domingo, 29 de setembro de 2019

TEM VARAL NA SUA CASA?




Em Porto Felício. Ernande, 2018.
Ernande Valentin do Prado
Dois dias depois do enterro de meu pai, eu e minha mãe estávamos sem fazer nada, logo depois do café da manhã em Porto Felício, às margens do Rio Paraná. Para espantar as lembranças recentes e tocar a vida, ela foi lavar roupa, enquanto o tempo se recusa a passar no ritmo normal. 
Algumas peças de roupa ela esfregou com as mãos, outras colocou simplesmente na máquina, depois torceu e colocou as roupas limpas em um recipiente de plástico retangular, bem grande, para levar ao varal. 
Eu olhava a água do rio correr, o vento parado que nem chegava a chacoalhar as folhas da Imbaúba em frente da casa, o cachorro latir.
Para não ficar só contemplando o nada travestido de paisagem rural já bastante nostálgica, disse: 
̶ Vou pendurar essa roupa no varal. 
Desconfiada, minha mãe questionou: 
̶ E você sabe pendurar roupa no varal? 
Sem saber que existia um jeito certo de pendurar roupa no varal, respondi com toda minha ignorância:
̶ E não é só esticar e prender a roupa com um pregador?
̶ Não...
Disse minha mãe em tom de quem sabe algo que precisa ensinar ao filho, embora ele já devesse ter aprendido, pois não é mais nenhuma criança.
̶... primeiro pendura as camisas, depois as camisetas...
̶ E por que não posso só ir pegando e pendurando, sem nenhum cuidado?
Perguntei eu, desconsiderando totalmente que a boniteza é fundamental, como teria dito Vinicius de Morais se tivesse lido Paulo Freire. 
Minha mãe, que não leu Paulo Freire e provavelmente nem Vinícios, apenas respondeu, o óbvio que o filho ignorava:
̶ O varal fica feio.


[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

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