sexta-feira, 11 de maio de 2012

CAUSOS QUE NÃO SÃO DO ARCO DA VELHA - SÃO DO CASSIANO VIEIRA.



Se vivo, Cassiano Vieira teria completado, no último dia 07 de abril, cento e dez anos de idade.


Para homenageá-lo, estamos dando um presente a algumas pessoas que nos pediram um exemplar do livrete; foram muitas, mas em especial o geólogo Antonio Bittencourt Ribeiro Júnior, a quem enviamos um abraço.

Por que fazemos isso?

Uma porque Cassiano Vieira merece os nossos respeitos; e, depois, porque seus textos precisam ser guardados e até - por que não? - encenados por algum grupo de teatro amador.
O livrete é tão simples que o transcrevemos a seguir, na íntegra. 

Faça do texto um livreto como você o preferir.
Lá vai!


(CAPA DO TRABALHO)


                             
INTRODUÇÃO

Este PROJETO CASSIANO é dedicado a todas as pessoas que tem coragem de dizer o que pensam.
Muito embora todas as pessoas se pareçam, na luta pela vida desde o nascimento até a triste e inadiável despedida deste vale de lágrimas, são únicas na forma de ver, analisar, desejar, sentir e, afinal, de transmitir suas sensações, seus temores, suas certezas e suas angústias.
Guardarmos somente para nós mesmos quaisquer sentimentos que diminuam ou anulem a nobre condição de que fomos criados à imagem e semelhança de Deus, é alimentar sempre mais o Mal que existe.
O Bem precisa ser revelado porque aquilo que faz BEM para uma pessoa, com certeza fará BEM para todas as outras. Só que os seres humanos ainda não aprenderam isso. Preferem viver na mediocridade e na hipocrisia.
Os segredos do Homem são os mesmos segredos do Planeta. E todos esses segredos foram gerados e inventados por Deus.
Cassiano não possuía segredos.
Era assim: um homem feliz, extremamente fácil de lidar.
Transmitia uma tal coragem que encarava as pessoas de frente.
Os braços de Cassiano eram longos, porque gostavam de estenderem-se para ajudar as pessoas.
Um abraço de Cassiano valia mais do que um aperto de mão.
Foi uma das pessoas mais sinceras que São Miguel Arcanjo já teve. Mesmo que se deixasse levar pelas forças políticas dominantes na época, primeiramente, ao lado de Nestor Fogaça e, com a morte deste, ao lado de Alcidino França.
Cassiano jamais foi político.
Quiseram fazer dele um político.
Mas pode uma pessoa com alma e coração parecidos com os de uma criança, que gostava de arte, de prosa, de poesia, de carinho e de GENTE, tornar-se vilã?
Não pode!

Luiza Válio
Em São Miguel Arcanjo, 22 de Agosto de 2.010.



