sexta-feira, 14 de maio de 2021

O HABEAS CORPUS DO PAZUELLO:

 O HABEAS CORPUS DO PAZUELLO:

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
PERECIMENTO DO DIREITO:
- Dia: 19 de maio de 2021
- Horário: 10h
EDUARDO PAZUELLO, General de Divisão do Exército
Brasileiro (ex-Ministro de Estado da Saúde), brasileiro, inscrito no CPF sob
o nº 734.125.037-20, residente e domiciliado no Hotel de Trânsito de
Oficiais - Setor Militar Urbano, Brasília/DF, neste ato representado pela
Advocacia-Geral da União, nos termos do artigo 22 da Lei n° 9.028/1995,
com fundamento no art. 5º, LXVIII, da Constituição da República, nos
artigos 647 e seguintes do Código de Processo Penal, e nos artigos 188 e
seguintes do Regimento Interno do STF, vem, perante essa Suprema Corte,
impetrar o presente
HABEAS CORPUS PREVENTIVO
com pedido de medida liminar,
em favor de si próprio1
, tendo em vista o justo receio da prática de ato ilegal
no âmbito da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a Pandemia da
Covid-19 (CPI DA PANDEMIA), representada por seu presidente Senador
Omar Aziz e demais membros (doravante designados como autoridades
impetradas), em especial quando do depoimento do impetrante, designado
para ocorrer no próximo dia 19 de maio, consoante as razões de fato e de
direito a seguir narradas:
1 Portanto, figura como impetrante o mesmo paciente, considerando a dicção do art. 654 do CPP: “O habeas
corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo
Ministério Público”. No mesmo sentido: RISTF, art. 189, inciso I.
ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
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I – DA REPRESENTAÇÃO PELA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
A representação judicial de agentes públicos encontra-se
prevista no art. 22 da Lei 9.028/952
e disciplinada, pelo Advogado-Geral da
União, por meio da Portaria AGU nº 428/2019.
Consoante se extrai do dispositivo legal, a Advocacia-Geral da
União fica autorizada a representar judicialmente os titulares dos
Ministérios, inclusive ex-ocupantes, quanto a atos praticados no exercício de
suas atribuições constitucionais, legais ou regulamentares, no interesse
público, podendo, ainda, quanto aos mesmos atos, impetrar habeas corpus e
mandado de segurança em defesa dos agentes públicos.
No mesmo sentido, o artigo 3º, incisos IV e XVII, da Portaria
AGU nº 428/2019 disciplina que a Advocacia-Geral da União poderá
2 Art. 22. A Advocacia-Geral da União e os seus órgãos vinculados, nas respectivas áreas de atuação, ficam
autorizados a representar judicialmente os titulares e os membros dos Poderes da República, das Instituições
Federais referidas no Título IV, Capítulo IV, da Constituição, bem como os titulares dos Ministérios e
demais órgãos da Presidência da República, de autarquias e fundações públicas federais, e de cargos de
natureza especial, de direção e assessoramento superiores e daqueles efetivos, inclusive promovendo ação
penal privada ou representando perante o Ministério Público, quando vítimas de crime, quanto a atos
praticados no exercício de suas atribuições constitucionais, legais ou regulamentares, no interesse público,
especialmente da União, suas respectivas autarquias e fundações, ou das Instituições mencionadas,
podendo, ainda, quanto aos mesmos atos, impetrar habeas corpus e mandado de segurança em defesa dos
agentes públicos de que trata este artigo. (Redação dada pela Lei nº 9.649, de 1998)
§ 1º O disposto neste artigo aplica-se aos ex-titulares dos cargos ou funções referidos no caput, e
ainda: (Incluído pela Lei nº 9.649, de 1998)
I - aos designados para a execução dos regimes especiais previstos na Lei nº 6.024, de 13 de março de
1974, e nos Decretos-Leis nºs 73, de 21 de novembro de 1966, e 2.321, de 25 de fevereiro de 1987, e para
a intervenção na concessão de serviço público de energia elétrica; (Redação dada pela Lei nº 12.767, de
2012)
II - aos militares das Forças Armadas e aos integrantes do órgão de segurança do Gabinete de
Segurança Institucional da Presidência da República, quando, em decorrência do cumprimento de dever
constitucional, legal ou regulamentar, responderem a inquérito policial ou a processo judicial.
(Incluído pela Lei nº 9.649, de 1998) (Vide Medida Provisória nº 2.216-37, de 2001)
§ 2º O Advogado-Geral da União, em ato próprio, poderá disciplinar a representação autorizada por
este artigo.
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representar em juízo, observadas suas competências, os ex-ocupantes do
cargo de Ministro de Estado.
Assim, confirma-se que o impetrante está inserido entre aqueles
que podem ser representados judicialmente pela AGU, uma vez que ocupou
o cargo de Ministro de Estado da Saúde à época dos fatos apurados na
Comissão Parlamentar de Inquérito.
II – DOS FATOS
Na ocasião do julgamento da medida cautelar no Mandado de
Segurança nº 37.760, o Plenário dessa Suprema Corte, por maioria de votos,
ratificou a liminar deferida pelo Sr. Ministro Relator LUÍS ROBERTO
BARROSO para determinar ao Presidente do Senado Federal a adoção das
providências necessárias à criação e instalação de comissão parlamentar de
inquérito, na forma do Requerimento SF/21139.59425-24.
Na sessão remota do dia 13 de abril de 2021, o Presidente do
Senado Federal, Senador Rodrigo Pacheco, fez a leitura do requerimento que
determina a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19 (CPI
da Pandemia), cujo objeto, inicialmente destinado à investigação de supostas
ações e omissões do Governo Federal no enfrentamento à pandemia, com
ênfase àquelas relacionadas à crise sanitária em Manaus/AM, engloba
também, por peticionamento ofertado pelo Senador Eduardo Girão, a
apuração dos repasses da União a Estados e Municípios para ações de
prevenção e combate ao vírus.
