quarta-feira, 16 de abril de 2014

"VEJA" NA HISTÓRIA


A dois anos do primeiro Campeonato Mundial de Futebol
do pós-guerra, os preparativos para o torneio no Brasil seguem 
a passos de tartaruga. Os cartolas da Fifa estão preocupados.

O moderno estádio municipal do Pacaembu, em São Paulo: um dos poucos campos prontos para receber a Copa do Mundo.

Há exatos dez anos, no Congresso da Fifa em Paris, o representante da Confederação Brasileira de Desportos (CBD), jornalista Célio de Barros, lançou a candidatura do Brasil a país-sede do Campeonato Mundial de Futebol de 1942. O presidente Jules Rimet recebeu a proposta e agradeceu o entusiasmo, porém deixou claro que a Alemanha era a preferida. Os tedescos apresentaram sua postulação um par de anos antes e já tinham sediado com sucesso os Jogos Olímpicos de Berlim, em 1936 – assim, levavam ampla vantagem na corrida. Os figurões do futebol só não contavam com os delírios do sanguinário capitão germânico Adolf Hitler, que em 1939 entrou de sola na Polônia e transformou o mundo em uma praça de guerra nas temporadas seguintes, impossibilitando assim a organização do quarto torneio mundial do jogo criado pelos ingleses. Finda a batalha, seis longos anos depois, era hora de ressuscitar a competição, que simplesmente caiu no colo do Brasil – a Alemanha, por motivos óbvios, era carta fora do baralho. Em um novo Congresso da Fifa, em Luxemburgo, dois anos atrás, Rimet chancelou a candidatura única brasileira e confirmou o país como anfitrião da Copa do Mundo de 1950.

Objeto do desejo: Jules Rimet entrega a taça aos fortes uruguaios, no torneio de 1930.

Estamos agora a pouco mais de dois anos do início do certame – portanto, na metade do caminho entre a confirmação da entidade máxima do esporte e a data prevista para o pontapé inicial da partida de estréia. E o torcedor se pergunta: como andam os preparativos para receber as dezesseis nações da elite do esporte bretão? A resposta, infelizmente, é bem brasileira: não andam. Ainda não foi montado sequer um comitê para tratar das inúmeras questões que envolvem a estruturação de tão complexo evento – nos bastidores da CBD, é comentada a criação de um Diretório Geral destinado a cuidar do assunto, mas este ainda não saiu do papel. O tempo urge. Além disso, a maioria das capitais brasileiras conta apenas com estádios de porte médio, sem a envergadura necessária para receber as pelejas do torneio máximo do futebol internacional – São Paulo, com o Pacaembu, e Curitiba, com o Durival Britto e Silva, modernas praças esportivas inauguradas nesta década, são as exceções. Em Belo Horizonte, por exemplo, os estádios de América, Cruzeiro e Atlético são acanhados até mesmo para receber os torcedores das equipes locais; não à toa, o prefeito Otacílio Negrão de Lima, quando assumiu o cargo, destinou polpuda verba para solucionar o que classificou de "imperioso problema" dos estádios da capital mineira. O pequeno Sete de Setembro de Futebol e Regatas aproveitou-se do oferecimento e começou a levantar uma praça esportiva projetada para acomodar 45.000 pessoas, mas as obras seguem em ritmo moroso – se ficarão prontas a tempo da Copa, é uma incógnita. Em Porto Alegre, o Sport Club Internacional deu início a uma campanha para reformar sua casa, o Estádio dos Eucaliptos, com capacidade para 10.000 torcedores. O principal objetivo é transformar o pavilhão de madeira da rua Silveiro em uma arquibancada de concreto. Mas o projeto também não tem prazo para ser concluído.

Ary Barroso: defensor do Maracanã

Colosso polêmico - A maior preocupação, porém, vem do Distrito Federal. O futuro Estádio Municipal do Rio de Janeiro, o cartão-postal do campeonato mundial aos olhos do mundo, ainda não saiu da estaca zero. Previstos para o início deste ano, os trabalhos de construção do gigante do Maracanã não começaram, o que já causa apreensão entre os dirigentes da Fifa. Emissários da entidade devem desembarcar em breve no Rio de Janeiro a fim de acompanhar os próximos passos desta difícil gênese. Afinal, o estádio vem sendo alvo de polêmica desde que a prefeitura anunciou a abertura da concorrência para sua construção – defendida em campanha popular encabeçada pelo cronista Mario Filho, do Jornal dos Sports. O vereador Carlos Lacerda, da UDN, fez intensa oposição ao projeto na Câmara Municipal. O udenista não concordava com a localização da praça anunciada pela prefeitura (o antigo terreno do Derby Club) nem com sua capacidade (150.000 pessoas), preferindo um estádio de 60.000 lugares em Jacarepaguá. Colega de vereança e partido de Lacerda, o compositor Ary Barroso conseguiu apoio suficiente entre a bancada comunista e garantiu a aprovação do projeto. Agora só resta tirar o colosso do papel.
Alheio a essas pendengas, o técnico do escrete nacional, Flávio Costa, espera que a perda da Copa Rio Branco para o Uruguai, no mês passado, não abale o moral dos jogadores – que, a bem da verdade, terão muito tempo para esquecer esse revés. O próximo compromisso oficial da seleção, o Campeonato Sul-Americano, a ser disputado também no Brasil, está marcado apenas para abril do ano que vem. A grande novidade da participação brasileira em Montevidéu foi a estréia do guarda-metas Barbosa, que já vinha se destacando havia algum tempo com a camisa do Vasco da Gama. O atleta de 27 anos teve boa atuação no empate de 1 a 1 contra a Celeste Olímpica, e deve ameaçar a posição de Luiz Borracha, arqueiro do Flamengo, titular de Flávio Costa nos últimos três jogos da Seleção. No prélio seguinte em terras meridionais, Borracha voltou à meta, mas não pôde evitar a derrota brasileira por 4 a 2 para os campeões mundiais de 1930. Olho neles.
VEJA: maio de 1948.

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