BOLSONARISTAS DA BARRA COMENTAM VIDA DUPLA DE CARLOS COMO VEREADOR E “INFLUENCER”
Filho 02 do presidente larga Câmara Municipal para se imiscuir na articulação política da capital federal.
Rodrigo Castro.
Carlos Bolsonaro foi centro de polêmica após ir a Brasília cuidar de assuntos alheios ao seu mandato como vereador do Rio. Foto: Marcelo Regua / Agência O Globo
No início da tarde de quinta-feira (21), no horário de almoço, havia poucos transeuntes na orla da Barra da Tijuca. A iminência da chuva, denunciada pelas nuvens cinzentas, talvez servisse de explicação para o movimento aquém do usual. Mas nem mesmo nos dias mais ensolarados um conhecido morador das redondezas costuma ser visto com frequência por ali. Ao contrário do pai, o vereador no exercício de seu quinto mandato no Rio de Janeiro, Carlos Bolsonaro, não é cliente contumaz dos quiosques do Naná ou do Cocoloko. Quem trabalha no local diz ter poucas recordações do filho 02 do presidente. Na Câmara municipal, no entanto, é assíduo em seus compromissos parlamentares, como atestam seus companheiros de Legislativo. Apesar disso, Carlos foi centro de polêmica na última segunda-feira (18), ao postar uma foto em Brasília na qual dizia estar “desenvolvendo linhas de produção solicitadas pelo pai”, enquanto o presidente estava em viagem aos Estados Unidos.
Carlos foi alvo de críticas de alguns internautas nas redes sociais, que indagaram a respeito do cargo que ele ocupa no governo e cobraram explicações por não estar trabalhando no Rio. Soma-se à viagem sua atuação no Twitter, que volta e meia causam alvoroço. Ele, que já havia protagonizado a polêmica que levou à exoneração do ex-ministro Gustavo Bebianno, nessa semana alfinetou diversas vezes o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), por causa da morosidade da tramitação do pacote anticrime do ministro Sérgio Moro na Casa. Maia, que se irritou, cobrou de Paulo Guedes uma intervenção do presidente. O presidente da Câmara ameaçou até mesmo deixar a articulação pela aprovação da reforma da Previdência caso não fosse colocada uma focinheira no pitbull das redes.
Nos bastidores da Câmara carioca, a ida do vereador a Brasília não foi encarada como um problema, já que a Constituição Federal e o regimento interno da casa são bem amplos quanto às funções da vereança, permitindo inclusive o exercício de outra profissão, desde que haja compatibilidade de horários. Ainda que as sessões na Câmara só ocorram de terça a quinta, os parlamentares, geralmente, aproveitam as segundas e sextas para atividades externas, como reuniões com moradores e associações ou visitas a bairros da cidade. Talvez, então, seus eleitores estivessem sentindo sua falta. Mas a verdade é que os cidadãos da 9ª Zona Eleitoral do Rio, com 247 seções espalhadas entre Barra da Tijuca, Recreio, Vargem Grande, Vargem Pequena e Camorim, onde Carlos recebeu o maior índice de votos no pleito de 2016, pouco sabem de Carlos. Sua discrição como parlamentar só é interrompida, justamente, pelos tuítes estrondosos. Sua votação expressiva é muito mais explicada pelo sobrenome do que por sua atuação, segundo os próprios eleitores.
O mau tempo pode ter afugentado as pessoas da Avenida Lúcio Costa, nas cercanias do condomínio Vivendas da Barra, no qual Jair e Carlos Bolsonaro têm casas. Mas, entre as que estavam por lá, Carlos não goza da mesma popularidade do pai e do irmão Flávio, eleito senador em 2018. O vereador preferido pela população carioca nas últimas eleições municipais, quando conquistou 106.657 votos, não foi a escolha de muitos dos questionados, que, em sua maioria, nem sequer lembravam em quem tinham votado. Na altura do posto 4 da Barra, ao avistar uma BMW branca estacionada com porta-malas aberto, é possível encontrar dois eleitores com perfil similar, não fosse uma peculiaridade: são do grupo que confiaria a Carlos seu voto caso o pleito fosse agora, mesmo sem conhecer sua atuação parlamentar. Em 18 anos de mandato, ele conseguiu aprovar 16 leis. Mas nos dois últimos não apresentou nenhum projeto de lei em que fosse o único autor.