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Portanto, a finalidade da referida Comissão, após a análise
conjunta dos requerimentos SF/21139.59425-24 e SF/21259.95668-45,
restou assim configurada:
Apurar, no prazo de 90 dias, as ações e omissões do Governo Federal no
enfrentamento da Pandemia d aCovid-19 no Brasil e, em especial, no
agravamento da crise sanitária no Amazonas com a ausência de oxigênio para
os pacientes internados; e as possíveis irregularidades em contratos, fraudes
em licitações, superfaturamentos, desvio de recursos públicos, assinatura de
contratos com empresas de fachada para prestação de serviços genéricos ou
fictícios, entre outros ilícitos, se valendo para isso de recursos originados da
União Federal, bem como outras ações ou omissões cometidas por
administradores públicos federais, estaduais e municipais, no trato com a coisa
pública, durante a vigência da calamidade originada pela Pandemia do
Coronavírus 'SARS-CoV-2', limitado apenas quanto à fiscalização dos
recursos da União repassados aos demais entes federados para as ações de
prevenção e combate à Pandemia da Covid-19 , e excluindo as matérias de
competência constitucional atribuídas aos Estados, Distrito Federal e
Municípios.
Iniciados os trabalhos em 04 de maio do corrente ano, a
Comissão tem tomado depoimentos de diversas autoridades, entre elas os exMinistros de Estado da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Luiz Sperle
Teich, bem como o atual Ministro Marcelo Queiroga.
O impetrante/paciente foi notificado a prestar depoimento
perante a CPI da Pandemia, contudo, no dia 03 de maio teve ciência de que
dois de seus assessores foram diagnosticados com infecção do Coronavírus
SARS-CoV-2, ocasião em que informou ao Comando do Exército a situação,
esclarecendo, como alternativa, que a tomada do depoimento fosse realizada
de modo virtual no mesmo dia designado (dia 05 de maio de 2021) ou em
outra data a ser designada pela Comissão. Foi deliberado no sentido dessa
última hipótese, restando o paciente novamente notificado para comparecer
no dia 19 de maio próximo, a fim de que preste seu depoimento.
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Ocorre que, desde então, tem sido divulgada pela imprensa
uma série de declarações de alguns membros da CPI da Pandemia, que, caso
confirmadas por ocasião do depoimento do impetrante/paciente,
configurariam verdadeiro constrangimento ilegal, inclusive antecipando um
inadequado juízo de valor sobre culpabilidade, conforme se verifica nos
trechos das seguintes matérias:
Randolfe diz que Pazuello pode ser preso se não falar a verdade à CPI
O vice-presidente da CPI da Covid-19, Randolfe Rodrigues (Rede-AP),
afirmou nesta segunda-feira (10/5) que o ex-ministro da Saúde Eduardo
Pazuello poderá ser preso, caso não cumpra o compromisso de falar a
verdade em depoimento à comissão.
A oitiva de Pazuello está marcada para o próximo dia 19, e senadores do
colegiado receberam a informação de que ele estaria tentando evitar o
depoimento.
"Se descumprir o compromisso de falar a verdade diante da CPI, ele pode
responder, inclusive, com pena de detenção. É isso que diz a letra clara do
Código Processo Penal, é isso que diz a possibilidade de falso testemunho
sobre a condução de um inquérito", declarou Randolfe, em entrevista à CNN
Brasil. [...]3
(grifou-se)
CPI é alertada de que Pazuello tenta evitar comparecer ao depoimento como
testemunha
[...]
Para outros senadores que fazem parte da CPI, Pazuello deve ser chamado
mais de uma vez na CPI, pelo fato de ter sido responsável por diversas
decisões que levaram à gestão desastrosa da pandemia, que já deixa mais
de 420 mil mortos.
4
(grifou-se)
Aziz diz que Queiroga mentiu mais que Wajngarten e manda recado a
Pazuello
[...] Em seguida, Aziz mandou recado para outras pessoas que ainda irão depor
à CPI, como o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. O seu depoimento está
previsto para ocorrer na semana que vem, no dia 19. "Então, hoje, não
duvidem porque não tomei a decisão que muitos queriam [o do pedido de
prisão]. Mas não se iludam que eu não vou ter essa mesma parcimônia
em relação aos outros depoentes que vamos ter por aqui. Tenha certeza
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disso. Se alguém achar que vão brincar com essa CPI, estão muito enganados",
afirmou. [...]5
(grifou-se).
O justo receio de sofrer constrangimentos pode ser
corroborado por ocorrência recente na ocasião do depoimento da testemunha
Fabio Wajngarten, no dia 12 de maio de 2021, noticiada pela imprensa:
Senadores discutiram prisão de Wajngarten em intervalo da CPI
Irritados com a postura de Fabio Wajngarten no depoimento à CPI da Covid,
senadores discutiram, em intervalo da reunião, a possibilidade de prendê-lo
por supostas mentiras mesmo sob juramento.
Na oitiva, Wajngarten contradisse entrevista que deu à revista Veja, na qual
falou sobre ter negociado a compra de vacina da Pfizer6
. (grifou-se)
Wajngarten não responde perguntas e é ameaçado de prisão na CPI da
Covid
O ex-secretário de Comunicação do governo Bolsonaro Fabio Wajngarten
contradisse falas dadas à Revista Veja para a CPI (Comissão Parlamentar de
Inquérito) da Covid e irritou senadores, que suspeitaram que ele poderia estar
mentindo. Estes levantaram até a possibilidade de prisão para o ex-secretário7
.
Caso venha a se confirmar a referida postura por algum
membro da CPI quando do depoimento do impetrante/paciente, haveria
nítido constrangimento ilegal, o que se busca desde já evitar por meio desta
ação.
Deve-se destacar que, em outras oportunidades, o Supremo
Tribunal Federal considerou suficiente a plausibilidade das afirmações
constantes em reportagens para fins de concessão de ordem em sede de
habeas corpus, conforme se verifica exemplificativamente no HC 88.703-
MC, de Relatoria do Min. CEZAR PELUSO, no sentido de a testemunha poder
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invocar a garantia de não produzir prova contra si mesmo (exatamente a
hipótese do presente caso):
Não obstante a possível dúvida a respeito do teor da convocação do paciente,
se lhe formaliza ou não a condição de investigado, pode-se inferir que é esta
a condição que lhe advém das notícias veiculadas pela imprensa. [...]
