quinta-feira, 24 de maio de 2012

JOAQUIM MAURÍCIO CARDOSO, O MINISTRO QUE PASSOU PELO DISTRITO DE GRAMADINHO





Joaquim Maurício Cardoso nasceu em Soledade (RS), em 1888. Advogado, cursou a Faculdade de Direito de São Paulo, por onde se diplomou em 1908. Membro do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) desde os tempos de estudante, elegeu-se deputado estadual em 1913. Renunciou ao mandato no ano seguinte, em protesto contra a proibição à exportação de cereais para a Europa durante a Primeira Guerra Mundial, determinada pelo presidente do estado, Borges de Medeiros. Dedicou-se nos anos seguintes à advocacia e ao ensino universitário. Permaneceu afastado da vida política até 1927, quando Getúlio Vargas assumiu a presidência do Rio Grande do Sul. Em 1929, participou da formação da Aliança Liberal, coligação que lançou a candidatura de Vargas à presidência da República contra o paulista Júlio Prestes, apoiado pelo governo federal. Com a derrota da chapa oposicionista na eleição realizada em março de 1930, passou a ser um dos principais articuladores da derrubada do presidente Washington Luís pelas armas, tendo sido o responsável pelas negociações que levaram os líderes mineiros a apoiar o movimento. Dirigiu operações militares em Porto Alegre e, em nome de Vargas, estabeleceu contatos em São Paulo com vistas à montagem do novo governo paulista, que acabaria sendo entregue a João Alberto, representante das forças tenentistas. Em dezembro de 1931, assumiu o Ministério da Justiça. Ao passar por Itapetininga, veja só o que aconteceu! O fato foi narrado pelo Major Luiz Válio, sob o pseudônimo J. SEVERO, e se acha no jornal "O Progresso" de 20 de dezembro de 1.931. Quem tiver o exemplar, que confira e compare com a história do Brasil em todos os tempos!