Dono do Quentinhas da BMW e de uma rede que fornece refeições ao Estado e a empreiteiras, o empresário e engenheiro da Petrobras Stefan Chaves, de 34 anos, é amigo de infância do senador Flávio Bolsonaro, com quem estudou no colégio Santo Agostinho e joga pôquer até hoje em muitas quintas-feiras. Chegou a ser seu padrinho de casamento, mas diz nunca ter tido contato com Carlos. O funcionário público também não acompanha suas atividades na Câmara, nem o segue nas redes sociais, as quais usa eventualmente. Embora se considere menos radical que a mãe, votaria em Carlos por conhecer sua família: “É igual a emprego. Às vezes você coloca seu primo, porque sabe que ele é competente; é uma indicação sua”, explica. Mural da verdade: na entrada do gabinete de Carlos, uma dezena de recortes sobre conquistas e "Fake News".
A mãe de Stefan, a secretária aposentada Teresinha Airoza, de 65 anos, ajuda o filho nas vendas quando ele não está embarcado. Sem hesitar, confirma sua admiração pelos Bolsonaros, nos quais deposita sua esperança para mudar o país. Os recentes casos envolvendo a família que saíram na imprensa não a fizeram mudar de opinião. “Assaltaram tanto o país que isso aí não foi nada. O Coaf não fez nada quando o Lula e seus filhos enriqueceram”, disse, lembrando do caso Fabrício Queiroz, ex-motorista de Flávio que movimentou R$ 1,2 milhão em um ano. “Não vejo problema. Acho que na Câmara não fazem quase nada, não tem trabalho quase nenhum.” Tanto que ele seria seu candidato em uma futura eleição, ainda que não o conheça. “Acho que meu filho é o que é pelos ensinamentos que passei a ele. Por isso acredito na família Bolsonaro, até que me provem o contrário”, concluiu.
A cerca de 500 metros dali, na mesma Avenida Lúcio Costa, em um Passat bege antigo, seu José Ramos, de 60 anos, concorre na venda de quentinhas e diverge nas opiniões. Há 20 anos sem votar, não confia mais em políticos, principalmente na família Bolsonaro. O último de quem gostava foi o ex-presidente Lula. “Para mim, foi, sem dúvidas, o melhor que tivemos, pelo que mostrou e pelo que fez pelos mais pobres.” Bem diferente do que pensa o vigia do condomínio Barramares Thiago da Silva, de 24 anos, eleitor de Carlos e de seus parentes. “O estilo dele foge dos demais políticos. Tem feito algo diferente e não é da corja do PT, PMDB”, justificou. Morador de Cosmos, próximo ao bairro da Paciência e à estação do BRT Icurana, na Zona Oeste, o vigia não estava a par da viagem de seu candidato, mas encara com naturalidade sua ausência do Rio “se não afetasse o trabalho dele na Câmara”. A favor do porte de armas e avesso ao “kit gay”, ideias que o fizeram eleger o vereador, mostra-se preocupado apenas com a reforma da Previdência. “Não está muito bacana para os mais pobres. Tem de ser rigoroso com militares e políticos”, apelou.
Frustração: "Ele apresentou planos que infelizmente não vieram a calhar", diz o barbeiro Ricardo Moraes, 28.