BIOGRAFIA DE UM HOMEM FELIZ

Cassiano Vieira nasceu aos 07 de abril de 1.902 no município de Pilar do Sul e faleceu em São Miguel Arcanjo em 07 de julho de 1.980.
Era filho do Coronel Antonio Vieira de Proença, um dos primeiros Intendentes do município de Pilar do Sul, que veio a casar-se com maria Teodora.
Desde o ano de 1.913, a família decidiu trocar aquele município por São Miguel.
O Coronel faleceu no dia 30 de março de 1.922 às 21 horas, com 66 anos de idade e Maria Teodora aos 24 de fevereiro de 1.932, com 73.
Cassiano era irmão do Capitão Marcolino Vieira, residente em Itapetininga; de José e Antonio Vieira, residentes em Pilar do Sul; de Olegário Vieira, residente em Capão Bonito; de Anna e de Georgina, que também residiram em São Miguel Arcanjo.
Era uma pessoa muito ativa.
Ainda jovem, tornou-se tipógrafo e em sua tipografia fazia blocos, memorandos, duplicatas, cartões de visita, envelopes, etc.
No ano de 1.926 mandou um ofício à Câmara Municipal oferecendo-se para publicar seus trabalhos.
Também em sua tipografia se faziam impressos para o grupo de Escoteiros que havia na cidade.
Foi proprietário e também redator do jornal "O Progresso" que funcionava na Rua Aurora, hoje Rua Manoel Fogaça, número 23, durante a segunda metade da década de 20.
Ajudou na fundação do Clube Recreativo "Bernardes Júnior"  no ano de 1.921. 
Foi jogador de futebol. No ano de 1.923, jogava no segundo time do Operário Futebol Clube.
Foi comerciante.
Tinha veia artística e, então, como artesão, confeccionava bonecos gigantes feitos de pano a pedido de interessados em seus serviços para festas, principalmente em eventos profanos, como os carnavais. Mas ele mesmo gostava de inventar outras festas para a garotada que se reunia na praça central da cidade para ver suas performances como imitador. Além do que contava como ninguém piadas e estórias fantásticas que dizia ter ouvido por aí, mas que, na realidade, saíam de sua própria imaginação.
No seu quintal, na década de 60/70, construiu lá um circo; havia palco e arquibancadas.
Grandes alunos de Cassiano, os irmãos Ari e Orlando Pinheiro, que faziam peças criadas no repente, na hora do espetáculo.
Quanto mais o recinto se enchia de espectadores, mais essas peças improvisadas surgiam geniais.
Quando da criação da Vila Vicentina, de auxílio aos mais carentes, Cassiano doou quatro milheiros de tijolos.
Como político, chegou a ser vereador nas eleições de novembro de 1.947. Seu partido alcançou 199 votos, 64 nominais foram dele, e ficou em primeiro lugar. Pedro Barbosa Pereira era o juiz presidente. Nessa época, o total de votos válidos foi de 1.366, que, divididos entre 13 cadeiras, davam um percentual de 105 votos para eleger-se um vereador.
Em 1.951, saiu como candidato a Vice-prefeito ao lado de Aparício de Oliveira Terra, pelo PTB, partido naquela época coligado com a UDN e o PTN.
Na década de 60, pelo Partido Democrático Cristão, saiu também como candidato a Vice-prefeito de Francisco Fogaça de Almeida, o Cirico, ao tempo do governador Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto que os apoiou.
Os candidatos à vereança eram: Nestor Fogaça, Wadih Miguel Hakim, Adriano Nunes da Costa, Agenor Ferreira Lopes, Antonio Ferreira Leme, Norihiro Murakami, Flávio José Fogaça, Miguel Rodrigues Ferreira, João de Lima Camargo, Francisco Pezzato e Maria Aparecida Silva, filha de João Paulino da Silva que se casou com um membro da família Fogaça.
Nessa eleições, obteve 1.145 votos, de um total de 2.372 votos válidos.
