Por Ucho Haddad/
29 de dezembro de 2018
(*) Ucho Haddad
A política brasileira está fadada ao populismo barato e rasteiro, já que a massa, ignara que é, sempre aceitará ser enganada.
Populistas causam-me não apenas preocupação, mas asco de maneira desmedida, pois são alarifes profissionais que sabem transformar o oportunismo em ferramenta para dominar o inconsciente coletivo.
Nesse rol de falsos Epifânios tupiniquins têm lugar garantido Getúlio Dornelles Vargas, Jânio da Silva Quadros, Fernando Collor de Mello e Luiz Inácio Lula da Silva.
Todos, sem qualquer espaço para exceções, especialistas em populismo, cada um a seu modo.
A história recente dessa república bananeira não deixa dúvidas a respeito do tema.
Cada qual dos citados tem suas especialidades, ao mesmo tempo que exibem pontos de intersecção, os quais permitem que sejam acomodados no jacá do embuste nacional.
Transformado em barafunda a reboque da aquiescência burra e preguiçosa da maioria da população, o Brasil está prestes a enfrentar novo período de populismos e fanfarronices oficiais, como se esse binômio peçonhento fosse uma chaga incurável na vida de uma nação que não mais pode ser refém dessas armadilhas políticas.
A poucos dias de atravessar a faixa presidencial sobre a bolsa de colostomia, que serviu de desculpa para fugir dos debates eleitorais, Jair Bolsonaro vem abusando de momentos populistas.
Não preciso discorrer sobre a tragédia que marca a apoteose de governos populistas, mesmo que o caos demore a se desvencilhar da fumaça da enganação.
É sabido que em países subdesenvolvidos a mitomania funciona como mola propulsora de campanhas eleitorais e candidatos, mas encerradas as disputas e definidos os vencedores é chegada a hora de fazer as pazes com a verdade e a responsabilidade.
Não dá para aceitar que um eleito continue agarrado ao ufanismo visguento.
Ao contrário do que manda o bom senso e a lógica, Bolsonaro continuará em campanha até o último dia do mandato.
E como tal lançará mão do populismo.
É o que resta a quem não tem o que entregar a um eleitorado que acreditou em promessas impossíveis.
E que ninguém aposte em milagres, mesmo à sombra de um governo que só fala em Deus desde antes da estreia, pois a política tem seus vieses luciferianos, gostem ou não os mais crédulos.
No momento em que lentamente o País começa a perceber que o próximo presidente da República é o que se conhece como “mais do mesmo”, a saída foi recorrer ao populismo e mostrar aos incautos que não é bem assim.
Nesse ponto específico entrou o populismo, estratégia não tão difícil de ser adaptada ao cotidiano tosco de Bolsonaro, que passou a vender a ideia de que é alguém simples, fora do padrão que prevalece na política verde-loura.
Chamuscado pelo escândalo que tem como pivô o ex-assessor parlamentar do seu filho, Jair Bolsonaro adotou uma postura no mínimo estranha para quem entoou mantras moralistas durante a campanha eleitoral.
Limitou-se a dizer que emprestou R$ 40 mil a Fabrício Queiroz, como forma de explicar o depósito de R$ 24 mil na conta da futura primeira-dama Michelle Bolsonaro.
A situação do eleito piorou sobremaneira quando Queiroz afirmou em entrevista que é um “fazedor de dinheiro”.
E quem “faz dinheiro” não precisa tomar empréstimo, mas pode, a esmo, depositar recursos (até então suspeitos) na conta bancária da futura primeira-dama do País.
Para minimizar o estrago provocado pelo escândalo, já apelidado de “Bolsogate”, Jair Bolsonaro surgiu nas redes sociais na esteira de um vídeo mambembe em que aparece lavando a própria roupa em um tanque, na base naval da Marinha de Marambaia, dependurando-as em seguida no varal para secar.
As imagens foram estrategicamente gravadas, mas seus fanáticos seguidores continuam acreditando que nada há de errado nesse lampejo pífio de populismo.
O enredo é ruim, o contexto é péssimo.
Caso Jair Bolsonaro conduza o País nos próximos quatro anos com a mesma competência com que lavou a própria roupa na base naval, devemos nos preparar para o pior.
Lavar a própria roupa é algo trivial e necessário na vida de dezenas de milhões de brasileiros e brasileiras – seja no tanque, seja na máquina –, mas no momento é conveniente a Bolsonaro passar à opinião pública a imagem “gente como a gente”.
Apesar disso, não me engana quem usou o apartamento funcional da Câmara dos Deputados para “comer gente” – ele ainda não explicou que tipo de “gente”.
É impossível ver aquela cena patética e impedir que o pensamento viaje até “Juventude Transviada”, música do saudoso Luiz Melodia que começa com “lava roupa todo dia, que agonia, na quebrada da soleira, que chovia”…
E Bolsonaro não faz isso todo dia, mas fez apenas naquele instante para o registro da câmera.
Com a devida licença de Melodia, esteja onde estiver, para um governo que já desafinou sem ao menos ter estreado, “um dia você vai chorar, vejo claras fantasias”.
Diante das patranhas e dos destampatórios do quinteto populista que em breve há de se formar com a posse de Bolsonaro (os outros são Getúlio, Jânio, Collor e Lula), tira-se como chorume oficial desse “samba do crioulo doido” o aforismo getulista “saio da vida para entrar na história”.
Que algum dos remanescentes não invente moda e queira lavar roupa no tanque como prova de populismo torcionário, pois ao fim e ao cabo Getúlio Vargas foi corajoso.
Assim seja!
(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta, palestrante e fotógrafo por devoção.
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