Nesse sentido, HC n. 86.232-MC, rel. Min. Ellen Gracie. Além disso, não
menos aturada e firma a jurisprudência deste Tribunal no sentido de que a
garantia constitucional contra autoincriminação se estende a todas as pessoas
sujeitas aos poderes instrutórios das Comissões Parlamentares de Inquérito,
assim aos indiciados mesmos, ou, recte, envolvidos, investigados, ou
suspeitos, como às que ostentem a só qualidade de testemunhas, ex vi do art.
406, I, do Código de Processo Civil, c.c. art. 3º, do Código de Processo Penal
e art. 6º, da Lei n. 1.579, de 18 de março de 1952 (HC 88.703-MC, rel. Min.
Cezar Peluso). (grifou-se)
Registre-se que a impetração do presente writ somente se
perfez necessária diante do que restou noticiado e informado pela imprensa
brasileira, consoante as reproduções anteriormente transcritas. À vista de
matérias que veiculam posições comprobatórias do fundado receio de abuso
e constrangimento por ocasião da tomada de depoimento, não restou
alternativa senão a presente impetração.
De outro giro, o justo receio do impetrante/paciente é
corroborado pela prática observada quando da oitiva na CPI do atual
Ministro de Estado da Saúde Marcelo Queiroga, o qual foi repetidamente
instado a emitir opiniões ou juízos de valor em detrimento do relato sobre
fatos que deveriam ser elucidados na condição de testemunha.
Alguns desses eventos foram noticiados pela imprensa,
conforme se verifica exemplificativamente nas seguintes matérias:
Um momento de saia-justa para o atual titular da pasta foi quando ele foi
pressionado a dizer se compartilhava a opinião do presidente Jair
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Bolsonaro a favor da cloroquina no tratamento contra a covid. Ele não
respondeu.
8
(grifou-se)
Perguntado diversas vezes sobre qual é a opinião dele sobre a cloroquina e
se ele concorda com a campanha que o presidente Jair Bolsonaro faz ao
tratamento precoce, Queiroga evitou dar resposta.
9
(grifou-se)
Após ser reiteradas vezes questionado pelo relator da CPI da Covid-19,
Renan Calheiros (MDB-AL), se compartilhava de opinião do presidente
Jair Bolsonaro sobre o uso da cloroquina para tratamento da Covid-19, o
ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, evitou responder de forma objetiva. O
medicamento não tem eficácia comprovada é defendido por Bolsonaro.
Diante da falta de objetividade do ministro, o presidente da comissão, Omar
Aziz (PSD-AM), refez a pergunta e pediu para que ele respondesse.
Queiroga se queixou, dizendo que os senadores estavam pedindo para que ele
fizesse "um juízo de valor".
"Eu não faço juízo de valor acerca da opinião do presidente da República
[sobre distribuir cloroquina a pacientes com Covid-19]. Essa é uma questão
técnica", afirmou Queiroga.
O relator questionou se o governo está distribuindo cloroquina para indígenas
e Queiroga respondeu que "não tem conhecimento" sobre isso. Aziz destacou
que o ministro foi à CPI na condição de testemunha e, portanto, tem o
compromisso de dizer a verdade.
10 (grifou-se)
O ministro Marcelo Queiroga também afirmou nesta quinta que "fazer juízo
de valor acerca do que o presidente fala não é competência do ministro da
Saúde". Ele se manifestou nesse sentido quando questionado sobre se as
falas do presidente teriam impacto sobre a vacinação.
11 (grifou-se)
Para Queiroga, essas posições do presidente "não têm impacto na população"
e pesquisas indicam que as pessoas querem se vacinar. "Eu não posso fazer
juízo de valor sobre declarações do presidente ou de qualquer brasileiro",
disse.12
Questionado pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) sobre as
declarações do presidente Jair Bolsonaro que, na quarta-feira (5), insinuou
que a difusão do novo coronavírus pode ter relação com uma guerra química
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por parte da China, o ministro afirmou desconhecer qualquer iniciativa nesse
sentido.13
Esse aspecto merece também ser considerando no contexto
da adequada prestação de depoimento pelas testemunhas em uma CPI, pois,
conforme se demonstrará mais à frente, há justo receio de que
questionamentos do gênero sejam novamente utilizados com sérios riscos ao
direito constitucional de não produzir provas contra si mesmo.
III – DO DIREITO
III.1. Do cabimento e da competência do STF
A impetração da presente medida se justifica em razão de os
atos praticados por membros do Senado Federal estarem sujeitos diretamente
à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, na forma do art. 102, inciso I, “i”,
da Constituição.
Por sua vez, o cabimento do habeas corpus tem sede
constitucional (art. 5º, LXVIII), para a defesa do direito fundamental à
liberdade de locomoção, diante de ilegalidade ou abuso de poder.
Conforme narrado nesta peça, o impetrante/paciente possui
justo receito de sofrer constrangimentos quando de seu depoimento à CPI,
em razão do exercício de direitos fundamentais que são assegurados em
ampla jurisprudência desse Supremo Tribunal Federal, razão pela qual
postula seja concedido em seu favor salvo conduto neste habeas corpus
preventivo.
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III.2. Do princípio do nemo tenetur se detegere
Conforme mencionado acima, há indicativo de haver
constrangimentos ao impetrante/paciente, por parte de algum membro da
CPI, no sentido de se buscar uma confissão de culpa que seria imprópria e
inadequada no Estado Democrático de Direito.
Com efeito, como é de conhecimento comum, o art. 14.3, “g”,
do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos14 reconhece a toda
pessoa acusada o direito “de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem
a confessar-se culpada”. Da mesma forma, no âmbito da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica)15, a
garantia do nemo tenetur se infere do art. 8.2, “g”, ao estabelecer como
garantia mínima a toda pessoa acusada o “direito de não ser obrigada a
depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada”.
