi assistida nada menos do que 14 milhões de vezes e compartilhada por mais de um milhão de perfis.
Com a câmera tremendo, enquanto se filma na frente de um grupo de caminhoneiros animados com o discurso, Janones gesticula energicamente: “Eu queria conclamar e perguntar onde está o povo brasileiro para apoiar esse pessoal aqui!”. Daí segue dizendo que o preço do combustível não para de subir e que “esses bobos do MBL [Movimento Brasil Livre] ficam mostrando que é errado paralisação”, mas que os grevistas estão defendendo o interesse de todos.
Por fim, diz que o “vagabundo desse presidente Temer” precisa saber que o movimento só está começando. Isso foi no último dia 23, quando sua página tinha cerca de 70 mil curtidas, hoje ela já passa das 600 mil.
O caso de Janone é mais uma evidência de que as redes sociais, como o WhatsApp, não só foram centrais para organizar uma parte do movimento fragmentado - também investigado pela participação de empresas ilegalmente engajadas na greve -, como ajudaram a agregar outros tipos de discursos e reivindicações em uma dinâmica complexa de comoção, informação falsa e condensação de insatisfação política difícil de prever.
Na mesma quarta-feira 23, ele publicaria mais quatro vídeos – todos com grande repercussão – mostrando cenas da paralisação no Triângulo Mineiro, além de uma foto de sua carteirinha da Ordem dos Advogados do Brasil, em que se apresenta como “filho de um cadeirante e de uma doméstica” que trabalhou como cobrador de ônibus e “por meio de uma bolsa de estudos destinada a alunos carentes” se formou advogado.
A partir daí, sua página, que falava basicamente dos atendimentos jurídicos gratuitos que fornece a pessoas que estão na fila do Sistema Único de Saúde (SUS), passou a falar exclusivamente da paralisação.
Uma mensagem automática em seu Facebook diz que ele não está conseguindo responder o grande fluxo de mensagens e fornece um número de telefone para contato via WhatsApp, mas o EL PAÍS não obteve resposta.
Já no dia 24, Janones publicou um vídeo em tom bem mais virulento em que bate em uma mesa e diz que "a rede Globo está tentando colocar o povo brasileiro contra os caminhoneiros". Teve cerca de 2 milhões de visualizações. Logo depois, fez mais uma série de publicações dizendo que, ao contrário do que estava sendo divulgado pelo Governo, não havia desmobilização nas paralisações.
No mesmo dia, comentou em um de seus vídeos que era favorável aos caminhoneiros e à greve, mas contrário à intervenção militar, uma das bandeiras que apareceu nos últimos dias:
“Custamos muito pra conquistar a democracia e não podemos perdê-la! Não precisamos dos militares, a gente é capaz e consegue mudar esse país”.
A partir daí, o advogado começou a aumentar ainda mais o ritmo de postagens, fazendo até mais de uma dezena de publicações diárias.
Aparentemente, entre os dias 25 e 26, mal dormiu, já que entrou ao vivo no Facebook diversas vezes durante a madrugada em meio a uma paralisação.
Começou, então, a receber mensagens de solidariedade, como “André Janones é exemplo de coragem. Parabéns!” e “André, tenho te acompanhado em suas lives e você tem feito um excelente trabalho. Deus te abençoe parceiro” ao que responde com as hashtgas #OSistemaVaiQuebrar #PraCimaDeles e #TamoJunto, que já viraram bordões de seus vídeos.
O sucesso meteórico da Janones nas redes sociais – além do Facebook, ele também publica no Twitter, Youtube e Instagram –, logo atraiu a curiosidade de páginas como a do ator e militante de extrema-direita Alexandre Frota e mais de uma dezena de sites obscuros que dizem “desmascarar o advogado”.
Segundo algumas dessas publicações, Janones estaria se aproveitando das paralisações para se autopromover, além de ser um “petista infiltrado” no movimento. Em seu Facebook, seguiu-se uma batalha sobre quem é, de fato, o advogado. Ele próprio se defendeu dizendo não ser do PT e que “enquanto Frota fazia filme pornô, eu advogava de graça para pessoas doentes”.
De fato, Janones foi candidato a prefeito de Ituiutaba pelo PSC nas últimas eleições em uma coligação que envolvia o PT, partido a qual foi filiado entre 2003 e 2012.
À Folha de S. Paulo, o advogado disse que “o meu histórico no PT não foi de um político, foi de um filiado comum, nunca exerci nenhum cargo de direção, nunca disputei nenhuma eleição”.
A celeuma só fez crescer o ritmo de acusações, réplicas, tréplicas e mensagens de fãs desiludidos e apaixonados no Facebook do advogado. “Meu querido, André, Deus está marchando com você, meu amado, e, você pode não ter noção, mas todo o povo brasileiro tem orado por você”, diz uma das mensagens.
De advogado e ex-candidato a prefeito, Janones passou a ser visto como porta-voz das paralisações e a posar nos vídeos ao lado de outras lideranças dos caminhoneiros que eclodiram nas redes sociais.
Faz coisa de dois dias, contudo, começou a dizer que os caminhoneiros começaram tudo, mas que a mobilização já ganhou vida própria.
Nesta segunda-feira, anunciou em seu Facebook: “André Janones estará na Praça dos Três Poderes, às 16h”. Desde então, autoproclamou-se criador e presidente do “Movimento Fora Temer”, que “só vai parar quando derrubar o presidente” e se separou dos caminhoneiros por causa, segundo ele, das notícias falsas sobre suas reais intenções.
Embrulhado numa bandeira brasileira e com o rosto pintado de verde e amarelo, o advogado, como prometido, chegou a Brasília na tarde desta segunda em meio a uma manifestação de cerca de mil pessoas que pediam intervenção militar em frente à esplanada dos ministérios.
Um vídeo, anunciado como “exclusivo”, mostra o advogado caminhando entre as pessoas, eventualmente sendo reconhecido, parando para selfies e cumprimentos e até sendo içado no ombro de um grupo mais animado.
Depois dos dias de furor, ascensão meteórica e metamorfose, o levantamento do EL PAÍS mostra uma grande queda de engajamento na página de Janones, que coincide com a autoproclamada criação de seu movimento e a chegada à capital federal.
Nesta terça-feira, em seu último vídeo, que pela qualidade da imagem sofria de conexão precária com a internet, o advogado do Triângulo Mineiro conclama todos às ruas. “Eu, André Janones, não posso mais fazer nada sozinho, os caminhoneiros já fizeram a parte deles, todo mundo nas ruas!”, diz dentro de um carro.
Na publicação, ainda faz um alerta em caixa alta: “A transmissão pela página pode estar sendo interrompida pelo Governo!”.
Fonte: Jornal EL PAÍS.
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