"No meio deste caos em que se afunda, cada vez mais, o carro desmantelado da nacionalidade, apesar do ingente esforço que os homens de bem empregam para salvá-lo, de quando em vez observamos algum episódio que, pela sua originalidade, consola-nos o espírito, na crença de que nem tudo está perdido e nem tudo marcha para o abismo da desilusão absoluta.
Com efeito, dentro de pouco tempo, dois casos interessantes realizaram-se com particularidades bem animadoras para os brasileiros que pensam e amam esta pátria tão linda e cheia de encantos.
O primeiro já e bem conhecido. O cidadão Coronel Rabelo, assumindo a interventoria de São Paulo, depois de restabelecer a saudação republicana e suprimir o antiquado Excia., mandou que se observasse igualdade de direitos entre os altos e pequenos servidores do Estado.
Não se conformou s.s. com aquele escandaloso modo de proceder anterior que, mantendo em dia o pagamento do funcionário burocrático, deixava atrasado de seis meses o mísero ordenado devido aos trabalhadores das estradas de rodagem.
Enquanto aqueles felizardos recebiam a gorda mensalidade, ganha quase sem trabalho físico, estes andavam sujeitos ao abono de negociantes sem escrúpulo, que lhes forneciam alimentação precária, exigindo-lhes garantias vexatórias!
Só este último ato, para os que conhecem e sabem avaliar  o quanto dói o trabalho que faz derramar suor em bicas, vale por uma epopeia.
Ele parece insignificante aos olhos dos críticos insensatos, mas torna-se formidável, grandioso aos olhos dos que sabem apreciar  devidamente o valor do lenitivo consagrado aos pobres desprotegidos da fortuna.
O segundo caso não é conhecido ainda, cabendo-me relatá-lo "em primeira mão", como vulgarmente se diz na linguagem da imprensa.
Foi sábado último, 12 do corrente.
Em Gramadinho, povoado por onde passa a rodovia São Paulo- Paraná, estaciona, inopinadamente, junto da bomba de gasolina do sírio Elias Jorge, um Ford todo enlameado de barro.
Dele, apeiam dois viajantes: um alto, corado, trajando a rigor, e outro moreno, corpulento, fisionomia simpática, modestamente vestido, trazendo ao pescoço um pala de seda à moda gaúcha.
Deixam ali o veículo abastecendo-se do precioso líquido e, como que lhes repugnando a suntuosidade da loja do sírio, encaminham-se para o modesto armazém próximo, de propriedade de Clodomiro Arantes, chefe democrático de Gramadinho, que ali nessa ocasião palestrava com um seu correligionário desta cidade, sobre assuntos políticos do dia, relacionados à posse próxima do novo ministro da Justiça!
Os dois viajantes, chegados ao balcão, cumprimentam o negociante.
Um deles, o de pala, inquire se é possível arranjar-se um almoçosinho às pressas, pois estavam com fome.
--- Um almoço assim não é possível, respondeu o negociante, mas poderei preparar umas linguiças com ovos e...
--- Não. Estamos fartos de ovos. Desde que saímos de Porto Alegre, a abundância de ovos por nós devorados já nos enjoou!.. Quanto temos ainda para chegar a Itapetininga?
--- Vinte e quatro quilômetros apenas. Sendo meio-dia, os srs. poderão lá ainda almoçar em boa hora, visto que a estrada é ótima e a "chispada rápida".
--- Encontraremos lá carne fresca e mais alguma "coisa" que sirva?
--- Oh! Perfeitamente. Lá há de tudo de bom e melhor.
--- Nesse caso, vamos comer bananas e tomar guaraná.
Como acontece sempre que os paulistas, especialmente os democratas, se defrontam com os riograndenses, houve um certo contentamento e o sr. Clodomiro, já todo amabilidades, convida-os a entrarem para o pequeno bar contíguo:
--- Pois aí os amigos estarão mais à vontade, repousando um pouco da longa viagem. Então, V. Sas. são do Rio Grande. E eu a hospedá-los aqui ao balcão! Veja só...
--- Obrigadíssimos. Aqui mesmo. Pode trazer as bananas e o guaraná.
Foram servidos.
Pediram os últimos jornais.
Passaram as vistas pelos números do Diário Nacional...
Enquanto liam, o amigo dos riograndenses raciocinava mentalmente: - Parece-me já ter visto um destes homens!... Sim, este de pala já é meu conhecido. Mas quem será? Que estúpida memória que tenho. Não atino!...
Devoradas as bananas e servido o guaraná fabricado, aliás, em Itapetininga, os homens pediram a conta.
--- Olha, amigos, não é preciso pagar, mas se o quiserem fazer, fica-lhes tudo por dez tostões. Isto aqui, para gaúchos, tudo é barato.
O homem de pala revira os bolsos e declara que está quase "areado". Encontrou apenas alguns tostões.
Cotizam-se, afinal, e pagam.
O Ford todo enlameado chega à porta do negócio.
Ambos saltam para dentro e partem.
--- Parece que conheço este homem, murmurou ainda o Clodomiro, mas esta memória é o diabo!
E lá ficaram os dois democratas a contemplar o Ford que sumia pela curva da estrada.
O desta cidade retira-se enquanto o outro recolhe os jornais deixados sobre o balcão. Mas, logo ao arrumar dos primeiros números, estaca assombrado! É que estava ali o retrato de um dos viajantes. Era ele o Maurício Cardoso, o nosso novo ministro da Justiça. Aos brados, chama pelo correligionário, que volta a atendê-lo.
--- Sabe, amigo, quem é aquele homem de pala? Pois é o nosso ministro! Maldita memória! Veja cá o seu retrato.
Ambos, admirados, contemplam bem a fotografia e exclamam:
--- S. Excia. o sr. Ministro da Justiça!
Este episódio é verdadeiro e curioso ao mesmo tempo.
Consola a gente, pois dá boa margem à suposição de que ainda não está tudo perdido por estas plagas brasileiras.
Enquanto a nossa memória vagueia pelo passado, lembrando as excursões faustosas dos altos dignatários do poder feudal da velha república, em que se gastavam centenas de contos do erário público nos regabofes e nas carraspanas de champanhe, vemos hoje o ministro da mais alta pasta do país comendo bananas e bebendo guaraná de Itapetininga, numa modesta bodega à margem da estrada.
Enquanto aqueles viviam percorrendo as rodovias em caravanas de carros luxuosos, ostentando ao lado os ajudantes de ordem, e as ordenanças todas brilhando em fardas douradas, vemos hoje os seus substitutos viajando em Ford sem comitiva, apenas na companhia de um general amigo, vestido à paisana e com os bolsos quase vazios!
Infelizmente, são casos raros, não há dúvida, estes observados na nova república! 
Por isso é que chegam a espantar ao mesmo tempo que produzem boas esperanças.
Porque também agora, como nos outros tempos, cometem-se absurdos e desatinos, culpa da "heterogeneidade dos elementos que  se aliaram para fazer a revolução", e, principalmente, pelo erro degradante de ter sido posto à margem o programa da Aliança Liberal, logo aos primeiros dias da sua vitória pelas armas!
Mas... Talvez ainda o Brasil se salve pondo também à margem a ambição de uns que  tudo corrompe, o orgulho de outros que tudo cega e ofusca, e finalmente a incompreensão de muitos pelos sistemas mal digeridos que pretendem impor, à revelia dos verdadeiros sentimentos da Nação quase unânime.
Há, entretanto, bons pilotos no leme.
Aguardemos, com segurança otimista, o sulcar da grande nave pelo oceano do futuro...
Talvez este novo ministro que come bananas e bebe guaraná fabricado em Itapetininga, seja o salvador da República.
Aguardemos..."