Destaque-se que, em que pese o art. 5º, LXIII, da
Constituição, faça referência ao direito ao silêncio da pessoa ao ser presa, tal
garantia se estende a todos os suspeitos ou acusados, em todas as situações,
seja em qualquer situação processual em que figure.
Dessa forma, pode-se entender o nemo tenetur se detegere
como gênero, onde o direito ao silêncio seria espécie, decorrente da
presunção de inocência, conforme já reconhecido pelo Tribunal Europeu de
Direitos Humanos nos seguintes casos: Caso Funke vs. França (1993),
14 Com eficácia no ordenamento jurídico brasileiro por intermédio do Decreto nº 592, de 6 de julho de 1992.
15 Com eficácia no ordenamento jurídico brasileiro por intermédio do Decreto nº 678, de 6 de novembro de
1992.
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Saunders vs. Reino Unido (1996), Serves vs. França, Condron vs. Reino
Unido, Heaney e McGuinness vs. Irlanda.
Nesse sentido, são adequadas as lições de Nereu Giacomolli
sobre o conteúdo e abrangência da garantia de não produzir prova contra si
mesmo, colocando o nemo tenetur se detegere como gênero:
Enquanto o nemo tenetur abarca o direito de não produzir ou colaborar
na produção de quaisquer provas, sendo elas documentais, periciais ou
outras, o silêncio atinge o direito de o imputado não declarar. Portanto, o
direito ao silêncio constitui-se em espécie do nemo tenetur. Contudo, tanto o
direito ao silêncio quanto o nemo tenetur “são padrões internacionais
geralmente reconhecidos que se encontram no coração da noção de processo
justo” (em ALBUQUERQUE, 2011, p. 892).
Ninguém está obrigado a se autoacusar, asseverava Hobbes em seu Leviatã.
A confissão, já advertia Carmignani no século XIX, não pode ser considerada
como prova do fato. Ninguém poderá, legitimamente, ser compelido a
produzir provas para incriminar-se, para autoincriminar-se, na medida
em que há de ser respeitada a vontade em permanecer em silêncio, de não
agir, de não colaborar. O nemo tenetur engloba: (a) a negativa em
declarar, ou seja, de permanecer em silêncio ou responder somente ao
questionamento que não resulte em autoincriminação; (b) condutas ativas,
tais como o comparecimento à reconstituição de fatos, comparecimento para
depor, fornecimento de documentos para exames grafotécnicos e assoprar no
etilômetro; (c) comportamentos passivos que possam induzir à formação de
substrato probatório incriminatório (nemo tenetur se ipsum accusare), tais
como a submissão ao reconhecimento e à extração coativa de material para
ser analisado (coleta de sangue, de esperma, de saliva, urina, v. g.); (d) a
invasividade interna, como a introdução de agulhas para extração de sangue
ou de outros líquidos do corpo, a introdução de substâncias químicas via
sondas (eméticos, v. g.), a intervenção cirúrgica, com o objetivo de obtenção
da prova (implante subcutâneo, v. g.); (e) a invasividade externa, por manter
relação com a interna, como a extração de cabelos, pelos, unhas; (f) a
impossibilidade de interpretar-se o silêncio ou o não fazer contra o sujeito, não
só nos interrogatórios, nos momentos das abordagens policiais, mas sempre
que a conduta possa produzir autoincriminação. A “colaboração” do
suspeito ou do acusado, quando não voluntária, fere o estado de inocência
e a ampla defesa. Portanto, não importa ser essa “cooperação” ativa ou
passiva, declaratória ou comportamental, nem o grau ou nível de invasividade.
Abrange, portanto, uma complexidade de comportamentos, condutas,
circunstâncias autoincriminatórias, ou seja, tudo o que pode ser utilizado
contra o sujeito, não só a exteriorização do pensamento mediante
declaração.
[...]
Ademais, sempre que uma testemunha for perguntada sobre fatos e
circunstâncias que possam incriminá-la, tanto na fase preliminar do
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processo penal, no âmbito deste ou das CPIs, incide o nemo tenetur, o
direito ao silêncio.
16 (grifou-se)
Não é por outra razão que o Supremo Tribunal Federal tem
posicionamento pacífico a respeito de se reconhecer a garantia de não
produção de prova contra si mesmo também àqueles que, embora
formalmente convocados como testemunhas em CPIs, possam, de alguma
forma, figurar em situação prejudicial ao exercício de seu direito de defesa,
conforme se verifica exemplificativamente nos seguintes julgados:
O privilégio contra a autoincriminação – que é plenamente invocável
perante as CPIs – traduz direito público subjetivo assegurado a qualquer
pessoa, que, na condição de testemunha, de indiciado ou de réu, deva
prestar depoimento perante órgãos do Poder Legislativo, do Poder
Executivo ou do Poder Judiciário. O exercício do direito de permanecer
em silêncio não autoriza os órgãos estatais a dispensarem qualquer
tratamento que implique restrição à esfera jurídica daquele que
regularmente invocou essa prerrogativa fundamental. (...) O direito ao
silêncio – enquanto poder jurídico reconhecido a qualquer pessoa
relativamente a perguntas cujas respostas possam incriminá-la (nemo
tenetur se detegere) – impede, quando concretamente exercido, que aquele
que o invocou venha, por tal específica razão, a ser preso, ou ameaçado
de prisão, pelos agentes ou pelas autoridades do Estado. Ninguém pode ser
tratado como culpado, qualquer que seja a natureza do ilícito penal cuja prática
lhe tenha sido atribuída, sem que exista, a esse respeito, decisão judicial
condenatória transitada em julgado. O princípio constitucional da não
culpabilidade, em nosso sistema jurídico, consagra uma regra de tratamento
que impede o poder público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito,
ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido
condenados definitivamente por sentença do Poder Judiciário. [HC 79.812,
rel. min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, j. 8-11-2000, P, DJ de 16-2-2001.]