O Juiz Presidente era Vicente Mastrocolla.
Deteve o cargo de Vice-prefeito alguns meses ao lado de Nestor Fogaça, terminando na política como prefeito tampão no lugar do mesmo Nestor Fogaça que, em fevereiro de 1.968, sofreu terrível acidente em seu estabelecimento comercial, quando as madeiras mal empilhadas caíram sobre ele e, em consequência disso, veio a falecer.
Na década de 70, muito colaborou com o periódico "Folha de São Miguel Arcanjo", de propriedade de Ivo Cerqueira, jornalista residente em Itapetininga, ao tempo de Roque Mariano Ribeiro e dos irmãos Ari e Orlando Leme Pinheiro.
Consta que desde 1.967, a Comissão Sonora, responsável pelo aparelho de alto-falantes da Igreja Matriz, lutava para melhorar seus transmissores de sons, e vieram a conseguir isso, graças ao apoio dos cidadãos da urbe e também dos bairros. Esses aparelhos abrilhantavam todos os festejos da cidade.
Em paga ao apoio de toda a comunidade, a Comissão decidiu, no ano de 1.971, apresentar um espetáculo sertanejo.
Tendo á frente Luiz Honório de Oliveira, o popular "Filisbino", da ZYE 283, Rádio Difusora de Itapetininga, levou para o palco elementos das cidades de Tatuí e Itapetininga, além de São Miguel.
Foi um espetáculo de gala que se deu no barracão anexo ao Posto Nacional, onde quase não houve lugar para tanta gente.
Desfilou um elenco de artistas competentes, dando assim melhor brilhantismo à festa dita sertaneja.
Nessa ocasião foi premiado com o troféu "Rancho do Filisbino" o senhor Cassiano Vieira.
Ainda no ano de 1.971, juntamente com Carlos Pereira, Francisco Hayoshi, Lúcia Galvão Fogaça, Issira Aparecida Miguel Daniel, Mário Monteiro de Carvalho, Maria Alice Conde Alves Rodrigues, Miguel Nogueira Machado e Elza Barretti, Cassiano Vieira fez parte da Comissão eleita para promover os festejos da "Semana da Pátria", conforme  portaria 38, de 09 de agosto de 1.971, assinada pelo prefeito Alcidino França.
No ano de 1.973, isso se repetiu, tendo alguns novos colaboradores, como Policarpo Torrel Neto, Alcindo dos Santos Terra, Miguel Terra Domenici, Joaquim Inácio Rodrigues, Maria Zacarias, e Osvaldino Meiga.
Em 1.972, fazia parte da ARENA 2, ao lado de Alcidino França, Francisco Tavares de Pontes, Geraldo Piedade, Miguel Terra Domenici, José Dias da Silva, Anízio Domingues, Aparício de Oliveira Terra, Massami Aoyagui, Miguel Isaac Daniel, Emílio Gabriel, Antonio Rosa do Nascimento, Roque Mariano Ribeiro, José Carlos Carvalho Volta, José Moysés, Guerino Antonio Mocim, Miguel Dias da Silva, José França e Antonio França.
A ARENA 1 possuía elementos tais como: Agenor Ferreira Lopes, José Ramos, Reynaldo Fogaça, José Mariano Machado, Aristeu Válio, Toamitse Iwassaki, Durval Gonçalves da Silva, José Batista, Francisco Pezzato, José Alexandre Lopes, Wadih Miguel Hakim, Teófilo Moysés, Jorge Alves Seabra, Tomaz de Souza, José Expedito Machado, João Vaz de Araujo, Francisco Fogaça de Almeida e Alcidino Alves Ferreira.
No ano de 73, foi responsável pelos festejos do dia 31 de março e 1o. de abril, ao lado de José Pereira, Narlir Miguel, Hirokazu Havashi, Terezinha Alves Ponciano e outros.
Em 1.976, escrevia para o periódico "Tapichi", de Miguel Arcanjo Terra.
Cassiano Vieira casou-se com Antonieta Nogueira em 1.927 e tiveram cinco filhos, dois deles natimortos. Os outros foram: Norma, Zuta e Braz, que sempre honraram o nome do pai.
A cidade homenageou Cassiano, emprestando seu nome a uma rua localizada entre as Ruas São João e Comendador José Giorgi.

