Com mais de 50 anos de carreira Beth Carvalho deixa grande legado para a MPB.
Madrinha de sambistas como Arlindo Cruz, Almir Guineto, Luiz Carlos da Vila, Zeca Pagodinho, ela se dizia uma garimpeira: ‘É importante saber como é a vida do seu povo’.
Por Jornal Nacional
Com mais de 50 anos de carreira e dezenas de discos gravados, Beth Carvalho deixa um legado inestimável para a música popular brasileira.
Poderia ter sido apenas uma canção cantada num festival por uma jovem quase estreante. Mas, além de um grande sucesso, “Andança” foi também um prenúncio. O destino de Beth Carvalho era mesmo andar, desbravar caminhos. Um deles saía da bossa nova em direção à velha guarda.
“Eu estava na bossa nova, mas eu estava com Cartola, Nélson, Aniceto, até que eu digo: olha, o que eu mais me emociono é isso: samba”.
Não era apenas um capricho. Ela sabia quem eram os grandes nomes, dominava o repertório. Quando encontrou Nélson Cavaquinho pela frente, em 1972, Beth Carvalho não vacilou.
“Mas um dia eu tomei coragem, entrei no bar e comecei a cantar uns sambas dele e ele ficou encantado e dali em diante ficamos amicíssimos”.
A boa amizade rendeu flores, frutos e folhas.
Para Beth Carvalho, o Morro de Mangueira passou a ser um endereço afetivo. Era lá que moravam o amigo Nélson, a escola do coração e um outro ídolo: Cartola.
“O Cartola servia cafezinho numa repartição pública, estava totalmente esquecido. Só em 75, quando eu surgi na casa dele e perguntei: ‘Cartola, você tem música?’ E me mostrou ‘As rosas não falam’, ‘O mundo é um moinho’, 'Autonomia'. Só obra-prima, eu fiquei perdida, o que é que eu vou gravar? Escolhi ‘As rosas não falam.’"
“As rosas não falam” virou até tema de novela e a gravação de Beth Carvalho está entre as mais vendidas do ano.
Depois de ter bebido direto da mais pura fonte do samba, outro caminho se abriu pela frente. O ano era 1977 e, nas suas andanças musicais, Beth Carvalho, encontrou outra raiz: a de uma tamarineira.
“Era uma roda de samba, uma mesa bem tosca, um monte de cadeirinha e o fundo de quintal amador. Eu fiquei impressionada com as composições”.
O Cacique de Ramos era um grande barato. Bloco de subúrbio que zelava pelas tradições, mas que, ao mesmo tempo, abrigava uma turma extremamente inovadora e inspirada. Sabe o que a Beth fez com eles? Gravou.
“Eu trouxe o batuque de volta, o batuque mais primitivo, tocado com a mão, é mais batuque, é mais mão, mais negro, então foi um estouro”.
Arlindo Cruz, Almir Guineto, Luiz Carlos da Vila, Zeca Pagodinho, todos eles lançados por Beth Carvalho, a madrinha.
“Sou uma garimpeira, né? Porque eu vou onde o povo está e sempre fiz isso na minha vida. E os autores estão lá, os compositores estão ali. Eu vou na fonte demais”.
Outro grande nome dessa turma de Ramos era Jorge Aragão. É dele a música “Coisinha do pai”, cantada por Beth e tocada durante uma missão espacial, em 1997. O primeiro samba interplanetário.
“Eu fiquei muito orgulhosa por ela ser uma engenheira da Nasa, orgulhando nosso país e cantando e colocando ‘Coisinha do pai’ para despertar o robozinho, que já é um filhinho meu a essa altura do campeonato”.
Será que alguém em Marte ouviu a música?
“Ah, sim, com certeza. Eu agora sou interplanetária”.
Não é que ela andasse no mundo da lua, muito pelo contrário. Beth Carvalho sempre teve os pés bem firmes no chão. Filha de um advogado perseguido pela ditadura, na década de 80 ela participou do movimento das Diretas Já.
Muito cedo ela entendeu que manter a voz firme era a única forma de defender posições. Fazer samba para ela era uma forma de fazer política.
“O samba é revolucionário, é a crônica do dia a dia de um povo. Você pode contar a história do nosso país através dos sambas porque o sambista é o cronista: perdeu a mulher ele faz um samba; se desencontrou de um amigo, faz um samba; aconteceu alguma coisa no país, ele faz um samba! Ele é tão vanguarda que ainda não chegou na alma de algumas pessoas”.
Inquieta, nunca parou de rodar de roda em roda para descobrir o que o samba tinha a oferecer.
Mas no fim de 2009, caiu de cama. Com uma fissura na base da coluna, Beth Carvalho não conseguia levantar.
Passou por cirurgias e tratamentos, mas nunca se recuperou totalmente. Em setembro de 2018, bastante debilitada, fez um show que emocionou todo mundo.
Depois de 50 anos de carreira e 34 discos lançados, Beth Carvalho se despede. A andança chegou ao fim.
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