(grifou-se)
EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. COMISSÃO
PARLAMENTAR DE INQUÉRITO – TRÁFICO DE PESSOAS NO
BRASIL. REQUERIMENTO DE OITIVA DOS PACIENTES. DIREITO DE
NÃO PRODUZIR PROVA CONTRA SI MESMO (NEMO TENETUR SE
DETEGERE) E DE ASSISTÊNCIA DE ADVOGADO. ORDEM
PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. A jurisprudência deste Supremo
Tribunal firmou-se no sentido de ser oponível às Comissões
16 GIACOMOLLI, Nereu José. O devido processo penal: abordagem conforme a Constituição Federal e o
Pacto de São José da Costa Rica. 3. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2016, PP. 419-420.
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Parlamentares de Inquérito a garantia constitucional contra a
autoincriminação e, consequentemente, do direito ao silêncio quanto a
perguntas cujas respostas possam resultar em prejuízo dos depoentes,
além do direito à assistência do advogado. Precedentes. 2. Ordem
parcialmente concedida. (HC 119941, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA,
Segunda Turma, julgado em 25/03/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe080 DIVULG 28-04-2014 PUBLIC 29-04-2014) (grifou-se)
EMENTA: Habeas corpus. Comissão Parlamentar de Inquérito. Direito ao
silêncio, garantia contra a auto-incriminação e direito de assistência por
advogado. Aplicabilidade plena e extensível a futuras convocações. O fato de
o paciente já ter prestado declarações à CPI não acarreta prejudicialidade do
writ quando ainda existir a possibilidade de futuras convocações para
prestação de novos depoimentos. É jurisprudência pacífica desta Corte a
possibilidade de o investigado, convocado para depor perante CPI,
permanecer em silêncio, evitando-se a auto-incriminação, além de ter
assegurado o direito de ser assistido por advogado e de comunicar-se com
este durante a sua inquirição. Precedentes. Considerando a qualidade de
investigado convocado por CPI para prestar depoimento, é imperiosa a
dispensa do compromisso legal inerente às testemunhas. Direitos e garantias
inerentes ao privilégio contra a auto-incriminação podem ser previamente
assegurados para exercício em eventuais reconvocações. Precedentes. Ordem
concedida. (HC 100200, Relator(a): JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno,
julgado em 08/04/2010, DJe-159 DIVULG 26-08-2010 PUBLIC 27-08-2010
EMENT VOL-02412-02 PP-00257 RT v. 99, n. 902, 2010, p. 513-515)
(grifou-se)
Portanto, considerando o justo receio de constrangimentos a
serem impingidos ao impetrante/paciente, embora tenha sido notificado para
prestar depoimento como testemunha, deve ser a ele garantida a prerrogativa
constitucional de não produzir prova contra si mesmo, resguardando-se,
portanto: (i) o direito de responder as perguntas que, a seu juízo, não
configurem violação àquela prerrogativa; e (ii) em razão do exercício desse
direito, não venha sofrer qualquer ameaça de tipificação de crime de falso
testemunho e/ou ameaça de prisão em flagrante.
O justo receio do impetrante/paciente é corroborado por
procedimentos em curso para apurar a responsabilidade de agentes públicos.
Nesse sentido, cite-se o Inquérito nº 4862 (0038000-48.2021.1.00.0000)
ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
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instaurado perante o Supremo Tribunal Federal e a ação de improbidade
administrativa nº 1006436-58.2021.01.3200, ajuizada pelo Ministério
Público Federal do Amazonas. Veja-se que qualquer manifestação feita pelo
depoente à CPI, independentemente de seu conteúdo, possui o risco de
interferência no seu direito de defesa nesses procedimentos.
Da mesma forma, foi noticiado na imprensa que há 10 (dez)
procedimentos investigatórios instaurados pelo Ministério Público Federal
que se confundem com o objeto da investigação da CPI da Pandemia, in
verbis:
AS INVESTIGAÇÕES EM CURSO
1- inquérito no STF, aberto a pedido da PGR: investiga supostos crimes na omissão
durante a crise do oxigênio no Amazonas e na distribuição massiva de cloroquina
2 - notícia de fato na PGR: procedimento preliminar, que apura omissão em Manaus
e distribuição de cloroquina. Envolve ainda o presidente Jair Bolsonaro
3 - inquérito civil público na Procuradoria da República no DF: investiga improbidade
administrativa na distribuição de cloroquina e outros medicamentos sem eficácia para
Covid-19
4 - inquérito civil público na Procuradoria no DF: investiga insuficiência e lentidão
na execução orçamentária do ministério durante a pandemia
5 - inquérito civil público na Procuradoria no DF: investiga falhas na aquisição e
distribuição de testes para Covid-19
6 - inquérito civil público na Procuradoria no DF: investiga irregularidades no
abastecimento de medicamentos usados na sedação de pacientes intubados
7 - inquérito civil público na Procuradoria no Amazonas: investiga quem são os
responsáveis pela omissão na crise do oxigênio em Manaus
8 - procedimento na Procuradoria no DF: investigação politização na aquisição de
vacinas para Covid-19
9 - procedimento na Procuradoria no DF: investiga irregularidades na destinação de
recursos públicos para estados e municípios combaterem a pandemia
10 - procedimento na Procuradoria no DF: investiga insuficiência de EPIs e insumos
ao SUS para enfrentamento da Covid-1917
Embora a matéria relacione também o Inquérito nº 4862 e a
ação de improbidade administrativa nº 1006436-58.2021.01.3200 já
referidos, o fato é que em grande parte desses expedientes o
impetrante/paciente nem sequer tem conhecimento de seu teor.
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Portanto, essa situação de completo desconhecimento sobre
o teor do que é investigado, bem como as declarações públicas feitas por
alguns integrantes da CPI da Pandemia, revelam a necessidade de que seja
garantido que, por ocasião do depoimento, o impetrante/paciente tenha
assegurado o direito de responder somente ao que não lhe incriminar, não
podendo o seu eventual silêncio gerar qualquer ameaça de tipificação de
crime de falso testemunho e/ou ameaça de prisão em flagrante.