UM DIFÍCIL MOMENTO


Um dos momentos mais difíceis da vida de Cassiano Vieira aconteceu no dia 12 de fevereiro de 1.968, quando, com a morte do então prefeito Nestor Fogaça, vítima de acidente fatal acontecido em sua madeireira, a Câmara de Vereadores de São Miguel Arcanjo se reuniu, extraordinariamente, para dar-lhe posse, já que nesse período atuava como vice-prefeito.
Foi uma das maiores tragédias que já aconteceram na cidade.
Ninguém compreendeu esse desfecho da vida de um político que, por mais de vinte anos, tomou nas mãos as rédeas dos destinos do povo sãomiguelense.
Para Cassiano, foi o maior susto. Ele jamais cogitara em substituir o prefeito um dia, em tornar-se, de repente, chefe do Executivo de uma cidade que nem era a sua.
Mas ele era vice e sabia do seu papel. Então, deixou que tudo acontecesse como tinha que acontecer...
Eram nove horas da manhã.
Na Câmara Municipal, que funcionava numa das salas da Prefeitura municipal local, na Praça da Bandeira, hoje, Praça Antonio Ferreira Leme, lá estavam os vereadores: Wadih Hakim, Nobuhiro Murakami, Francisco Fogaça de Almeida, João Vaz de Araujo, João Agostinho, Agenor Ferreira Lopes, José Ramos, Geraldo Piedade, Alcidino França e José França.
Ausente, o vereador Antonio Bittar Filho.
Representava o município de Itapetininga, o vereador José de Moraes Terra.
José França pediu um minuto de silêncio em memória de Fogaça.  
Wadih falou sobre a pessoa do falecido, ele que era "fogacista roxo", dizendo que Nestor desaparecera "justamente no momento em que o município mais necessitava de seus esforços", por se tratar de um homem que "não media sacrifícios para trabalhar em benefício da coletividade de São Miguel Arcanjo".
José França pediu então que se colocasse na sala do Legislativo o retrato do ex-prefeito, o que foi aprovado por unanimidade.
Cassiano Vieira foi introduzido na sala pelos vereadores José França, João Vaz de Araujo e José Ramos.
Havia preparado um discurso, como sempre fazia em ocasiões especiais, mas não conseguiu ler nada. Estava por demais nervoso. De uma só vez declarou que recebia o encargo "com tristeza e com lágrimas nos olhos e dor no coração".
E Cassiano se tornava, pela primeira e única vez, prefeito de São Miguel Arcanjo!
As contas do governo de Cassiano relativas ao ano de 1.968 foram relatadas pelo Conselheiro Fernando Araujo de Almeida Moura e aprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado, conforme publicado no Diário Oficial de 07 de abril de 1.972, página 42.
Nessa época, São Miguel possuía cerca de 4 mil eleitores.
Terminava a era dos Fogaça.
E, terminada a era dos Fogaça, Cassiano Vieira, agora órfão de Nestor, porém, cobrado pela comunidade, optaria por apoiar a família França já na primeira eleição seguinte à morte do amigo.
Ninguém sabe se ele fez alguma promessa, mas nunca mais foi candidato a nada, preferindo ficar nos bastidores.
Em dezembro de 1.971, Cassiano era membro do Diretório Municipal da Aliança Renovadora Nacional, ao lado de muitos outros filiados.
Pela Arena 1: Agenor Ferreira Lopes, José Ramos, Reynaldo Fogaça, José Mariano Machado, Aristeu Válio, Toamitse Iwassaki, Durval Gonçalves da Silva, José Batista, Francisco Pezzato, José Alexandre Lopes, Wadih Miguel Hakim, Teófilo Moysés, Jorge Alves Seabra, Tomaz de Souza, José Expedito Machado, João Vaz de Araujo, Francisco Fogaça de Almeida e Alcidino Alves Ferreira. E pela Arena 2, ao lado de Alcidino França, Francisco Tavares de Pontes, Geraldo Piedade, Miguel Terra Domenici, José Dias da Silva, Anízio Domingues, Aparício Oliveira Terra, Massami Aoyagui, Miguel Isaac Daniel, Emílio Gabriel, Antonio Rosa do Nascimento, Roque Mariano Ribeiro, José Carlos Carvalho Volta, José Moysés, Guerino Antonio Mocim e Miguel Dias da Silva.


AMIGO CHOFER


Certa vez, Cassiano possuiu um carro de praça.
Chegou a ganhar muito dinheiro de um grupo seleto, seus amigos, que o procuravam e o contratavam para que ele os levasse até Itapetininga, num lugar onde havia mulheres de vida fácil.
Tudo combinado. E bico bem calado.
"Talecoisa, coisaetale", ninguém jamais ficou sabendo quem eram esses elementos, seus fregueses.
A amizade de Cassiano estava acima de qualquer suspeita, tanto que alguns deles, casados, em tempo algum suas esposas tomaram conhecimento disso. 

