Alceu Castilho·
Esse foi Victor Nunes Leal. Quem? Pois é. Um dos motivos para nossa sociedade construir estátuas é a preservação da memória.
Esse busto foi um dos destruídos pela horda de ignorantes que aterrorizou Brasília no dia 08 de janeiro.
Ele não foi mais um ministro do Supremo Tribunal Federal. Se tivesse sido mais um, seu busto não deveria ser destruído. (E tem muito revolucionário de salão por aí que pensa o contrário.)
Tanto não foi mais um que dá nome à biblioteca do Supremo, ele foi vice-presidente e um jurista inovador na história do Supremo. E que mais?
Nunes Leal foi aposentado compulsoriamente do STF em janeiro de 1969 pelo ditador Artur da Costa e Silva. Na esteira do AI-5. Por resistir aos arbítrios.
E foi um dos primeiros professores da Universidade de Brasília (UnB). E que mais? Pois é: não seria necessário mais nada. Só isso já é muita coisa, já é história do Brasil.
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Mas também foi ele o autor de "Coronelismo, Enxada e Voto" (1948), obra pioneira da ciência política no Brasil. Um clássico.
Não se pode falar de coronelismo a sério sem conferir esse livro, ambientado na República Velha, mas sempre atual.
"Apenas nos esforçamos por compreender uma pequena parte de nossos males", dizia ele nas últimas frases. "Outros, mais capacitados, que empreendam a tarefa de indicar o remédio".
Essa tarefa nunca acabou. Neste país onde fazendeiros pressionaram seus trabalhadores a votar em Jair Bolsonaro.
Neste país do coronelismo eletrônico. Do coronelismo evangélico. Todos eles em diálogo com o velho tema da propriedade de terras — origem da desigualdade no país e no mundo.
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O busto de Victor Nunes Leal ao chão não significou apenas uma violência contra a obra do escultor Cícero D'Ávila. Não simbolizou somente um atentado contra a democracia, aquela que Costa e Silva não suportava.
Significa que Nunes Leal estava certo. O coronelismo está aí e as enxadas foram substituídas por tratores. Os votos são manipulados, a contagem deles é questionada em nome do golpismo.
Coronéis mais ou menos disfarçados de todo o país e seus fanáticos de cabresto tentaram, mais uma vez, derrubar o jurista.
Mas ele escreveu um clássico, quantos no Brasil escreveram um clássico?
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