III.3. Do direito à assistência por advogado
Outro aspecto que merece destaque se refere ao direito de se
fazer acompanhar de advogado durante o depoimento, conforme
expressamente estipula a Lei nº 1.579/52: “O depoente poderá fazer-se
acompanhar de advogado, ainda que em reunião secreta” (art. 3º, §3º).
Trata-se de preservar a prerrogativa da atuação da defesa técnica, que induz
como corolário as possibilidades previstas no art. 7º, III, X, XI, XII e XIII,
da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e OAB)
18
.
Nesse sentido, já foi apreciado pelo Supremo Tribunal
Federal por ocasião do julgamento da Medida Cautelar no Habeas Corpus nº
128.390, onde o Min. CELSO DE MELLO ressaltou “o direto de qualquer
18
“Art. 7º São direitos do advogado: [...] III - comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente,
mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis
ou militares, ainda que considerados incomunicáveis; [...] X - usar da palavra, pela ordem, em qualquer
juízo ou tribunal, mediante intervenção sumária, para esclarecer equívoco ou dúvida surgida em relação a
fatos, documentos ou afirmações que influam no julgamento, bem como para replicar acusação ou censura
que lhe forem feitas; XI - reclamar, verbalmente ou por escrito, perante qualquer juízo, tribunal ou
autoridade, contra a inobservância de preceito de lei, regulamento ou regimento; XII - falar, sentado ou em
pé, em juízo, tribunal ou órgão de deliberação coletiva da Administração Pública ou do Poder Legislativo;
XIII - examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em
geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estiverem sujeitos
a sigilo ou segredo de justiça, assegurada a obtenção de cópias, com possibilidade de tomar apontamentos;”
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pessoa que compareça perante Comissão Parlamentar de Inquérito o direito
de ser acompanhada por Advogado e de com este comunicar-se pessoal e
reservadamente, não importando a condição formal por ela ostentada
(inclusive a de testemunha)”, assegurando-se, por conseguinte, “ao
Advogado a prerrogativa – que lhe é dada por força e autoridade da lei –
de velar pela intangibilidade dos direitos daquele que o constituiu como
patrono de sua defesa técnica, competindo-lhe, por isso mesmo, para o fiel
desempenho do “munus” de que se acha incumbido, o exercício dos meios
legais vocacionados à plena realização de seu legítimo mandato
profissional”, como o uso da palavra por ocasião do depoimento.
Essa garantia merece ser observada, pois, conforme já
mencionado, os atos objetos de investigação pela CPI se referem ao período
em que o impetrante/paciente exercera as funções de Ministro de Estado da
Saúde, possuindo a faculdade de se fazer representar por ocasião do
depoimento por membro da AGU, conforme estipula o art. 22 da Lei nº
9.028/95.
Deve-se igualmente restar garantido, que, eventual
insistência por parte de membros da CPI no desrespeito a essas prerrogativas,
que se inserem no direito de defesa e de vedação à produção de prova contra
si mesmo, a possibilidade extrema de o impetrante/paciente se retirar da
tomada do depoimento, evitando-se, assim, uma situação de
constrangimento físico e moral. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal
já se pronunciou:
Caso a CPI ora apontada como coatora descumpra a presente liminar, e assim
desrespeite as prerrogativas profissionais dos Advogados impetrantes deste
“writ” (e, por consequência, os direitos e garantias dos ora pacientes), ficalhes assegurado o direito de fazerem cessar, imediatamente, a
participação de seus constituintes no procedimento de inquirição, sem
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que se possa adotar contra eles – Advogados e respectivos clientes, os ora
pacientes – qualquer medida restritiva de direitos ou privativa de
liberdade. (decisão de 25/05/2015, Min. Celso de Mello, HC 128.390/MC).
(grifou-se)
Essa hipótese decorre igualmente do entendimento já firmado
pelo Supremo Tribunal Federal sobre a compulsoriedade de comparecimento
ser considerada na verdade em facultatividade, diante do inafastável direito
ao silêncio, conforme restou afirmado pelo MIN. GILMAR MENDES, “por sua
qualidade de investigado, o paciente não pode ser convocado a
comparecimento compulsório, menos ainda sob ameaça de
responsabilização penal” (HC 171.438/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 28-
5-2019, 2ª Turma).
Portanto, a garantia constitucional ao silêncio se coloca como
necessária justamente para impedir a aniquilação do direito de defesa nos
processos e expedientes acima mencionados, bem como que não haja
qualquer possibilidade de constrangimento físico ou moral por parte do
impetrante/paciente no exercício de seus direitos.
Outro aspecto que merece consideração dessa Suprema Corte
se refere a um desdobramento do direito à não produção de provas contra si
mesmo na forma de condução das perguntas que são dirigidas aos depoentes,
conforme se desenvolve no tópico seguinte.
III.4. Dos esclarecimentos sobre fatos: objetividade e retrospectividade
Sabe-se que não haveria como o Supremo Tribunal Federal
funcionar como instância prévia ou árbitro de questionamentos a serem feitos
pela CPI, conforme se verifica nos seguintes precedentes: MS 25.663-MC,
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rel. Min. CEZAR PELUSO, decisão monocrática, julgamento em 16-11-2005,
DJ de 22-11-2005 e HC 80.868-MC, rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE,
decisão monocrática, julgamento em 16-4-2001, DJ de 20-4-2001.
Contudo, também vale ressaltar que o Supremo Tribunal
Federal exerce o controle jurisdicional das CPIs, de modo a se preservar a
integridade jurídica dos direitos fundamentais, conforme pontuado pelo Min.
PAULO BROSSARD no HC 71.039 (DJU 06.12.1996) ao afirmar que “Ao
Supremo Federal compete exercer, originariamente, o controle jurisdicional
sobre atos de comissão parlamentar de inquérito que envolvam ilegalidade
ou ofensa a direito individual”, considerando que, embora “amplos os
poderes da comissão parlamentar de inquérito”, “não são ilimitados. Toda
autoridade, seja ela qual for, está sujeita à Constituição”.
