segunda-feira, 18 de agosto de 2014

"O ÚLTIMO DOS MOICANOS"


Tem livro que torna-se tão famoso que não consegue levar junto o nome do autor.
Como este, de J. Fenimore Cooper, publicado pelo Clube do Livro, edição 1962, com tradução de José Maria Machado.
O que quer dizer moicano? Moicano é só uma tribo de peles-vermelhas que habitavam o sudoeste da América do Norte.
Comparando com uma obra nacional, acho "O Guarani", de José de Alencar, muito mais envolvente.
Questão de opinião.
Veja, a seguir, um trecho aleatório deste O Último dos Moicanos:

- Um bom nome e aposto que o herdou de honrados antepassados. Sou um grande admirador de nomes, embora, a falar verdade, os cristãos estejam muito atrás dos índios nessa arte. Um dos maiores covardes, que conheci, chamava-se Leão e sua mulher, Caridade, seria capaz de ver morrer de fome a uma criança, sem se incomodar. Entre os índios, isso é uma questão de consciência e geralmente cada um se chama a si mesmo aquilo que é, na realidade. Não quero dizer com isto que  Chingachook, que quer dizer Serpente Grande, seja de fato uma serpente grande ou pequena, senão que comprreende a ondulação da natureza humana e é silencioso e ataca seus inimigos, quando menos eles esperam. E qual seria, desta maneira, o seu nome?

- Sou um modesto instrutor, sem merecimento algum na arte de cantar Salmos.
- Holá! Holá!
- Ensino a cantar aos jovens recrutas de Connecticut.
- Pois, bem podia dedicar-se a alguma coisa mais útil. Esses jovens riem e cantam demais nos bosques, quando deveriam, em verdade, não respirar mais alto que uma raposa no seu covil. Sabe usar da faca ou manejar uma carabina?
- Louvado seja Deus! Nunca tive que usar instrumentos criminosos.
- Entende, talvez, alguma coisa de bússola e sabe traçar num plano os rios e a colocação das montanhas, a fim de que sirvam de guia aos outros?
- Não é essa a minha profissão.
- Possui um par de pernas que podem fazer com que pareça curto o maior caminho. Suponho que algumas vezes levará mensagens ao general.
- Nunca, não sigo outros caminhos senão aqueles que a minha vocação indica, que vem a ser ensinar o canto dos Salmos.
- Estranha ocupação - murmurou Hawkeye, dominando o riso - passar pela vida semelhante a um tordilho, correndo todos os altos e baixos que podem sair das garganta dos outros homens! Mas, enfim, essa é a sua vocação e não deve menosprezar-se por não atirar com uma carabina ou fazer qualquer outra coisa mais útil. Ouçamos, pois, aquilo que sabe fazer nesse sentido; será boa maneira de dar as boas noites, pois suponho que estas senhoras queiram descansar, porque amanhã haverá muito que andar, antes que os maquas se ativem.
- Consinto, com muitos agradecimentos - disse Davi, ajustando os seus óculos e pegando no seu querido livrinho, que estendeu a Alice - Nada mais apropriado e consolador do que oferecer as nossas orações vespertinas, após um dia tão agitado e tão cheio de perigos.
Alice sorriu, mas, olhando para Hayward, ficou vermelha e sem saber o que fazer.
- Vamos, Alice - murmurou ele - a sugestão do digno homônimo do salmista merece neste momento toda a consideração, não lhe parece?
Animada por essa opinião, Alice dispôs-se a fazer o que a sua piedosa vocação e o seu grande apreço pela música tanto a inclinavam a fazer. O livro foi aberto num salmo muito adequado à situação dos viajantes, no qual o poeta, sem querer exceder o inspirado rei de Israel, havia conseguido dar provas de uma inspiração merecedora de todo respeito. 
Cora não pode conter o seu desejo de secundar sua irmã e os cânticos sagrados prosseguiram, depois dos indispensáveis preliminares do diapasão e do tom terem sido tratados pelo metódico Davi, com o devido respeito.
O compasso da música era solene e lento, a melodia elevava-se, por vezes, às notas mais altas que as moças podiam entoar e, outras vezes, desciam tanto que o correr das águas a elas se misturava, como parte integrante.
Com arte e sutileza de ouvido, Davi dirigia o canto, fazendo adaptar as suas notas à ressonância da caverna e enchendo todos os seus recôncavos com o som emocionante das vozes.
Os índios, olhos cravados nos rochedos, escutavam com atenção que parecia, também, converter seus rostos em pedra, mas o explorador, que apoiara o queixo nas mãos, numa expressão de fria indiferença, deixou que a fisionomia relaxasse a sua rigidez, até que com o passar dos versos sentiu que a sua férrea natureza se deixava dominar, enquanto as suas recordações voltavam à época da sua infância, durante a qual tinha ouvido tantas vezes aqueles mesmos cânticos nos acampamentos das colônias.
Os seus olhos inquietos não tardaram a umedecer-se e, antes do canto terminar, rolavam pelas suas faces lágrimas emanadas de fontes que durante muitos anos tinham parecido estanques, molhando um rosto que as torrentes do céu mais do que a franqueza haviam umedecido.

                                   

    

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