O APRESENTADOR DE DESFILES 

Era comum ver Cassiano nos palanques, microfone nas mãos, apresentando desfiles e comícios ocasionais na cidade.
E falava, falava, falava.
Bonito ver como ele tinha o dom de despertar o povo para a vida.
De seu costume, as expressões:
- " É formidáver!";
- "Miguelarcanjo, a cidade que vive por um milagre";
- "Talecoisa, coisaetale".

O FILHO QUERIDO

Sobre o filho Braz, assim se referia Cassiano: 
- "É mais fácil tratar o burro a pandeló do que o Braz com um prato de feijão".

UMA COMPARAÇÃO

Cassiano gostava de brincar com trocadilhos sobre a sua terra natal Pilar do Sul e São Miguel Arcanjo, terra do coração.
Assim, lá vai um versinho:

"Plantá abóbora, dá purungo,
plantá cana, dá bambu.
São Miguer só dá macuco
e Pilar só dá jacu".


MAIS QUE MOMO

Cassiano gostava de fazer bonecos iguais os mamulengos de Olinda para enfeitarem o carnaval em São Miguel Arcanjo. Também se utilizava de balaios e, junto com o Didi pintor, saíam farreando em fevereiro. Entravam dentro e se aventuravam pela cidade.
Outra especialidade dele era construir o boneco que representava Judas para ser queimado nas festas religiosas.


MICROFONE ABERTO

Quem se lembra deste episódio é o grande Ivan, filho de Leôncio de Góes que na época se responsabilizava pela instalação de som nos palanques de onde Cassiano Vieira irradiaria os desfiles das escolas.
... Era um Sete de Setembro e a promessa de um belo desfile se aproximava.
Os carros alegóricos estavam divinos, "como nunca se viu", diziam as professoras. Tinha até um menino vestido de D. Pedro, muito brilhante, muito garboso.
Além do próprio Cassiano Vieira, a Comissão responsável pelos festejos esteve composta de José de Souza Barros Filho, Mário Monteiro de Carvalho, Adelina Prandini Ribas, Roque Mariano Ribeiro, Toamitse Iwassaki, Ivan de Góes, Pedro Makiama e Antonio Raskevicius.
Cassiano se enchera de patriotismo nesse dia e falava sobre o amor à Pátria, declamava uns versos de Castro Alves, lembrava da luta de Tiradentes, louvava a princesa Isabel a quem se deveu a libertação dos escravos, etcetera e tal.
Praça da Matriz cheia de gente, principalmente de pais de alunos, fanfarra já aparecendo lá no alto da Rua Sete de Setembro, hoje Cônego Francisco Ribeiro.
Tum, dum, tum, dum, tum, dum, pararapatu!
Tum, dum, tum, dum, tum, dum, pararapatu...
Microfone esquentando na boca do Cassiano. 
Movido a eletricidade! E ele tinha o costume de colocá-lo bem juntinho da boca.
E as horas passando...Garganta secando...Lembrou de pedir um conhaque para o Ivan; o amigo trouxe o pedido e ele deixou ali no chão, perto dele, bem escondidinho do povo.
Nove horas...Nada de desfile... 
Parecia que ia chover...
Dez horas...Cadê as escolas?
Nessa espera, lá vai o pobre do Cassiano tendo que inventar histórias. Para segurar o povo, pois onde se viu desfile sem plateia? E nessas invenções, lá se ia um gole de conhaque; era outra fala e mais um gole de conhaquinho, quer dizer, fala lá, conhaquinho cá...
Ninguém reparava, pois a atração principal estava lá em cima, deveria vir lá de cima.
Até que... aconteceu!
Abaixando-se para tomar mais um golinho, já nervoso, o Cassiano esqueceu que o tal do microfone estava ligado e...
- Puta que pariu! Dá até pra pensar que esse pessoal tão desfilando tudo de joelho! Ara!.
O povo se ria muito, porque conhecia bem o Cassiano e respeitava até seus palavrões.
O que ele não havia percebido é que o desfile já estava quase na esquina do Sérgio França.
Ainda bem que o Ivan de Góes estava por ali e de olho nele!

