segunda-feira, 10 de abril de 2023

ROSEMEIRE NOGUEIRA, COLEGA DE DILMA, QUE TAMBÉM FOI TORTURADA


Sobe depressa, Miss Brasil’, dizia o torturador enquanto me empurrava e beliscava minhas nádegas escada acima no Dops. Eu sangrava e não tinha absorvente. Eram os ‘40 dias’ do parto.
Na sala do delegado Fleury, num papelão, uma caveira desenhada e, embaixo, as letras EM, de Esquadrão da Morte.
Todos deram risada quando entrei. ‘Olha aí a Miss Brasil. Pariu noutro dia e já está magra, mas tem um quadril de vaca’, disse ele. Um outro: ‘Só pode ser uma vaca terrorista’.
Mostrou uma página de jornal com a matéria sobre o prêmio da vaca leiteira Miss Brasil numa exposição de gado. Riram mais ainda quando ele veio para cima de mim e abriu meu vestido. Picou a página do jornal e atirou em mim. Segurei os seios, o leite escorreu. Ele ficou olhando um momento e fechou o vestido. Me virou de costas, me pegando pela cintura e começaram os beliscões nas nádegas, nas costas, com o vestido levantado. Um outro segurava meus braços, minha cabeça, me dobrando sobre a mesa. E u chorava, gritava, e eles riam muito, gritavam palavrões. Só pararam quando viram o sangue escorrer nas minhas pernas. Aí me deram muitas palmadas e um empurrão.
Passaram-se alguns dias e ‘subi’ de novo. Lá estava ele, esfregando as mãos como se me esperasse. Tirou meu vestido e novamente escondi os seios. Eu sabia que estava com um cheiro de suor, de sangue, de leite azedo. Ele ria, zombava do cheiro horrível e mexia em seu sexo por cima da calça com um olhar de louco.
No meio desse terror, levaram-me para a carceragem, onde um enfermeiro preparava uma injeção. Lutei como podia, joguei a latinha da seringa no chão, mas um outro segurou-me e o enfermeiro aplicou a injeção na minha coxa. O torturador zombava: ‘Esse leitinho o nenê não vai ter mais’. ‘E se não melhorar, vai para o barranco, porque aqui ninguém fica doente.’
Esse foi o começo da pior parte. Passaram a ameaçar buscar meu fillho. ‘Vamos quebrar a perna’, dizia um. ‘Queimar com cigarro’, dizia outro.

*ROSE NOGUEIRA, ex-militante da Ação Libertadora Nacional (ALN), era jornalista quando foi presa em 4 de novembro de 1969, em São Paulo (SP). 

Rosemeire Nogueira é jornalista, militante e presidenta do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo. 
Foi presa pela ditadura militar em 4 de novembro de 1969, mesmo dia da morte de Carlos Marighella. 
Na época, militava na Ação Libertadora Nacional (ALN) e trabalhava no jornal Folha da Tarde.
No momento da prisão, Rose estava em seu apartamento com o marido, Luiz Roberto Clauset, e o filho Carlos Guilherme Clauset, que tinha apenas 33 dias de vida. 
O delegado Sérgio Fleury ameaçou entregar o bebê para o Juizado de Menores, mas Rose conseguiu convencê-lo a deixá-lo com os sogros.
Levada ao Deops, Rose Nogueira foi torturada. 
A militante foi transferida para o Presídio Tiradentes às vésperas do Natal de 1969. 
Durante sua prisão, dividiu a cela com mais de 50 mulheres, entre elas a presidenta Dilma Rousseff. 
Eram conhecidas no presídio como “as donzelas da torre”, ala que abrigava presas políticas do regime militar. 
Foi solta após nove meses, mas ficou sob liberdade vigiada. 
Por dois anos, teve de assinar semanalmente um livro na auditoria militar. 
Em 1972, foi julgada e absolvida.
A jornalista retomou o trabalho e atuou na Editora Abril, TV Cultura, e Rede Globo, participando da criação do programa TV Mulher. 
Ao buscar nos arquivos do grupo Folha sua ficha funcional, em 1997, descobriu que havia sido demitida em 9 de dezembro de 1969, quando estava presa no Deops, por abandono de trabalho.
Desde 2000, Rose Nogueira integra o Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo. 
Entre 2006 e 2009, presidiu o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe-SP) e, em 2007, publicou o livro “Crimes de Maio”. 
Em 2011, recebeu o título de Cidadã Paulistana.
Com a instalação da Comissão Nacional da Verdade, Rose Nogueira passou a contribuir para a investigação dos crimes da ditadura militar através da Comissão da Verdade, Memória e Justiça dos Jornalistas.



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