Ao vergar-se em salamaleques diante da pressão, Temer, Parente e o Congresso incentivam outras categorias a adotar a estratégia da confusão
Por Helio Gurovitz
O presidente da Petrobras, Pedro Parente, ao anunciar a redução no preço do diesel. Até "executivos independentes" não escapam das regras da política (Foto: Reprodução GloboNews)
Depois de três dias com quase 400 bloqueios de estradas em 23 estados e no Distrito Federal, voos cancelados por falta de combustível, ônibus parados, linhas de montagem paralisadas, desabastecimento e alta no preço de hortaliças e a ameaça de continuar a manter o país refém, os caminhoneiros conseguiram enfim o que queriam: dobraram Brasília e a Petrobras.
O presidente da estatal, Pedro Parente, engoliu sua empáfia de executivo independente e foi à TV anunciar a redução de 10% do preço do diesel por 15 dias. Como Parente deixou claro que não aceitaria voltar à manipulação populista dos preços em prejuízo da empresa, o governo se viu obrigado a responder à chantagem cortando impostos (eles são de 28% no diesel e 44% na gasolina). Começou então a ciranda política.
O presidente Michel Temer extinguiu a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre o diesel. O Congresso decidiu voltar a trabalhar: aprovou a reoneração da folha de pagamento de 28 setores para tentar reequilibrar a queda na arrecadação, mas zerou o PIS/Cofins sobre combustíveis até o final do ano.
Para o caminhoneiro, que paga uns R$ 2,5 por litro de diesel, o corte total soma R$ 0,53: R$ 0,25 (Petrobras); R$ 0,05 (Cide) e R$ 0,23 (PIS/Cofins). Para o governo, a reoneração deverá trazer uns R$ 3 bilhões ao Orçamento, suficientes para cobrir os R$ 2,5 bilhões de perdas com a CIde, mas longe de tapar o buraco aberto pelo PIS/Cofins, estimado pela Receita em até R$ 12 bilhões.
Para a Petrobras, Parente estimou a perda de receita em apenas R$ 350 milhões, fração ínfima do faturamento de R$ 284 bilhões (em 2017). Mas o mercado acionário já começou a punir a empresa, que voltou a se tornar vítima de ingerência política. Em Nova York, os papeis negociados ontem à noite registravam queda de 11,3%.
Assim é a política.
Pouco importa que o petróleo tenha sofrido uma alta superior a 50% desde a metade do ano passado (de US$ 50 para US$ 80 o barril).
Pouco importa que a intervenção política nos preços dos combustíveis, durante o governo Dilma, tenha levado o endividamento da Petrobras a níveis recordes e contribuído, com os escândalos de corrupção, para o naufrágio da empresa.
Pouco importa que os preços sejam, segundo a teoria econômica, a forma mais eficaz de regular oferta e demanda – a alta envia a compradores o sinal de que é necessário reduzir o consumo e evita a escassez.
A política dá de ombros para a teoria econômica, para os executivos que proclamam sua independência e para os políticos que tentam seguir cartilhas ideológicas.
Na hora da política, quem tem poder demonstra.
O resto se submete.
Os caminhoneiros acabam de demonstrar ter mais poder que Temer, o Congresso ou Parente.
Emparedados pela chantagem, todos se viram diante da verdadeira alma do preço dos combustíveis no Brasil.
Não é novidade a noção estapafúrdia, disseminada pelo país, de que a Petrobras precisa zelar pelo preço na bomba em nome do consumidor, ainda que em detrimento dos acionistas. A alma do preço do combustível brasileiro não é, nem nunca foi econômica. É populista.
Em nenhum lugar do mundo, corporações organizadas têm pruridos em tentar submeter o país a suas vontades.
Mineiros britânicos enfrentaram durante anos o governo de Margaret Thacther na década de 1980. Ela não se dobrou. Ferroviários enfrentam ainda hoje as reformas do governo Emmanuel Macron na França, com paralisações periódicas. Até agora, ele não se dobrou.
Pois bastaram três dias de confusão com os caminhoneiros para Temer, Parente e companhia se vergarem em salamaleques.
A vitória dos caminhoneiros transmite um recado cristalino a outras categorias com poder de gerar confusão:
“Com essa turma que está aí, a chantagem funciona. Podem ir em frente!”.
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