sexta-feira, 8 de maio de 2020

Bolsonaro junta-se ao “Centrão” e submete um governo pífio à guilhotina do que há de pior na política

(*) Ucho Haddad

 
 
Quando um governante confunde presidencialismo de coalizão, algo comum nas democracias modernas, com loteamento do governo para obter apoio político, é sinal de que o fim está muito mais próximo do que se imagina. 
Tão logo assumiu a Presidência da República, Jair Bolsonaro, tomado pela fanfarronice discursiva que o acompanha desde sempre, passou a falar em “velha política” como forma de criar uma cortina de fumaça que lhe permitisse atacar políticos que eventualmente surgissem em cena com propostas indecorosas.
Como sempre afirmo, na política e no lupanar não há virgens, por isso ninguém espere probidade monástica dos doutos (sic) representantes do povo, sejam eles quem forem, pois isso é devaneio elevado à enésima potência. É fato que há os que flanam boa parte do tempo entre as nuvens da honestidade, mas jamais colocaria a mão no fogo por algum deles, probos ou não.
Encalacrado em casos controversos que podem desaguar em rumorosos processos de impeachment, Bolsonaro, que nunca me convenceu com seu palavrório tosco e antidemocrático, agora alia-se ao que há de pior no Parlamento na tentativa de salvar o próprio mandato e eventualmente blindar os filhos. 
Depois de décadas cobrindo a política nacional, afirmo sem medo de errar que é menos arriscado vender a alma ao diabo do que ceder à pressão bandoleira do chamado “Centrão”, sempre ávido pelo butim.
A história recente do País mostra que essa aproximação política no terreiro legislativo na maioria das vezes não produz bons resultados, pelo contrário. Quando o escândalo do Mensalão do PT veio à tona, trincando os alicerces do primeiro governo de Lula, a prática de distribuir mesadas no Congresso para um punhado de parlamentares foi deixada de lado, pois o ônus dessa destrambelhada estratégia acabou subindo a rampa do Palácio do Planalto. Foi então que o então chefe da Casa Civil, José Dirceu, decidiu que o melhor seria lotear o governo, entregando aos aliados, de porteira fechada, ministérios e autarquias. Ou seja, era permitido avançar sobre o dinheiro público, desde que cada um assumisse a responsabilidade pelos atos praticados.
No começo o plano criminoso, que tinha como pano de fundo um ousado projeto de poder, funcionou, já que, com a máquina azeitada pela graxa da corrupção, o rolo compressor petista passeava no Congresso com impressionante facilidade. Além disso, o governo de então contou com uma oposição pífia e que sequer teve humildade suficiente para descer do salto. Exibiam punhos de renda aqui e acolá, mas nos bastidores batiam carteiras a mais não poder, porém sem dar na vista.
Com a máquina da corrupção rodando a plena carga e impulsionada pelo “faz de conta”, Lula conseguiu reeleger-se, mantendo por mais quatro anos o esquema criminoso que fez, durante algum tempo, a alegria de boas dúzias de políticos criminosos e seus apaniguados. A estratégia funcionou de tal forma, que o ex-metalúrgico conseguiu fazer a sucessora, Dilma Rousseff, uma ilustre desconhecida que, com a caneta presidencial nas mãos, permitiu que o banditismo político avançasse sem dó nem piedade. Tanto é assim, que suas campanhas – a primeira e a segunda – foram bilionárias e cinematográficas. Alguém pode afirmar que estou a exagerar, mas qualquer marqueteiro consciencioso sabe que minha avaliação é mais do que correta.
Política e corrupção são irmãs xifópagas, pelo menos Brasil, desde os tempos do descobrimento, mas nos mencionados governos exagerou-se na dose. Era muita gente com licença para roubar à vontade e à luz do dia, como se o País fosse acabar no dia seguinte. Quem acompanha a política brasileira a miúde sabe que essa era a triste realidade de então, que nos deixou uma conta que ultrapassa com folga as fronteiras do impagável.
Não por acaso, ao fazer as primeiras denúncias sobre o esquema de corrupção na Petrobras, em agosto de 2005, alguns alarifes, a mando dos poderosos, surgiram com propostas espúrias e milionárias para que, aceitando o dinheiro sujo, parasse com tudo. Preferi seguir adiante com as denúncias e pagar o alto preço daquela decisão, preço esse que me persegue até os dias atuais. Diante do poderio econômico dos criminosos com mandato, um jornalista independente e destemido sempre será a parte mais fraca. Mesmo assim, ciente de tudo o que poderia acontecer – e aconteceu –, não desisti.
Foi dessa maneira, deixando a quadrilha agir livremente, que Lula conseguiu escapar de muitas armadilhas políticas, como pedidos de impeachment, pautas-bomba, CPIs e outros penduricalhos típicos da atividade legislativa. De quebra, Lula é um animal político nato e naquele momento esbanjava persuasão, detalhe que ganhava reforço extra com a popularidade em alta. Foi também dessa maneira, deixando os saltimbancos agirem à vontade, que Dilma atravessou o primeiro mandato sem sobressaltos no Parlamento.
Contudo, no segundo mandato, quando a Lava-Jato passou a frequentar o cotidiano do noticiário verde-louro e o “Centrão” elevou o valor da futura, até porque na política ninguém madruga para ser benemerente, Dilma se viu sem condições de saciar o apetite dos proxenetas que lhe venderam apoio e acabou apeada do cargo a reboque de um processo de impeachment, cujo crime foi igualmente cometido por vários antecessores, sem que esses tivessem sido incomodados pelas autoridades. A questão é que o ruído da corrupção ganhou a sociedade, a traição dos aliados (sic) se fez presente e o clima político mostrou-se favorável naquele momento ao seu impedimento.
Ao procurar o “Centrão” para, à sombra do escambo político, conseguir apoio a ponto de barrar pedidos de impeachment e impedir investigações em CPIs, Bolsonaro dá claros sinais de que há muita sujeira sendo varrida para debaixo das alcatifas palacianas. E seus discursos truculentos contra a democracia, o Estado de Direito, os adversários políticos e a imprensa já não são capazes de conter os escândalos que, por enquanto, estão represados no açude do autoritarismo. Assusta-me o fato de militares graduados e respeitados, como currículos a serem preservados, compactuarem com esse enredo anoréxico em termos de ética e moralidade.
Ao distribuir cargos no governo ao “Centrão”, mesmo que no segundo escalão, Bolsonaro implode seu discurso contra a “velha política”, da qual é egresso, e o “toma lá, dá cá”. Considerando que os problemas do governo devem aumentar no vácuo da crise decorrente da pandemia do novo coronavírus e as confusões na órbita do presidente tendem a crescer com o avanço das investigações, o “Centrão” exigirá que a contrapartida seja majorada na mesma proporção.
Se Bolsonaro concordará com essa nova “mordida” dos novos aliados (sic) não se sabe, mas é certo que os “centristas” não cobraram cargos no governo porque são patriotas convictos e incorrigíveis, mas porque fazem da política um negócio imundo e altamente lucrativo. Selado o acordo com o “Centrão”, Bolsonaro precisa lembrar-se do dito popular “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. Em outras palavras, o caminho é sem volta e não tem atalhos.

(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta, palestrante e fotógrafo por devoção.

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