Esse ministro Maurício Cardoso aboliu a censura à imprensa e elaborou o novo Código Eleitoral, que trazia como principais novidades a instituição do voto secreto e a criação da Justiça Eleitoral. A reconstitucionalização do país, no entanto, era combatida por muitos membros do governo, principalmente os "tenentes", organizados no Clube 3 de Outubro. No início de 1932, o Diário Carioca foi empastelado pelos adversários da constitucionalização. Maurício Cardoso tomou providências para que as responsabilidades fossem apuradas, mas foi desautorizado pelo governo. Demitiu-se, então, do ministério junto com outros representantes gaúchos no governo. Apesar de defensor da constitucionalização do país, evitou dar apoio aberto à Revolução Constitucionalista deflagrada em São Paulo, em julho de 1932. Foi convocado por Vargas para servir de mediador entre o governo federal e os paulistas. Seus esforços, contudo, fracassaram. Em setembro, recebeu o controle do PRR e do jornal "A Federação" das mãos de Borges de Medeiros, que havia sido preso por envolvimento com o movimento constitucionalista. No ano seguinte, comandou o PRR nas eleições para a Assembléia Nacional Constituinte, para a qual elegeu-se deputado. Em 1934, com o término dos trabalhos de elaboração da Constituição Federal, elegeu-se deputado à Constituinte estadual gaúcha. Em 1936, voltou a aproximar-se de Vargas e apoiou as pressões do governo federal sobre o governador gaúcho Flores da Cunha, que viu-se forçado a renunciar ao cargo em outubro de 1937. Foi nomeado, então, para a Secretaria do Interior do novo governo gaúcho e, entre janeiro e março do ano seguinte, ocupou interinamente o cargo de interventor federal no estado. Com a posse do novo interventor, Osvaldo Cordeiro de Farias, passou a chefiar a Secretaria de Agricultura. Morreu em maio de 1938 em um desastre de avião, quando regressava de uma viagem ao Rio de Janeiro.


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