segunda-feira, 28 de maio de 2012

"RÁPIDAS" DE ORLANDO PINHEIRO.


...Hoje em dia a criançada não mais brinca como antigamente. Antes, existia ate um terreiro amplo para expandir a criatividade. Quintais arborizados. A criatividade infantil foi substituída por eletrônicos interativos que substituem cada vez mais as bolinhas de gude e os carrinhos de carretel, atividade lúdica do meu tempo e de todos os garotos que à esta altura já estão com a barriga saliente e perdendo os cabelos. Os pátios laterais da igreja, antes de se tornarem jardins era um campo de guerra para nós garotos de capa e espada. À noite, quando a adolescência chegou, a lua nos espreitava num cochicho amoroso nos vãos das paredes do templo.
...Quando eu era criança pequena lá em São Miguel Arcanjo, havia uma brincadeira muito simples, mas que todos nós sabíamos e repetíamos até no recreio do Gomide. "Cadê o rato? o gato comeu" E por aí seguia: E cadê o gato? Foi pro mato... Cadê o mato? O fogo queimou; cadê o fogo? A água apagou; cadê a água? o boi bebeu; cadê o boi? Tá amassando o trigo; Cadê o trigo? A galinha espalhou; Cadê a galinha? Tá botando ovo; Cadê o ovo? O padre bebeu? Cadê o padre? Tá rezando a missa... E por aí se seguia quase interminável. Hoje o mundo mudou... pra pior! 
...Logo depois da segunda metade do século XX, no chamado pós guerra, a obesidade virou uma epidemia importada dos Estados Unidos em forma de hambúrguer, coca-cola e batatas fritas. As grandes cidades que a gente admirava nas páginas da revista "O Cruzeiro" se circundaram de favelas. Não existe sequer um resquício da poesia de Orestes Barbosa na imortal "Chão de Estrelas" onde a lua furava nosso zinco salpicando de estrelas nosso chão. Hoje aquilo que parece estrelinha e salpicam os barracos, são balas de fuzil e metralhadora num verdadeiro campo de guerra.
...Por outro lado, criou-se uma novidade que nós caipiras de Santa Cruz dos Matos desconhecíamos. A tal de consciência ecológica, arrebanhando defensores das águas e das matas. Enquanto fazem apologia contra o gás usado em spray e geladeira que foi capaz de fazer um rombo na cúpula celeste, rompendo a barreira de ozônio, outros entusiastas mais modernosos saem às ruas defendendo o uso geral do tetrahidrocacarbinol que é o mesmo principio ativo da canabis sativa, a conhecida maconha que a molecada fuma acintosamente nos becos e nas ruas, enquanto autoridades apregoam que o cigarro dá câncer do dão brochura incurável. A igreja descobriu por conta do Papa João XXIII o ecumenismo e atrás veio o fundamentalismo, o ateísmo, teologias espúrias para extorquir os simples.
...Nós, jovens românticos dos anos 70 sonhávamos com a democracia e a queda do muro de Berlim. Entretanto, nos anos 80, isso nem sequer se comparou com a AIDS, hemofilia, homofobia e a pedofilia. Sindicalistas ditam regras e invadem terras produtivas e as mulheres, nestes últimos tempos, ocupam a cúpula da República. Vivemos na plenitude do pecado da gula e na arrogância do "você sabe quem eu sou?" O sujeito está sofrendo pra pagar o carro asiático, último modelo e o luxo do veículo lhe sobe a cabeça sem dar conta do carnê e pensa que é o dono do mundo. Uma nova gripe asiática que ataca o bolso.
...A água cristalina dos ribeirões de outrora, tal como o Nhôca e o Passinho está cada vez mais poluída, o que deixa os ecologistas prostitutos da vida. Essa mesma água, onde urinamos e defecamos todos os dias, é a mesma que abastece a cidade, irriga a horta e bebemos. Triste sina do ser humano destes últimos tempos... Ser obrigado a beber o seu próprio excremento. Lembrando-me daquela brincadeira de criança do início da nossa prosa, a gente percebe que cada vez está difícil obter água até para boi beber. O boi hoje vale trinta dólares a arroba em pé, confinado, marcado rastreado e exportado.
...Nessa brincadeira, quem disser que o boi está amassando o trigo está mentindo porque o Brasil não cultiva trigo suficiente nem pra encher o papo de uma galinha. Neste admirável mundo louco onde estamos vivendo, raras são as crianças que conhece de perto um galináceo carijó gigante da perna amarela. Ou são os "knuts" daquele quiosque americano todo em vermelho e amarelo, ou são produtos de exportação, frangos inchados à custa de hormônio para alcançar peso antes do tempo para agilizar o abate. Tempo de garnisé já era!
...Às vezes paro e penso no mundo que vamos deixar para minha neta, porque nossos filhos atravessaram de mãos dadas conosco essa metamorfose sinistra de perda de infância, carência de identidade. Pacientes precoce de consultórios de psicólogos, enquanto outros sem saber como trabalhar a mente, mergulharam num abismo profundo de desilusão. Nossa mente não foi preparada para tanta mudança. Tanto é verdade que os laboratórios de medicamentos se envolveram numa corrida para ver quem produz o melhor antidepressivo, porque a humanidade como um todo está mergulhada numa terrível depressão universal.
...Quem hoje ainda toma gemada sem pensar na salmonela? E o pastor que quer vender o céu em planos módicos? Os padres demoliram os altares e depois de participarem de passeatas de esquerda, decidiram ser cantores. Na minha meninice eu conheci apenas um padre cantor que ainda é referência até hoje: o padre Zezinho. Cantar dá muito mais prestígio do que rezar ou ouvir confissões de beatas e santarrões. A nossa igreja que mantinha as portas abertas, cadê? Ainda existe? O povo está indo atrás dos pregadores apocalípticos porque a fé se esvaziou. Principalmente a fé nos homens de boa vontade. Não desespere e nem chore. Volte seu olhar para Brasília, cheia de cigarras disfarçadas de formigas, seguindo cegamente a lei de Gerson. Pode ser que demore, mas um dia eu espero que isso tudo melhore. 
...Até a semana.

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