Por Marli Gonçalves/18 de junho de 2021
Estamos cercados. Pelo menos nos grandes centros urbanos é cada dia mais difícil relaxar. Algum silêncio. O tempo inteiro sirenes e barulhos atravessam a região, meio central na capital paulista. Já não é possível distinguir qual é o quê, e ambulâncias, bombeiros, polícia, se unem à orquestra do terror, que tem mil instrumentos e nenhum maestro.
A orquestra do terror tem inúmeras variações, como ambulâncias com pacientes em estado mais grave, e que têm o som ainda mais dramático de “pelo amor de Deus sai da frente que eu preciso passar para salvar essa vida por um fio aqui dentro”. Os carros de salvamento, Samu, Bombeiros, passam gritando, alucinados, muitas vezes na contramão e alertando para algum acontecimento por perto, e que então você fica sabendo muitas vezes antes até dos telejornais.
Se o caso for mais grave, logo esses chegam disputando o Ibope e o espaço aéreo com seus helicópteros pairando no ar, às vezes por horas, quanto mais cascudo o caso for.
À noite, mesmo em tempo de toque de recolher, e talvez até por isso, são ainda mais fortes o som das britadeiras, dos caminhões de lixo e dos que recolhem caçambas. A tortura envolve o som dos baques de correntes gigantescas que as recolhem e as jogam contra outras que já estão ali carregadas, e logo o chacoalhar dessas caçambas batendo umas nas outras segue adiante. Infernal.
Já passa da hora de a poluição sonora ser estudada mais seriamente, e que algo possa ser feito para entender como isso mexe severamente com a saúde, inclusive mental, das pessoas. O Partido Verde, esse agora apagado e sumido partido que já teve muito mais influência quando mexia de forma séria e com lideranças com o que lhe dizia respeito, cuidou disso há muito tempo atrás, mas só isso. Quem sabe agora com a ascensão, na Alemanha, de uma primeira ministra, que substituirá Angela Merkel, Annalena Baerbock, líder do Partido Verde, este possa voltar à “moda”?
É preciso verificar esse assunto. Não dá quase para listar o que deve ser revisto, fiscalizado, multado, banido. É necessário que os ônibus, carroças, que circulam na cidade façam tanto barulho com seus motores? E internamente? Já andou num desses com ar condicionado? De enlouquecer o zunzunzum. Saudade dos elétricos.
Onde anda a fiscalização dos motores mexidos? Fora a algazarra dos carros – esses que são os Djs dos bailes funks nas ruas da periferia – e que circulam nas ruas obrigando que escutemos com eles o pior da sua música e letras de doer. E os motores mexidos, que não sei se percebeu, há uma nova onda? Nos fins de semana, aqui em São Paulo, principalmente aos domingos, centenas de pessoas se aglomeram ao longo da Avenida Europa para vê-los passar em alta velocidade e com seus roncos malditos; são nacionais, importados, antigos, novos, de ricos, de pobres. São saudados e fotografados como campeões, nas barbas da polícia, e até que algum acidente mais grave aconteça, e não vai demorar, a região perdeu sua tranquilidade.
Mais?
As motos que se multiplicaram assustadoramente com a missão dos entregadores de tantas coisas pedidas via aplicativos e que por muito pouco simplesmente não passam por cima da gente, furando sinais, buzinando para que saiamos da frente, dos lados. Claro, tem também os entregadores com bikes andando inclusive nas calçadas e com aquele trinado de bibibi de suas buzinas e que nos fazem pular assustados, sem tempo até de dar uma boa xingada neles. Alguns, à noite, descendo as ladeiras, ainda brincam de raspar o asfalto com os freios, deixando marcas. Uma delícia. Melhor raspar isopor, ouvir a broca do dentista.
A orquestra do horror traz também o som das obras fora de horário, das britadeiras dos serviços públicos onde um destrói o que o outro fez deixando só cicatrizes nos caminhos, as serras elétricas que destroem árvores. E os alarmes? “Atenção, esse veículo está sendo roubado…”, seguido pelo uomuomuom que pode durar séculos, até que a bateria descarregue, ou que o incauto dono apareça para desligá-lo.
Como disse, fica difícil de suportar. Eu, que não gosto nem do plec-plec de chinelos, ando me sentindo vítima de ataques de sons perturbadores e além destes que enumerei, e que você também deve aguentar. Me avise se esqueci algum.
Às vezes nem são tão fortes, mas ficam ali. Acreditam? Agora tenho na vizinhança uma jovem cantora despontando para o sucesso, e que até é melodiosa. Mas imaginem passar o dia ouvindo ao longe os ensaios, a repetição de notas, as mesmas, durante horas.
Eu não mereço. Ninguém merece. Mas tem um som, um barulho bom, que eu queria ouvir mais: o organizado, das panelas de protesto batendo das janelas, pontualmente às 20h30, contra tudo isso que enfrentamos, como as 500 mil mortes por Covid, a falta de vacinas; contra todo esse mal que nos desgoverna.
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br.
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