Gilmar Mendes revoga a liminar concedida por Tóffoli e autoriza investigação do MP/RJ contra Flávio Bolsonaro, suspeito da prática ilícita da "rachadinha"
Conheça a decisão da Reclamação nº 36.679 AGR/RJ
Publicado por Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas
O Ministro do STF, Gilmar Mendes, no dia 29/11/2019, revogou a liminar concedida por Tóffoli, que suspendia as investigações do MP/RJ envolvendo Flávio Bolsonaro e seu ex-assessor Fabrício Queiroz.
Vamos entender o caso:
Flávio Bolsonaro e o ex-assessor Fabrício Queiroz são suspeitos de praticar “rachadinha”, ou seja, prática ilícita de exigir parte dos salários dos servidores do seu gabinete, na época em que era deputado estadual na Assembleia do Rio de Janeiro. A investigação em desfavor deles teve início a partir de relatórios do antigo Coaf, atual Unidade de Inteligência Financeira (UIF).
A controvérsia, portanto, se relaciona com a possibilidade de compartilhamento de dados do antigo COAF, sem autorização judicial, para fins penais.
Pois bem.
A votação sobre o compartilhamento de dados sigilosos no STF encerrou-se na Seção Plenária do dia 28/11/2019, abrindo caminho para o prosseguimento de inúmeras investigações e ações penais pelo país afora, suspensas em decorrência da decisão liminar de Toffoli concedida em julho de 2019, dentre elas está investigação da chamada rachadinha supostamente praticada pelo senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro.
Prevaleceu o entendimento do ministro Alexandre de Moraes, no sentido que o envio de todas as informações pela Receita Federal é constitucional e lícita, diferentemente do voto de Toffoli, que limitou aos dados globais e somente como elemento de investigação, não de provas.
Desse modo, a partir da decisão do Plenário do Supremo pela possibilidade do compartilhamento de dados entre os órgãos de inteligência e fiscalização e o Ministério Público, para fins penais, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro poderá retomar a apuração do caso de Flávio Bolsonaro.
O Ministro Gilmar Mendes, em julgamento da RCL 36679 AGR / RJ, destacou:
"No âmbito da Sessão de Julgamento de 28.11.2019, o Plenário do STF, por unanimidade, determinou a revogação da decisão proferida pelo eminente Ministro Dias Toffoli nos autos do RE 1.055.941, a qual, com fundamento no art. 1.035, § 5º, do Código de Processo Civil, determinara a suspensão nacional dos inquéritos e processos judiciais relacionados ao Tema 990 da Repercussão Geral.".
Os ministros votaram de formas diferentes em relação à Receita e ao antigo Coaf, rebatizado de UIF (Unidade de Inteligência Financeira) em agosto de 2019.
Em relação à Receita Federal, por maioria de nove votos, o Fisco poderá continuar compartilhando com o Ministério Público e a polícia suas representações fiscais para fins penais (RFFPs), incluindo a íntegra de declarações de Imposto de Renda e extratos bancários.
Votaram, nesse sentido, os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.
Somente Toffoli votou, inicialmente, pela imposição de restrições ao teor do material compartilhado pela Receita, proibindo o repasse de declarações de IR e extratos bancários. Nos minutos finais, contudo, alterou seu voto para acompanhar a maioria.
Os ministros Marco Aurélio e Celso de Mello foram os mais restritivos nesse ponto, considerando que não poderia haver compartilhamento, sem autorização da Justiça, em respeito ao direito constitucional à privacidade.
Segundo Celso de Mello, “os fins não justificam os meios. A função estatal de investigar, processar e punir não pode resumir-se a uma sucessão de abusos, nem violar princípios consagrados pela Constituição”.
A situação em relação à UIF (Unidade de Inteligência Financeira) ficará mais clara na próxima seção do STF, quando for definido o enunciado da tese de repercussão geral. Só assim será possível analisar o impacto definitivo do julgamento nas investigações que usaram dados da UIF, como a de Flávio Bolsonaro.
Toffoli e Gilmar já fizeram ressalvas ao procedimento de compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira (RIFs) feitos pela UIF, enfatizando que os relatórios não podem ser feitos por encomenda do Ministério Público e da polícia, a não ser quando já houver investigação formal sobre o alvo ou tiver havido um alerta anterior da UIF sobre ele.
Segundo Gilmar Mendes,
“a título de disciplinamento da matéria, ressalto ser ilegítimo o compartilhamento de relatório de inteligência financeira pela UIF com o Ministério Público e a Polícia Federal feito a partir de requisição direta da autoridade competente sem a observância estrita das regras de organização e procedimento”.