Aliado a essa necessidade, que em linhas gerais decorre de
um devido processo constitucional, é que chama a atenção a forma de
condução dos trabalhos da CPI da Pandemia, o que poderia comprometer,
por uma via oblíqua, o princípio do nemo tenetur se detegere.
Conforme mencionado antes, por ocasião da oitiva do atual
Ministro da Saúde Marcelo Queiroga, foi-lhe exigido por diversas vezes
respostas simplificadas do tipo “sim” ou “não” sobre valorações subjetivas
ou emissões de opinião sobre fatos ou comportamentos.
Com efeito, deve-se rememorar que, de acordo com o § 3º do
art. 5º, da Constituição, as CPIs possuem “poderes de investigação próprios
das autoridades judiciais” para “apuração de fato determinado”, o que
implicaria, para esse efeito, aplicação subsidiária das normas processuais
penais no desenvolvimento de seus atos, conforme estipula tanto o art. 3º da
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Lei nº 1.579/5219 quanto o art. 153 do Regimento Interno do Senado
Federal20
.
Nesse aspecto, importa considerar que o poder de convocação
da CPI se corporifica em um leque de opções que são elencadas no art. 2º da
Lei nº 1.579/52, onde se destaca a figura de inquirição de testemunhas:
Art. 2º. No exercício de suas atribuições, poderão as Comissões Parlamentares
de Inquérito determinar diligências que reputarem necessárias e requerer a
convocação de Ministros de Estado, tomar o depoimento de quaisquer
autoridades federais, estaduais ou municipais, ouvir os indiciados, inquirir
testemunhas sob compromisso, requisitar da administração pública direta,
indireta ou fundacional informações e documentos, e transportar-se aos
lugares onde se fizer mister a sua presença.21 (grifou-se)
Redação relativamente semelhante é encontrada no
Regimento Interno do Senado, in litteris:
Art. 148. No exercício das suas atribuições, a comissão parlamentar de
inquérito terá poderes de investigação próprios das autoridades judiciais,
facultada a realização de diligências que julgar necessárias, podendo convocar
Ministros de Estado, tomar o depoimento de qualquer autoridade, inquirir
testemunhas, sob compromisso, ouvir indiciados, requisitar de órgão público
informações ou documentos de qualquer natureza, bem como requerer ao
Tribunal de Contas da União a realização de inspeções e auditorias que
entender necessárias.
[...]
§ 2º Os indiciados e testemunhas serão intimados de acordo com as
prescrições estabelecidas na legislação processual penal, aplicando-se, no
que couber, a mesma legislação, na inquirição de testemunhas e
autoridades. (grifou-se)
19 “Art. 3º. Indiciados e testemunhas serão intimados de acordo com as prescrições estabelecidas na
legislação penal.”
20“Art. 153. Nos atos processuais, aplicar-se-ão, subsidiariamente, as disposições do Código de Processo
Penal”
21 Redação dada pela Lei nº 13.367, de 2016.
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Portanto, o regramento aplicável à inquirição de testemunhas
deve ser o Código de Processo Penal, essencialmente os seus arts. 202 usque
225.
Nesse caso, a testemunha se pronuncia sobre fatos que digam
respeito ao tema objeto de investigação, devendo-se considerar para o fim
do presente writ tanto a objetividade quanto a retrospectividade, consoante
esclarece a literatura jurídica:
Como a prova, no processo, tem por fim demonstrar a verdade de
determinados fatos, é muitas vezes indispensável que sejam ouvidas as
pessoas que os presenciaram, no todo ou ao menos em parte. Essas pessoas
passam a ser testemunhas do fato. No sentido legal, testemunha é a pessoa
que, perante o juiz, declara o que sabe acerca dos fatos sobre os quais se litiga
no processo penal ou as que são chamadas a depor, perante o juiz, sobre suas
percepções sensoriais a respeito dos fatos imputados ao acusado. Isso porque
o conhecimento da testemunha a respeito dos acontecimentos lhe é fornecido
pelos seus sentidos, em especial a visão e audição, não se podendo excluir,
também, em determinadas hipóteses, o paladar, o olfato e o tato
[...]
Na doutrina, apontam-se como características do depoimento prestado pela
testemunha a judicialidade, a oralidade, a objetividade e a retrospectividade.
[...] O depoimento também está sujeito à objetividade, eis que a testemunha
deve restringir-se aos fatos, sem externar suas opiniões ou fazer qualquer juízo
de valor. Característica ainda do depoimento é a retrospectividade: a
testemunha depõe sobre os acontecimentos pretéritos, não devendo fazer
qualquer prognóstico.22 (grifos contidos no original)
Portanto, a objetividade do depoimento de testemunhas tem
como escopo a elucidação de fatos para o deslinde da controvérsia, sendo
exigível a firmação de compromisso sobre a veracidade da narrativa fática,
não sendo possível a extração de validade objetiva sobre o que depoente
possa afirmar sobre suas convicções, opiniões, gostos ou preferências, eis
que insertas no terreno da intimidade e subjetividade da pessoa humana. Essa
é razão pela qual é vedado ao juiz permitir “que a testemunha manifeste suas
22 MIRABETE, Julio Fabrini. Processo Penal. 18 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2006, pp. 292-293.
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apreciações pessoais, salvo quando inseparáveis da narrativa do fato” (art.
213, CPP), ou que haja alguma espécie de indução à resposta (art. 212,
CPP).23
Da mesma forma, a retrospectividade no depoimento da
testemunha somente atinge o que efetivamente aconteceu, não podendo ser
exigida resposta a qualquer pergunta condicional ou hipotética.
Assim, a se repetir o iter procedimentalis na inquirição das
testemunhas no âmbito da CPI da Pandemia, tal qual observado na oitiva do
atual Ministro da Saúde, estar-se-á na prática a vilipendiar a prerrogativa
constitucional de não produção de provas contra si mesmo, pois não raras
vezes foram feitas questões que exigiam do depoente hipóteses condicionais
ou de cunho meramente opinativo. Deve-se destacar que, embora os
parlamentares tenham o direito de questionar o que melhor lhes aprouver –
obviamente desde que obedecidos os parâmetros mínimos de urbanidade –,
não se pode exigir declarações daqueles notificados a comparecer como
testemunhas que possam configurar uma cilada argumentativa que
representaria a produção de provas contra si mesmo.
