Paraguai cancela acordo com Brasil que provocou ameaça de impeachment em Assunção.
Decisão foi aceita formalmente pelo Brasil; cancelamento reduz pressão por afastamento do presidente Mario Abdo.
Janaína Figueiredo e Ana Rosa Alves
01/08/2019 - 11:48 / Atualizado em 01/08/2019 - 19:08
Paraguai cancela oficialmente acordo com Brasil que provocou ameaça de impeachment em Assunção Foto: Chancelaria do Paraguai.
RIO — O chanceler do Paraguai, Antonio Rivas Palacios, anunciou nesta quinta-feira o cancelamento da ata diplomática assinada com o Brasil que deflagrou uma grave crise política no país vizinho e pôs o presidente Mario Abdo Benítez sob ameaça de impeachment.
A decisão foi comunicada formalmente ao embaixador brasileiro em Assunção, Carlos Simas Magalhães, que a referendou em nome do governo Bolsonaro.
Na ata agora anulada, o governo paraguaio havia concordado em pagar mais pela energia da hidrelétrica binacional de Itaipu.
"A Alta Parte Contratante paraguaia comunicou sua decisão unilateral e soberana de deixar sem efeito a Ata Bilateral de 24 de maio de 2019", diz o documento paraguaio, que foi assinado pelo chanceler Rivas e pelo embaixador brasileiro. Segundo o documento, Brasil e Paraguai determinaram que as instâncias técnicas de Itaipu redefinam o cronograma de energia a ser contratada pela Eletrobras e pela Ande (estatal de energia do Paraguai) no período entre 2019 e 2022.
Foi justamente a pressão brasileira para que o Paraguai declarasse uma contratação maior da energia dita "garantida", deixando de contar com a chamada "energia excedente", bem mais barata, que levou ao acerto de maio e à crise política que ele provocou. De acordo com técnicos paraguaios, os gastos do país aumentariam em ao menos US$ 200 milhões anuais.
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O documento divulgado pelo Paraguai afirma ainda que as duas partes "coincidiram em que a falta de acordo sobre o cronograma de energia a ser contratada de Itaipu afeta negativamente o faturamento dos serviços de eletricidade da entidade binacional e, nesse sentido, destacaram a importância de se encontrar uma solução para o problema no curto prazo".
De acordo com fontes do Itamaraty, o cancelamento da ata de maio foi uma decisão paraguaia, que o Brasil aceitou.
Na quarta-feira, diante da ameaça de impeachment de Mario Abdo, seu aliado, o presidente Jair Bolsonaro já havia admitido a possibilidade de revogar o acordo de maio.
Nesta quinta-feira, o Itamaraty divulgou uma nota afirmando que o impeachment poderia ferir a cláusula democrática do Mercosul, levando à suspensão do Paraguai do bloco.
O cancelamento da ata conseguiu frear no Congresso do Paraguai, ao menos momentaneamente, a tentativa de aprovar um pedido de impeachment do presidente Mario Abdo e do seu vice, Hugo Velázquez, acusados pela oposição de traição à pátria.
O opositor Partido Liberal, que na quarta-feira anunciara a decisão de iniciar o processo de impeachment, perdeu os votos necessários para afastar o chefe de Estado, embora seu líder, Efraín Alegre, continue dizendo que manterá a proposta.
A anulação do documento também levou à suspensão de uma reunião que estava prevista para esta sexta, em Brasília, na qual o chanceler paraguaio estaria presente.
'Triunfou a nação', diz presidente.
Em pronunciamento televisionado à nação, logo depois do cancelamento do acordo com o Brasil, o presidente paraguaio afirmou que "triunfou a democracia", em referência à decisão de deputados de seu partido, o Colorado, de não apoiarem o pedido de impeachment.
Sem mencionar detalhes da ata de 24 de maio, Abdo afirmou que "a renegociação de Itaipu é uma causa nacional", referindo-se ao processo previsto para 2023, quando a dívida de Itaipu estará paga e o Paraguai espera obter liberdade para negociar como quiser a parte da energia que lhe cabe, mas que não consome (hoje, essa energia tem que ser vendida à Eletrobras). O chefe de Estado informou que será criada uma comissão para assessorar o governo nas negociações com o Brasil, incluindo setores da oposição e acadêmicos.
— Não tenho outro interesse a não ser deixar um país melhor para os paraguaios — declarou o presidente, que pediu que "esta crise se transforme numa oportunidade". — Agradeço aos líderes da região que se preocuparam — continuou, mencionando apenas o o secretário-geral da Organização de Estados Americanos (OEA), Luis Almagro.
O nome do presidente do Brasil não foi citado, como tampouco detalhes das negociações entre os dois países.
O presidente admitiu "erros" e disse que diante deles seu governo será "drástico".
O chefe de Estado também agradeceu aos deputados que buscaram "uma saída que evitasse uma ruptura democrática".
O nome de seu vice, Hugo Velázquez, alvo de acusações de corrupção envolvendo Itaipu, foi evitado no discurso.
Paraguai perderia, diz aliado de Lugo.
De acordo com o secretário de Relações Internacionais da Frente Guazú, Ricardo Canese, especialista em energia, o texto da ata agora revogada estabelecia que neste ano 89% da energia mais barata produzida por Itaipu (a energia excedente) seria destinada ao Brasil. Até agora, o Paraguai recebia a maior parte dessa energia, apontou Canese, como determina o artigo XIII do tratado de 1973.
— Foi uma gravíssima violação do tratado e faria o Paraguai perder entre US$ 200 milhões e US$ 300 milhões — assegurou o especialista e membro do partido opositor liderado pelo ex-presidente Fernando Lugo (2008-2012).
( Colaboraram André Duchiade e Eliane Oliveira)
O Globo
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