sábado, 25 de novembro de 2017

PARA AONDE VAIS, RUTH DE AQUINO?

RUTH DE AQUINO/ 
24/11/2017 - 16h37 

Se alguém disser a você que a primeira coluna é a mais difícil de escrever, não acredite. É fake news. A mais difícil é a última. A primeira é um ensaio, uma ousadia, uma garrafa que o colunista joga ao mar, um aviãozinho de papel inocente e desafiador. A última, depois de dez anos e 520 colunas sem faltar uma semana, é uma despedida. E você sabe o que é uma despedida, mesmo voluntária. Outras ousadias me aguardam na próxima esquina.
Perdoe-me pelo título, tão literal. Costumo dar títulos mais provocativos, poéticos ou polêmicos. É que hoje queria logo agradecer a milhares de leitores, de norte a sul, de todas as idades e profissões, estudantes e aposentados, que me leram e me escreveram em uma década. Respondi a milhares. Uns se indignavam junto comigo. Outros choravam ou riam junto. Desabafavam, confidenciavam histórias pessoais. Elogiavam por se sentir representados. Criticavam com elegância. Ofendiam por não suportar a discórdia.
Parar uma coluna exige olhar para trás e rever o que o tempo fez. Examinar nossas convicções e obsessões. Onde você estava no fim de 2007? Onde o Brasil estava? Quais eram nossas esperanças, ilusões e desconfianças? Desconfiávamos que éramos roubados, mas sem a Lava Jato ignorávamos a dimensão da patifaria na classe política. Essa casta continua apegada às mordomias, aos privilégios e aos conchavos imorais.
As propinas saíram das cuecas, bolsos, sapatos e mochilas – que mixaria – para encher malas e até apartamentos. Não imaginávamos ver atrás das grades governadores, prefeitos, senadores, deputados e ministros. Não imaginávamos como presidentes e ex-presidentes teriam de rebolar para escapar de processos por corrupção. Não seguíamos pela TV as esgrimas de ética entre os juízes do Supremo Tribunal Federal.
Minha primeira coluna, em agosto de 2007, era “Palhaços são sempre os outros”. Chamei os protagonistas de “dupla caipira em circo do interior”. Injustiça minha com os caipiras. Dizia: “Alguém precisa avisar o governador do Rio, Sérgio Cabral, e o presidente Lula, campeões de votos e popularidade, de que não podem se expor ao ridículo. Os companheiros ficaram nervosos com as vaias de 12 estudantes e professores com nariz de palhaço em inauguração de escola em Campos. Cabral reagiu como garoto mimado e puxou apupos contra os jovens. ‘Uuuu. Uuuu. Meia dúzia de meninos pequeno-burgueses com o mau humor de quem reclama de barriga cheia.’ Lula veio ao microfone. ‘Sérgio, esse pessoal é tão jovem e desprovido de consciência política que vem protestar com nariz de palhaço, quando palhaço é uma coisa alegre. Daqui a pouco vai ter movimento de palhaços contra essa gente.’ Essa ‘gente’ incluía uma professora, ex-militante do PT, Guiomar Coelho: ‘Veja a forma desrespeitosa com que tratam quem pensa diferente’”. Guiomar não podia supor que a intolerância com quem pensa diferente chegaria à histeria atual. E tem tudo para piorar, se votarmos em 2018 em candidatos que incitam ao ódio, à tortura, à censura, ao fundamentalismo das armas e da religião.
É curioso. Há dez anos, escrevi duas colunas sobre “outsiders” que agora estão aí, cotados para a Presidência, Joaquim Barbosa e Luciano Huck. “Lancei” em 2007 o ministro do Supremo para a eleição de 2010, como provocação. E ironizei o apresentador de TV na coluna “Sobre manés e mauricinhos”. Seu Rolex foi roubado em São Paulo por motoqueiros armados. O texto de celebridade-vítima publicado por ele na imprensa pegou mal. Huck previa comoção nacional com sua hipotética morte nas mãos de “manés assaltantes extraterrestres”. Fãs o apelidaram de “mauricinho chorão”. Eu disse que seu texto era um amontoado de clichês, pueril, superficial. O caldo entornou do caldeirão.
Esta página não foi só política. A vida seria chata se nos preocupássemos apenas com a linhagem indigesta de José Sarney, Renan Calheiros, Romero Jucá, Eduardo Cunha e seus aprendizes. Ou com Lula, Dilma e Temer. Falei aqui de sexo e de sexismo. Assassinos de mulheres, como o goleiro Bruno e o jornalista Pimenta Neves. Direito ao aborto. Impunidade para crimes no trânsito. Falta de civilidade e cidadania, mais imperdoáveis na elite instruída. A guerra perdida às drogas. Álcool a rodo para adolescentes ricos em festas cafonas. CPMF, a extorsão oficial que deveria ajudar a Saúde, em frangalhos. Falta de transporte digno, na mão de máfias. O maior desafio, a Educação, que nenhum partido enfrentou com coragem. Talvez seja a maior covardia contra os brasileiros.
O que aconteceu em sua vida pessoal em dez anos? 
Eu perdi mãe e pai. Ganhei uma neta e ganharei um neto em janeiro. Aprendi com “fãs de carteirinha” e com desafetos. Publicarei um livro, a pedido de muitos de vocês. Mudem o país para melhor. Como eu disse em título recente, “o mundo somos nós”. Até mais.


Revista ÉPOCA.

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