terça-feira, 16 de agosto de 2022

ESCRAVIDÃO ELEITORAL

 

Explorar a miséria e a fé do eleitor é a nova forma de escravidão
Por Waldir Maranhão/11 de agosto de 2022



(*) Waldir Maranhão
Em tempos de campanha eleitoral, candidatos agarram-se à insensatez para cabalar votos. Vale tudo e mais um pouco nas promessas feitas aos eleitores, muitas das quais passando a anos-luz da possibilidade de realização.
Dizem os candidatos que entre uma promessa de campanha e o que é possível de ser cumprido há enorme diferença. A pergunta que fica é uma só: por qual razão, em nome do voto, leva-se o eleitor a erro?
Há décadas, muitas décadas, essa é mecânica do processo eleitoral brasileiro. Se a sociedade concorda com essa forma de conquista de votos, é chegado o momento de abrir os olhos para a realidade.
Apesar desse cenário que se repete há muito tempo, causa indignação uma estratégia que ganhou força nas eleições deste ano: a exploração da miséria e da fé por muitos dos candidatos que estão com os olhos voltados para as urnas.
Por ocasião do fim do império, a aristocracia não abriu mão dos escravos de então por questões humanitárias, pelo contrário. A moeda de troca foi a possibilidade de se apoderar da estrutura do Estado, ou seja, a libertação dos escravos teve um preço alto.
O que vemos nas eleições de 2022 é algo semelhante ao que ocorreu no apagar das luzes do império, mas agora com requintes de desumanidade que chegam a assustar. E na mão inversa. Em outras palavras, primeiro se apoderaram da estrutura do Estado para na sequência explorar a miséria enfrentada por milhões de brasileiros.
Nada é mais sórdido e covarde do que transformar a miséria alheira em trampolim eleitoral. Usar a fome como ferramenta de persuasão vai muito além do inaceitável. No momento em que o país assiste à oficialização da corrupção, o que se vê é uma deliberada exploração da fome.
A chamada PEC Kamikaze nada mais é do que uma cilada para fisgar o voto de cada um dos famintos, dos miseráveis, daqueles que sequer imaginam como se desenrola a política nos bastidores.
O aumento do valor do Auxílio Brasil, de R$ 400 para R$ 600, não tem outra explicação que não a de comprar os votos dos desavisados. Se esse estratagema funcionará é cedo para afirmar, mas já é possível dizer que trata-se de um ato de covardia. Isso porque os R$ 600 serão pagos até 31 de dezembro. A partir de janeiro do próximo o valor volta aos R$ 400.
A obsessão do presidente da República na busca por votos é tamanha, que o governo tenta convencer os bancos a concederem empréstimos consignados aos beneficiários do Auxílio Brasil. Empréstimos dessa natureza (consignados) não têm riscos, pois as parcelas devidas são descontadas mensalmente no pagamento do benefício, mas as taxas de juro praticadas no Brasil são escandalosas.
Grandes bancos já rejeitaram a proposta, mas algumas instituições financeiras menores devem fazer a vontade do presidente da República. É importante lembrar que a taxa de juro para esse tipo de empréstimo pode chegar a 70% ao ano.
Além disso, um decreto do governo federal publicado no final de julho cria outra armadilha para o cidadão, o chamado “mínimo existencial”. O decreto permite que bancos e instituições financeiras avancem sobre quase toda a renda do trabalhador para o pagamento de dívidas e juros, sobrando apenas R$ 300,00 para que as pessoas possam comer, comprar remédios e pagar o aluguel.
Em um país mergulhado na crise econômica, encontrar pessoas endividadas é tarefa fácil. Quem se inscreve para receber o Auxílio Brasil por certo tem dívidas. Isso significa que um beneficiário do programa com alguma dívida em atraso junto a instituições financeiras corre o risco de ficar com metade do valor temporário do Auxílio Brasil, ou seja, terá nas mãos R$ 300.
Quando o valor do Auxílio Brasil voltar aos originais R$ 400, o beneficiário endividado terá à disposição os mesmos R$ 300, já que o banco poderá reter apenas R$ 100. Resumindo, o governo atropelou a Constituição e a Lei Eleitoral para criar um engodo que permite explorar a miséria alheia.
Muito pior é, em nome de uma eventual eleição, explorar a fé dos eleitores. Não importa a religião ou a corrente de fé, mas usar (em vão) o nome de Deus como anzol para pescar votos representa enorme heresia. Isso tem acontecido de maneira escancarada, sem que líderes religiosos se posicionem contra tal prática. Quando políticos de trajetória questionável recorrem à fé para conquistar votos, chegou a hora de a população mudar o rumo da história.
Essa mudança e a conscientização da sociedade são possíveis apenas através da educação de qualidade disponível a todos. Só assim poderemos falar em democracia. Faço esse alerta neste 11 de agosto, Dia do Estudante.
Como disse filósofo grego Aristóteles, “a política não deveria ser a arte de dominar, mas sim a arte de fazer justiça.”

(*) Waldir Maranhão – Médico veterinário e ex-reitor da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), onde lecionou durante anos, foi deputado federal, 1º vice-presidente e presidente da Câmara dos Deputados.

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