terça-feira, 18 de outubro de 2022

UMA CRÔNICA DE INFÂNCIA = O ARCO-ÍRIS




Já dizia o escritor Mário Martins que, "entre os principais deveres do homem está o de testemunhar, atestar o que viu, ouviu e, em certos casos, sentiu. É que ninguém é dono do minuto que vive. Esse instante de vida pertence a todos, sobretudo aos que não foram seus contemporâneos. Por isso, uma autobiografia, ainda que medíocre, raramente é um desperdício. É uma marca de passagem".
Uma das mais belas e terríveis lembranças que tenho na vida, conheci-a, há mais de meio século atrás, ao lado de minha mãe, o que me fez chegar à conclusão que se Deus existe não pode representar-se de outra forma se não como o Universo em trezentos e sessenta graus.
Era uma fria manhã.
Havia chovido muito à noite e uma parte do gado dispersara invernada afora.
Meu pai, terrivelmente atacado pela "gota", e não podendo locomover-se, incumbiu-nos a minha mãe e eu de buscarmos algumas reses que precisavam ser ordenhadas.
Muita busca.
Muita pisada em falso.
O mato molhado ainda coberto pelas gotas de água, mal nos deixava enxergar, mas afinal encontramos as tais desgarradas, porque aquilo era imprescindível.
Cada uma de nós, minha mãe e eu, portávamos uma taquara que servia para tocar de leve nos animais para voltar à casa.
De repente, como se fôssemos duas bestas, empacamos: no céu, um arco-íris tão imenso quanto o espaço celeste que ali existia sobre nossas cabeças.
O medo paralisou-nos.
Todas as histórias que ouvimos acerca desse fenômeno da natureza pareciam reais. Com certeza, seríamos tragadas por aquele monstro multicolorido... E lançadas para aonde?
Pedir socorro a quem, naquele deserto plano e esbranquiçado?
O horror era tanto que, ao invés de estimular para a fuga, obrigava-nos a olhar para aquele arco e beber da sua beleza, como se fora nosso último apego à vida.
Hipnotizadas e trêmulas, ambas nos abraçamos e decidimos "atravessar" aquele absurdo painel, sem olhar de lado, nem para o alto, só à frente. Mas por mais que andássemos, parecia que não saíamos do lugar.
A energia daquilo tudo estava no nosso corpo, impregnando todos os nossos sentidos.
Então, fechamos bem os olhos e rezamos alto, ainda abraçadas.
Se houve tempo, não contamos.
Todavia, quando nos libertamos daquela estranha força vimos já chegando a poucos metros da cerca que beirava o curral e a casa.
Nosso pai já havia ordenhado diversas vacas com a ajuda do peão que chegara.
De nada adiantou tentarmos argumentar sobre a demora, porque meu pai jamais compreenderia. E ninguém mais.
Muitas vezes tentamos, minha mãe e eu, transmitir essa experiência do jeitinho que a conhecemos para as irmãs, mas jamais conseguimos.
O que deixou de bom para a nossa vida esse episódio tão esquisito?
Não sei, mas foi uma das poucas ocasiões, se não a única vez na vida em que me abracei completamente à minha mãe.
Foi tão bom!

Luiza Válio.

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