RELEMBRANÇA


O Anorim Wakim Tannous nos passou esta.
Cassiano gostava de relembrar coisas que aconteceram no passado, em época de eleições.
Ao tempo do Nestor Fogaça, como ele dizia, chegavam os eleitores do mato para votar.
Alguns de chinelão, outros descalços, muitos caipiras passavam pelo viveiro do Nestor. Ali, tomavam café com pão e mortadela e ganhavam um pé de botina.
- Mas só um pé, Cassiano?!
- Craro! O outro pé, só depois da eleição! Omessa!  

OUTRO DESFILE

Chovera de madrugada.
O dia amanhecera até que bom para que o povo prestigiasse o desfile da Escola do "Nestorzão".
Só que as ruas eram descalças e o barro enfeiava o trajeto por onde o desfile seguiria.
Correu a Prefeitura para trazer pedregulho.
Em cima da hora, mas não havia mal em atrasar o evento. Sempre acontecia isso em São Miguel, principalmente no dia 7 de Setembro. Nesse dia, era praxe estar um dia bastante nublado e frio.
Cassiano, já no posto, paletozão, microfone nas mãos, chamando o povo que até pensara que haviam cancelado o tal desfile.
- Daqui a pouco, minha gente, daqui a pouco mesmo, desce o desfile. O "Nestorzão" hoje tá uma bala. Aprontem os ouvidos!
E segue Cassiano contando sobre a data, discurso tirado do bolso do paletó.
A praça já recebendo a criançada, os idosos com as bengalinhas, todos no aguardo.
E Cassiano apresentando o pessoal que chegava junto dele no palanque.
Autoridades e convidados e "coisaetale".
O pedregulho esfumaçando ainda.
A fanfarra já se ouvindo lá em cima.
De repente, o Cassiano ergue a voz:
- Ei-lo que surge sorridente e  belo, o Colégio Nestor Fogaça!... Pera, pera, minha gente, é um engano... É só quatro bêbado que vem descendo... Ara!
E o povo se ria.
Era só felicidade!

ROUBARAM O DISCURSO

Em 1.974, outro desfile fantástico estava prestes a realizar-se em São Miguel. 
Cassiano se preparava. De terno de riscadinho. Chique em cima do palanque, em frente ao Banespa. 
O microfone era coisa delicada de se mexer, naquela época. Dava choque, pois era movido a eletricidade. Então, na maioria das vezes, ficava aberto. Era preciso ter muito cuidado.
Bem, nessa vez o Cassiano estava nervoso. Agitava-se demais no palanque. Mexia nos bolsos do paletó. Mexia nos bolsos da calça. E acabou esquecendo de novo que o bendito microfone estava aberto.
Soltou lá uma imprecação:
- Fio da puta quem me roubou o discurso...

O PREFEITO DE GUAREÍ

É o Braz da Banda quem se recorda deste episódio.
José Neves morava com Cassiano Vieira ou lhe prestava serviços na sua residência.
Quando a família do Braz se mudou para Tatuí, quem levou a mudança deles foi o amigo Cassiano.
O Zeca Munhoz também foi junto só para acompanhar os parentes, e voltou com o Cassiano.
O José Neves, esse sim, se enrabichou e foi junto.
Disse o José Neves, nessa ocasião:
- Vou procurar a vida!
E achou.
Hoje, é prefeito de Guareí!
Seu nome verdadeiro é José Pedro de Barros.
Na década de 80, Braz o reconheceu numa reunião de prefeitos em São Miguel.
E o José Neves também reconheceu o Braz.