Gilmar Mendes e Toffoli deixaram claro que são contrários aos casos concretos em que o Ministério Público pediu à UIF informações por meios não oficiais, como e-mail.
Para ambos tal procedimento deve ser vedado.
Os demais ministros não expuseram seu posicionamento em relação aos limites para a atuação da UIF.
Em suma, o que se tem de imediato é que, em função da licitude do compartilhamento de dados bancários e fiscais com o Ministério Público e a polícia, sem necessidade de prévia autorização judicial, está autorizado o prosseguimento da investigação do MP/RJ contra Flávio Bolsonaro e seu assessor Fabrício Queiroz.
Felizmente, uma boa notícia!!!
Veja a íntegra da decisão:
AG.REG. NA RECLAMAÇÃO 36.679 RIO DE JANEIRO
RELATOR : MIN. GILMAR MENDES
AGTE.(S) :MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PROC.(A/S)(ES) :PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
AGDO.(A/S) :F.N.B.
ADV.(A/S) :FREDERICK WASSEF E OUTRO (A/S)
DECISÃO: Trata-se de agravo regimental interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro contra decisão que julgou procedente a reclamação ajuizada por Flávio Nantes Bolsonaro.
Na petição inicial da reclamação, a parte autora alega que autoridade reclamada descumpriu decisão de suspensão nacional proferida pelo Presidente do STF, Ministro Dias Toffoli, nos autos do RE 1.055.941 (tema 990 de repercussão geral), em que se discute a possibilidade de compartilhamento com o Ministério Público, para fins penais, dos dados bancários e fiscais do contribuinte, obtidos pela Receita Federal no legítimo exercício de seu dever de fiscalizar, sem autorização prévia do Poder Judiciário.
Requereu, assim, fosse julgada procedente a presente reclamação, a fim de suspender o PIC 2018.00452470, em trâmite no âmbito do MPRJ, e osHabeas Corpus n. 014980-83.2019.8.19.0000 e 0028203-06.2019.8.19.0000, no TJRJ.
Em 23.09.2019, solicitei informações ao TJRJ e ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (eDOCs 5 e 34), as quais foram prestadas nos eDOCs 33 e 40.
Em 30.09.2019, julguei procedente a reclamação, tão somente em relação ao reclamante, para determinar a suspensão do andamento dos feitos até o julgamento final, pelo STF, do Tema 990 da Repercussão Geral, pautado para 21 de novembro de 2019 (eDOC 36).
Após a prolação da referida decisão, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro interpôs o presente agravo regimental (eDOC 45).
Em 25.11.2019, a Procuradoria-Geral da República (PGR) manifestou o seu desinteresse em recorrer da decisão proferida (eDOC 66).
É o relatório. Decido.
No âmbito da Sessão de Julgamento de 28.11.2019, o Plenário do STF, por unanimidade, determinou a revogação da decisão proferida pelo eminente Ministro Dias Toffoli nos autos do RE 1.055.941, a qual, com fundamento no art. 1.035, § 5º, do Código de Processo Civil, determinara a suspensão nacional dos inquéritos e processos judiciais relacionados ao Tema 990 da Repercussão Geral.
Portanto, considerando que a decisão paradigma que estaria sendo descumprida pelo ato reclamado não mais subsiste, não há que se falar em violação à autoridade desta Corte, apta a ensejar o cabimento da presente reclamação.
Ressalto que, na decisão monocrática proferida no eDOC 36, no dia 30.09.2019, consignei expressamente que a suspensão do andamento do PIC 2018.00452470, bem como dos Habeas Corpus014980-83.2019.8.19.0000 e 0028203-06.2019.8.19.0000, ambos em trâmite no TJRJ, vigoraria até o julgamento final pelo STF do Tema 990 da Repercussão Geral.
Por esses mesmos fundamentos, julgo prejudicado o agravo regimental interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.
Outrossim, considerando que a Constituição Federal estabelece a regra da publicidade dos atos processuais e dos julgamentos do Poder Judiciário, ressalvada a preservação do direito à intimidade do interessado (art. 93, inciso IX), determino a publicação na íntegra da presente decisão, mantendo-se o sigilo dos autos, em razão da existência de dados bancários e fiscais do reclamante acobertados pela proteção à intimidade.
Após as comunicações, arquivem-se os autos.
Brasília, 29 de novembro de 2019.
Ministro Gilmar Mendes
Relator
In Jusbrasil
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