Na verdade chama-se Rua Gonçalo Afonso, mas toda a gente a conhece como Beco do Batman.
Esta ruela meio deserta na Vila Madalena é uma verdadeira galeria a céu aberto, com paredes cobertas de grafitti.
Queria ter lá ido durante a primeira passagem por São Paulo, mas as voltas foram outras e entretanto lembrei-me que o Bunty adora paredes pintadas, por isso deixei para o regresso.
O fenómeno do Beco do Batman nasceu nos anos 80, curiosamente durante o auge da pop art, quando apareceu numa das paredes do bairro um desenho do super-herói com máscara e fato de cabedal.
Imediatamente começaram a surgir outros grafittis, e pouco depois os estudantes de artes plásticas começaram a usar os muros da rua como tela.
Do típico grafitti a pinturas cubistas e psicadélicas, tudo era bem-vindo.
O Beco do Batman começou então a ganhar fama, no Brasil, até que saltou para a ribalta com uma reportagem da BBC, que o descrevia como um "local cheio de energia criativa".
A partir daqui, vários artistas internacionais fizeram questão de se juntar aos locais que já lá estavam. Contudo, havia - e há - regras: não se pode pintar em cima de outras obras - a isso chama-se "atropelar", e é quase um sacrilégio entre grafitters.
Se algum desenho estiver em mau estado de conservação, pede-se licença ao autor para pintar por cima - e este pode autorizar, ou então ele próprio renova a parede.
Em três décadas de vida, esta viela já serviu de cenário a filmes de publicidade, festas e inúmeras sessões fotográficas. Há agências que levam turistas a visitar o Beco.
E há nós: eu, o Bunty, o Inácio, a Leninha e os nossos anfitriões de São Paulo. A tirar fotos e a fazer poses rodeados de cor e imaginação.
Tal como o casal-maravilha com fotógrafo profissional. Ou as modelos a fazer sessões para um qualquer catálogo. Ou a família que veio com os miúdos pintar pedras da calçada. Ou o grupo de amigos que veio à festa das bicicletas, onde quem levar uma t-shirt branca regressa a casa com esta grafitada.
O Beco do Batman é só um cantinho escondido desta cidade-mundo, desta Gotham com sabor tropical - mas é um cantinho onde os sonhos e os pesadelos aparecem desenhados nas paredes, nas portas e janelas, nas pedras da calçada, nos postes de electricidade. Não há limites. Mas há fotos. Ficam algumas.
Foi do topo do Corcovado que me comecei a apaixonar pelo Rio de Janeiro. Tinha chegado no dia anterior e a expectativa era tão alta, que provavelmente havia uma parte de mim que queria que fosse uma desilusão. É difícil explicar, mas logo à chegada comecei como que a rejeitar a cidade, tudo me parecia menos bom do que me tinha sido descrito.
E depois subi ao Redentor.
Lembro-me de estar em silêncio, no meio de milhares de turistas de braços abertos, a imitar a pose da estátua; perdido na paisagem que se estendia à minha frente, desafiando os meus preconceitos.
Afinal "isto" não é mais uma cidade com praia, como tinha comentado com uns amigos no dia anterior. Afinal, "isto" é uma praia com cidade. E isso faz toda a diferença.
A partir do momento em que comecei a ver o Rio com os olhos do Cristo Redentor, como quem olha de fora - então apaixonei-me.
Confesso que, se calhasse a mim a tarefa de escolher as Sete Maravilhas do Mundo, nem me passaria pela cabeça incluir o Cristo Redentor. E sempre que o debate sobre a lista se acende, sou muito crítico quanto a duas escolhas - a começar por esta.
Enfim: é o que dá pôr as pessoas a escolher. Vale o que vale. Como diriam muitas pessoas da minha lista, se fosse eu a escolher. Mas insisto nisto: o Cristo Redentor, por muito bonito e muito famoso e muito espectacular que seja - na minha opinião, não merece estar entre as Sete Maravilhas.
E no entanto, está entre as 13 Maravilhas do meu 2013. Sem dúvida nenhuma, sem pestanejar, de braços abertos e pernas juntinhas.
Costumava dizer, em jeito de piada, que devia ser o único português que nunca tinha ido ao Brasil. Não porque tivesse algum orgulho nisso, nem porque tivesse algum tipo de resistência em visitar o "país irmão"... mas simplesmente porque ainda não tinha "calhado". A Ásia sempre chamou mais alto, e eu fui adiando. Nada de novo, até aqui.
É engraçado que, depois de 15 dias no Brasil (apesar de parecer mais, pelo tempo que deixei "arrastar" as crónicas e as fotos), um dos sentimentos mais fortes que levo comigo é que "já devia ter vindo cá antes".
Sinto que vim tarde.
Primeiro, porque há tanto para explorar e o tempo nunca é suficiente; mas também porque talvez haja alguma inocência que se tenha perdido nestes últimos anos - minha e do lugar - e que teria sido muito mais interessante de explorar há uns anos.
Mas águas passadas não movem moinhos, e eu não sou de fatalismos nem telenovelices. Se há certeza que levo desta minha primeira vez, é que outras virão.
Eu nem sou muito dado a sambas e capoeiras; eu não sou fã de telenovelas nem carnavais... mas há qualquer coisa neste colorido tropical, no sorriso quente com sabor a açaí, nos braços abertos que pedem um regresso. Isto não é um "adeus", Brasil. Isto é só um "até já".
Confesso que, apesar do Brasil ser tão familiar aos portugueses, de conhecer tanta gente que aqui vive ou viveu, ou apenas viajou; de estar familiarizado com a cultura - não deixou de ser uma surpresa, esta descoberta.
Não criei grandes expectativas, antes de vir; talvez porque estive demasiado ocupado com outras coisas, antes de vir.
E isso foi bom. Só pode.
Aliás: acabei por comprar um bilhete de avião, meio-à-pressa, à última hora, porque só poucos dias antes de vir para São Paulo é que soube que não se podia entrar no país com um bilhete de chegada, apenas.
Como o plano inicial já previa um voo de Buenos Aires para a Patagónia, decidimos voar directamente de São Paulo lá para baixo, e "fazemos a capital argentina à subida".
Dito e feito. Se bem ou mal, já não interessa. Entretanto soube que podia ter comprado um bilhete de autocarro para algum dos países à volta, que também era válido. Outros disseram-me que podia ter entrado com um bilhete de avião para algum lado e cancelá-lo logo de seguida. Não quero saber. As reviravoltas fazem parte das voltas. E esta é a minha volta: a próxima paragem é El Calafate, na Patagónia.
Depois de mais alguns passeios por São Paulo e os cafézinhos e jantaradas da praxe com os amigos, telefonei ao senhor Carlos - o simpático taxista que me tinha ido buscar ao aeroporto, duas semanas antes - e avisei-o que estávamos de partida para a Argentina.
Isto não é um "adeus".
Publicado por Jorge no dia 11/04/2013.
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