NASCIDO A 7 DE ABRIL

O redator-chefe do jornal "Folha de São Miguel Arcanjo", o Roque Mariano Ribeiro, outra pessoa bastante versátil na história do nosso passado, homenageou Cassiano Vieira na edição de número 94 do periódico.
Assim:


"Cassiano Vieira, Feliz Aniversário" 

Dia 7 de abril...
Uma predestinação.
Há pouco mais de meio século, nasceu Cassiano Vieira.
Nasceu humilde e igual a todas as crianças.
Cresceu igual a todas, solvendo na infância aspirações que lhe coordenariam na idade madura.
Não vamos dizer da vida política e social de Cassiano Vieira.
Mesmo as gerações mais novas conhecem sua carreira política e bem de perto assistem às conturbações naturais de toda carreira idêntica.
Nosso velho amigo também é político...
O que nos importa não são suas gestões consecutivas como vice-prefeito e como prefeito.
Não nos importa suas avenidas e chafarizes, nem que ele fosse dos primeiros a editar jornais em nossa terra.
Muito menos importa que Cassiano Vieira fosse precursor do cinema ao lado do farmacêutico Antenor Moreira.
E também não nos importa se ele fosse o primeiro "speakerman" da cidade, animando festas mais festivais.
Tudo isso Cassiano Vieira fez por uma razão. E essa razão que nos importa...
Qual razão?
A razão humana.
A própria fisionomia de Cassiano Vieira denota humanismo surpreendente.
É o homem que sorri para todos, ricos e pobres, velhos e crianças, mesmo que no seu coração haja uma lágrima.
É isso que nos importa.
O homem Cassiano Vieira, o amigo de todos, em todas as horas.
Vamos pensar?
Esqueçamos a política de Cassiano Vieira para recordar o humanismo, o amor fraternal, a servidão solícita, o desprendimento desse amigo de todos que nasceu no mesmo mês da nossa cidade para nela se integrar de corpo e alma.
Digamos com entusiasmo em todos os dias 7 de abril: Cassiano Vieira, feliz aniversário!

A SEGUIR, OS CAUSOS DE CASSIANO VIEIRA QUE DEVERÃO SER GUARDADOS PARA A POSTERIDADE:

1. "SAUDADE DA BANDA"

Estou com saudade da banda.
Outro dia, fui a uma festa em Capão Bonito.
Precisava de ver o espetáculo no campo de futebol. Parece que era a banda dos Fuzileiros Navais.
Uma beleza!
Aquelas evoluções e coisa e tal.
O pessoal todo de branco, a banda lá dos homens. Um instrumental de primeira.
Pena que um fulano me pegou para contar a vida dele e falava que falava o desgraçado e eu perdi o melhor do espetáculo.
Mas eu vi instrumentos que aqui em São Miguel Arcanjo nunca vi.
Eu até contei pro pessoal e ninguém acreditou.
- Imagina, Cassiano, isso nem existe!
- Claro que existe! Coisa moderna!
Vi um baixo-tuba que tinha umas quinhentas voltas.
Mas não era daquele baixo-tuba parecido com bombardino. Um bombardinão! Dá um efeito desgraçado aquele baixo-tuba.
E o flautim?
Porquera de flautim! Que beleza!
Um negrão deste tamanho, um baita homão, tocando aquele instrumento pequenininho e saía umas músicas tão bonitas que dava vontade de levar o negrão e o flautim pra casa.
Era chegar e falar para a Antonieta:
- Olhe o que eu trouxe pra nós!

2. "POLÍTICA? VOU FALAR, MAS NÃO SEI DE NADA".

Ah, o Zé França. Sujeito honesto.
Mas eu acho que é mais fácil pilotar aquele aviãozão Concorde e ir parar em Nova York do que o Zé França ganhar a eleição.
Se qualquer um de nós pegar o bichão Concorde faz mais bonito que o Zé França em política.
Quanto ao Zaga... Bem, o Zaga...
Olhe, tá um rolo por aqui que pode até dar briga.
A história foi assim: conversa pra cá, conversa pra lá, e o Zaga ficou sendo o candidato do Zé França. Mas não é mais. Aí é que está o negócio.
Olhe, o Zé França governou a cidade com 5 vereadores e o pessoal da oposição com 4.
A ala do Zé França era a ARENA 1, mas havia uma condição: na primeira formação da mesa, o Zaga deveria ser o Presidente.
Ficou tudo certo. Tudo azul.
Formada a mesa, veio a posse do prefeito e dos vereadores.
Então, o Zé Dias falou:
- Não aceito o Zaga!
Foi aquele negócio.
A mesa até podia derreter como picolé de groselha quando o Zé Dias disse uma coisa daquelas.
Aí, o pessoal gritou:
- O que é isso, Zé Dias? Foi trato, está combinado.
E o Zé Dias respondia que não e que não. 
Tudo empacado como burro na beira da estrada. A festa podia acabar ali. 
Judiação! Aquela florzada em cima da mesa...
Mas o Zé Dias continuou a bater o pé.
Aí virou, virou, e o próprio Zaga falou:
- Já que não querem que eu seja o Presidente, pode ser quem quiser.
Foi então que escolheram o Nelsão.