Ao passar pela guarita da Rua Deputado José da Rocha Ribas e dobrar à primeira esquerda, no pequeno comércio onde fica a padaria Petit Marché, frequentada pelo atual presidente, um eleitor de Carlos faz barba, cabelo e bigode. O barbeiro Ricardo Moraes, de 28 anos, trabalha há 11 meses no Brutu’s Barber Shop e, mesmo sem ter visto alguém da família Bolsonaro por ali, interessou-se pelas promessas do vereador. Frustrou-se um pouco. “Ele apresentou planos que infelizmente não vieram a calhar, mas não me arrependo de ter votado nele, não.” Por residir na Comunidade César Maia, em Vargem Pequena, gostaria que seu representante priorizasse a periferia, com atenção especial às enchentes e aos alagamentos constantes. Em geral, ele acredita que os parlamentares devam “sentir a população e se colocar em seu lugar”. Moraes não acompanha muito o noticiário político e ignorava a viagem de Carlos, mas não se omite: “Com [Jair] Bolsonaro fora, acho válido ter alguém lá em Brasília para fixar o plano dele de melhoria para o país”, expôs, emendando: “Aqui ele pode estar visualizando as coisas, mas lá tem um poder maior”.
Na mesma área comercial, numa pequena loja de itens para construção, o dono, Givanildo de Lima, de 55 anos, não se recorda em quem votou, mas tem certeza de que Carlos seria seu representante atual. Não por conhecer seus projetos — sobre os quais não tem informação — mas “pela honestidade da família”. Para ele, os vereadores deveriam comparecer mais aos locais onde ganharam votos e aumentar a fiscalização da prefeitura. Ele não polemiza a viagem do filho do presidente. “Desde que faça o bem à nação, pode ir até para a China”. Ele mesmo gosta de viajar com a família para Saquarema e deixar um pouco a realidade do Gardênia Azul, na Zona Oeste, onde vive com a família. Envolto em uma rotina de violência, ele espera que a família Bolsonaro não esteja envolvida com milicianos. “Acho que hoje, 90% dos vereadores estão.”Voto de confiança: “Desde que faça o bem à Nação, pode ir até para a China”, afirma o comerciante Givanildo de Lima, 55.
A cerca de 17 quilômetros dali, na altura do número 17.001 da Avenida das Américas, no Recreio dos Bandeirantes, era ainda mais difícil achar um eleitor de Carlos. No endereço constam algumas das seções da 9ª Zona Eleitoral. Mais uma vez, a chuva pode ser usada como pretexto para o exíguo movimento. É necessário se deslocar um pouco mais para achar alguém. Na Universidade Estácio de Sá do shopping Barra World, por exemplo, é mais fácil deparar com outro apoiador de Carlos. O estudante do 9º período de Direito Bernardo Quintão, de 24 anos, já o seguia no Twitter antes mesmo do último pleito municipal e, pela plataforma, teve contato com os ideais que o representavam. “Votei nele pelas propostas sobre segurança pública, como valorização da Polícia Militar, e por ser a favor da redução da maioridade penal, um dos grandes motivos.” Apesar de não ter acompanhado a ida do vereador à capital do país, minimiza a repercussão do episódio. “Como não tinha de estar trabalhando, não havia obrigação de ele estar lá na Câmara, não tinha por que não poder ir para outro lugar”, afirmou o ex-estagiário do Tribunal de Justiça do Estado do Rio, que agora busca uma chance em um escritório de advocacia.
A dificuldade em encontrar eleitores de Carlos no bairro tinha explicação para quatro senhores sentados a uma mesa jogando cartas no comércio da Avenida Pedro Moura. Tal qual o nome da padaria famosa naqueles metros quadrados, o rei do Recreio era outro. “Aqui quem domina é [Carlo] Caiado”, bradaram em referência ao vereador eleito do DEM, com 28.122 votos, sendo 4.374 somente naquela Zona Eleitoral. Se a missão de encontrar apoiadores de Carlos Bolsonaro seria árdua, há quem o defenda por causa do pai. Promotora de vendas aposentada, Solange Cunha, de 63 anos, autodenomina-se uma militante brasileira. “E não é vermelha, comunista, não”, ressaltou. Diante da chuva que não cessava, implicar com a viagem de Carlos, para ela, era tempestade em copo d’água. “Ninguém falava nada quando o Lula ia para Cuba, Venezuela”, questionou, dizendo que, em sua opinião, o vereador devia estar trabalhando direto com o presidente. “Até hoje não sei para que serve o vereador, o deputado. Que esclarecimento você tem do que ele vai fazer?”, disse, revelando não conhecer um projeto de Carlos. “Queria conhecer também um projeto do PSOL. Tem?”, indagou.