Portanto, não se busca por meio da presente impetração a
sindicabilidade potencial dos questionamentos a serem feitos pelos
parlamentares, mas sim que haja a garantia de que as respostas do
impetrante/paciente estejam amparadas na objetividade e retrospectividade
dos fatos e, ao mesmo tempo, impedir qualquer subversão dos fins pelos
23 Deve ser reconhecido que há discussões recentes na literatura jurídica sobre a impossibilidade de
objetividade plena por parte da testemunha (conforme se verifica em Lopes Jr., Aury. Direito processual
penal. 16. Ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 578). Contudo, o ponto que se procura chamar a
atenção é que não se pode exigir de forma predominante a subjetividade do testemunho, pois isso colocaria
em risco a garantia de não produzir prova contra si mesmo.
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quais a referida Comissão foi criada, qual seja, a verificação de “fato
determinado”.
IV – DA CONCESSÃO DE LIMINAR
Apesar de não existir previsão legal de liminar em habeas
corpus, a jurisprudência e a literatura jurídica são pacíficas em admitir a
possibilidade de seu deferimento24, desde que presentes os pressupostos
atinentes a toda e qualquer cautelar – fumus boni iuris e periculum in mora,
o que resta tranquilamente configurado no presente caso, conforme se
demonstra abaixo.
O entendimento do Supremo Tribunal Federal é pacífico em
garantir a qualquer cidadão a prerrogativa do nemo tenetur se detegere,
sendo despicienda a sua configuração formal na prática de atos processuais,
abrangendo, portanto, aqueles que, embora convocados como testemunhas
em CPIs, corram o risco de sofrer prejuízo ao prestarem o depoimento.
Assim, resta configurado o fumus boni iuris do presente writ.
Da mesma forma, também se encontra presente a
probabilidade do direito invocado, considerando o recente histórico de
questionamentos feitos no âmbito da CPI da Pandemia, em especial o
depoimento do atual Ministro da Saúde Marcelo Queiroga, onde, de forma
veemente, foi exigida a emissão de juízo de valor ou opiniões pessoais do
depoente, inviável em sede de prestação de compromisso como testemunha.
24 Nesse sentido, vide: “Embora não previsto em lei, a jurisprudência vem se consolidando no sentido de se
permitir a concessão de liminar em processo de habeas corpus, aplicando, por analogia, as disposições
previstas para o mandado de segurança (Lei nº 12.016/09).” (PACELLI, Eugênio. Curso de processo penal.
22. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2018, p. 818).
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Com efeito, conforme já afirmado antes, a testemunha tem
por obrigação cooperar com a verdade dos fatos, sendo essa a razão pela qual
há exigência de se firmar o compromisso; não há logicidade jurídica em se
exigir o compromisso de testemunhas sobre opiniões ou juízos de valor,
sendo essa a razão fundamental pelo qual o Código de Processo Penal veda
ao juiz “que a testemunha manifeste suas apreciações pessoais, salvo
quando inseparáveis da narrativa do fato” (art. 213, CPP).
Também se configura presente o periculum in mora,
considerando que o depoimento do impetrante/paciente foi previamente
designado para o dia 19 de maio próximo, o que, caso não haja a concessão
da medida liminar aqui vindicada antes dessa data, conduzirá à inocuidade a
prerrogativa constitucional do nemo tenetur se detegere.
Dessa forma, impõe-se a concessão de medida liminar antes
do depoimento do impetrante/paciente, de modo a que seja resguardado: (i)
o direito de responder as perguntas que, a seu juízo, não configurem violação
àquela prerrogativa; (ii) o direito de se fazer acompanhar de advogado para
o exercício de sua defesa técnica; (iii) o direito de responder perguntas que
se refiram a fatos objetivos, eximindo o depoente da emissão de juízos de
valor ou opiniões pessoais, salvo quando inseparáveis da exposição fática;
(iv) e, por fim, por ocasião do exercício desses direitos, não possa sofrer
qualquer ameaça ou constrangimento físico ou moral, franqueando-se (em
ultima ratio) a possibilidade de fazer cessar a sua participação no
depoimento.
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V – DOS PEDIDOS
Diante do exposto, o impetrante requer a concessão de
medida liminar para o fim de que seja expedido salvo-conduto em favor do
paciente, de modo que:
a) seja garantido o direito ao silêncio, resguardando-se o direito
de responder às perguntas que, a seu juízo, não configurem
violação ao princípio do nemo tenetur se detegere;
b) seja garantido o direito ao silêncio, no sentido de somente
responder às perguntas que se refiram a fatos objetivos,
eximindo o depoente da emissão de juízos de valor ou
opiniões pessoais, salvo quando inseparáveis da exposição
fática;
c) seja garantido o direito de se fazer acompanhar de advogado;
e
d) por ocasião do exercício desses direitos, não possa sofrer
qualquer ameaça ou constrangimentos físicos ou morais,
como a tipificação de crime de falso testemunho e/ou ameaça
de prisão em flagrante, assegurando-se, como medida
extrema, a possibilidade de fazer cessar a sua participação no
depoimento.
Ao final o impetrante requer, após a oitiva da ProcuradoriaGeral da República e a prestação de informações pela presidência da CPI,
seja o presente remédio constitucional recebido para que seja concedida
definitivamente a ordem de habeas corpus, confirmando-se a medida
liminar vindicada.
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Requer, por fim, a intimação pessoal da Advocacia-Geral da
União sobre todos os atos processuais, conforme assegura o artigo 6º da Lei
nº 9.028, de 1995.
Aguarda deferimento.
Brasília – DF, de maio de 2021.
ANDRÉ LUIZ DE ALMEIDA MENDONÇA
Advogado-Geral da União
IZABEL VINCHON NOGUEIRA DE ANDRADE
Secretária-Geral de Contencioso
DIOGO PALAU FLORES DOS SANTOS
Advogado da União

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