A máscara da morte verde-amarela
Ao cair a horripilante máscara, todos os desmascarados do festim puderam ver com seus próprios olhos: a “Morte Verde-Amarela” era o presidente da República/08 de fevereiro de 2021, 09:49 h
Por muito tempo a “Morte Verde-Amarela” devastara o país. Jamais pestilência alguma fora tão mortífera ou tão terrível.
Mas o príncipe Lira sabia-se feliz, intrépido e sagaz.
Quando teve uma importante vitória política, chamou à sua presença centenas de amigos frívolos, escolhidos entre os fidalgos e damas da corte, e com eles se encerrou num de seus palacetes fortificados.
A mansão estava amplamente abastecida.
Com tais precauções, os cortesãos estavam a salvo do contágio.
O mundo externo que se arranjasse.
Por enquanto, era loucura pensar nele ou afligir-se por sua causa. O príncipe tomara todas as providências para garantir o divertimento dos hóspedes.
Contratara bufões, subcelebridades, cantores sertanejos.
Vinho e segurança estavam dentro da mansão.
A folia continuou, rodopiante, até que o relógio começou a bater meia-noite.
A música parou, acalmou-se o rodopio dos dançarinos; e, como antes, uma constrangida imobilidade tomou conta de todas as coisas.
Doze foram as badaladas; por isso, os que meditavam entre os foliões tiveram tempo de meditar mais longa e profundamente.
E antes que se esvanecesse o eco da última badalada, muitos dos convivas puderam perceber a presença de um novo mascarado, que, até então, não atraíra as atenções.
Entre murmúrios, propagou-se a notícia daquela presença; elevou-se da companhia um zum-zum, um rumor de desaprovação e surpresa.
O novo mascarado excedia em extravagância ao próprio Herodes. Vestia uma mortalha que o cobria da cabeça aos pés.
A máscara que lhe escondia as feições imitava com tanta perfeição a rigidez facial de um cadáver que nem mesmo a um exame atento se perceberia o engano.
Suas vestes estavam salpicadas de sangue; sua ampla fronte, assim como toda a face, fora borrifada com horrendas manchas escarlates.
Quando os olhos do príncipe Lira caíram sobre aquela figura espectral seu rosto congestionou-se de raiva.
- Quem se atreve - perguntou aos cortesãos que o cercavam -, quem se atreve a insultar-nos com essa brincadeira idiota? Agarrem-no, tirem essa máscara dele!
Três ou quatro dos convidados chegaram a ensaiar uma perseguição.
Mas, devido ao terror produzido pelo mascarado no ânimo de todos, não se atreveram a caçá-lo.
Sem empecilho, o vulto se afastou.
Louco de raiva, o príncipe Lira avançava impetuosa e rapidamente; já estava a três ou quatro passos do vulto que se retirava, quando este virou-se e encarou seu perseguidor.
Nesse instante ouviu-se a gargalhada do príncipe.
Ao cair a horripilante máscara, todos os desmascarados do festim puderam ver com seus próprios olhos: a “Morte Verde-Amarela” era o presidente da República.
(Livre adaptação do conto “A máscara da morte rubra”, de Edgar Allan Poe, tradução de José Paulo Paes)
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