Carlos Bolsonaro não gosta de falar sobre sua atuação parlamentar.
Enquanto a reportagem de ÉPOCA pegava a extensa Linha Amarela para seguir até o prédio do Palácio Pedro Ernesto, na Cinelândia, Carlos Bolsonaro e os demais parlamentares se aprumavam para a plenária do dia, marcada para as 16 horas. Exatamente às 17h22, o vereador deixou a Câmara acompanhado de seus seguranças e não quis se pronunciar. Calado, entrou em um carro e partiu. Um de seus assessores explicou que o vereador foi a Brasília colher subsídios sobre a reforma da Previdência para uma comissão que será instaurada em breve na Câmara com o intuito de promover o debate e esclarecer a população. A comissão a que se referia é a Frente Parlamentar para acompanhamento da tramitação da PEC 06/2019 e da Nova Previdência, proposta protocolada pelo vereador do Novo Leandro Lyra, que irá presidi-la. A Carlos foi incumbida a vice-presidência da Frente, comemorada por ele em suas redes sociais, e também por seu pai — ao menos por alguns minutos. Aliás, a postagem no Twitter de Jair Bolsonaro trazia o mesmo texto, escrito em primeira pessoa, que depois foi publicado no perfil de Carlos. O tuíte original na conta do presidente foi apagado. “O vereador do partido Novo Leandro Lyra acaba de protocolar a criação da Frente Parlamentar para acompanhamento da tramitação da PEC 06/2019 e da Reforma da Previdência e, como presidente, me concedeu a satisfação de ser o vice-presidente da matéria”, escreveu.
O requerimento submetido ao presidente da Câmara aponta que o objetivo da Frente é “promover discussões, qualificar o debate público e difundir informações sobre a Nova Previdência e seus efeitos nos entes subnacionais, mormente no município do Rio de Janeiro”. Como justificativa, argumenta que o déficit previsto para a União em 2019 é de R$ 292 bilhões, mais de 10 vezes o orçamento da cidade do Rio. O texto aponta ainda que o déficit no regime previdenciário da capital fluminense se aproxima de R$ 1 bilhão. O documento conta com a assinatura de 33 dos 51 vereadores.
Ao mesmo tempo que será um dos líderes da nova Frente Parlamentar, sua produtividade parlamentar permanece questionada. Enquanto é tachado de pitbull nas redes sociais devido a sua ativa participação e seus posts polêmicos, nas plenárias raramente pede a palavra. Ultimamente, não tem se manifestado nem mesmo para defender o pai, como fazia. “Ele tem o hábito de se ausentar com frequência das plenárias, não costuma ser participativo”, disse um vereador que preferiu não se identificar.
Pelos corredores da Câmara acredita-se que é para evitar maior exposição na mídia. Porém, na última terça (19), ganhou destaque um bate-boca com o vereador Tarcísio Motta (PSOL), o segundo vereador mais votado na cidade. O psolista queria o apoio de Carlos para levar para debate no plenário um projeto de lei cunhado por Marielle Franco. Carlos gritou com Motta: “Sai de perto de mim”, devido ao questionamento do colega sobre uma suposta proximidade entre a família Bolsonaro e milicianos.
São esses rompantes de raiva que permitiram que membros do próprio PSL dessem a ele a alcunha de Tonho da Lua, em alusão ao icônico personagem da novela Mulheres de areia , que tem problemas psiquiátricos.
“No trato com a gente, em geral, é cordial, bem diferente do Carlos das redes sociais”, disse esse mesmo vereador.
ÉPOCA.
Nenhum comentário:
Postar um comentário