3. "E O ZAGA, O QUE FOI QUE ELE FEZ?"

Bem que eu falei.
O Zaga ia sair por aí pegando voto.
Claro!
Quando não houve acordo, o Zaga começou a cuidar da vida dele.
Lógico!
Agora querem derrubar o Zaga.
Mas o Zaga já saiu na frente faz quatro anos. 
Está trabalhando bonito. Um trabalho excepcional. 
É a mesma coisa que você arrendar hoje 5 alqueires de terra por aí e você mesmo derrubar o mato, aceirar o campo, queimar, gradear, arar, ciscar, recolher o mato e jogar fora, adubar, preparar, você mesmo plantar a melhor semente com o agrônomo junto. Claro que dá para colher boa coisa com um trabalho assim.
Foi o que o Zaga fez.
Ele não é bocó.
Agora, os outros candidatos... 
Bem, parece que está tudo meio torto. Mas eu acho que entre eles e o Zaga, a situação é a mesma do time de São Miguel Arcanjo jogando contra o São Paulo ou o Corinthians. Não tem graça.
Estão falando aí que ele tem 90% dos votos.
Mas ele sabe fazer Política. Encontra o pessoal e já vai batendo um papo. Diz assim:
- Olhem, estou por aí; se precisar é só chamar.
Uma coisa tremenda!
Ele também conhece qualquer caboclo aqui da região pelo nome. Sabe até o nome da mulher do caboclo. Sabe onde mora.
O Zaga sabe mais do que eu.
E eu sabia o nome de todo mundo quando fazia Política. Sabia mesmo!

4. "NÃO ADIANTAVA, NÃO ADIANTAVA"

- Juro por Deus! Nunca pedi um voto pra mim. Pedia pro Nestor Fogaça.
O Nestor não me largava.
Vinha sempre aqui em casa.
Dizia, lá do portão:
- Oi, Cassiano! Vamos falar com o pessoal do sítio?
Eu respondia:
- Não posso, Nestor, estou doente hoje...
Mas qual o que!
O Nestor acabava me levando junto com ele!

5. "IMPRENSA PERDIDA"

Vocês sabiam que São Miguel Arcanjo já teve quatro jornais?
Vocês que são moços nem sabem! 
Mas São Miguel Arcanjo já teve quatro jornais.
Eram dois jornais sérios e dois críticos.
Eu fui jornalista também.
Barbaridade!
Quatro jornais nesta cidade! Quatro jornais!
Ah, os jornais tinham nomes assim como "O Progresso", "O Pirralho".
Depois um deles mudou de nome para "Folha", depois mudou para "O Imparcial", que era do grupo do PRP.
Nós fundamos "A Razão", que era da oposição.
Eu perdi todos esses jornais.
Uma coleção!
Ela desapareceu durante a Revolução.
Eu soube que alguém nesta cidade acabou achando o pacote dos jornais numa lata de lixo.
Mas eu nunca vi lata de lixo nesta cidade!
Acho que é mentira!

6. "OS CLUBES DA CIDADE"

Aqui em São Miguel Arcanjo existiam também três clubes. Frequentados de verdade.
Não eram que nem esse Clube de agora.
Eu queria que vocês vissem.
Hoje, o que é que eu vou fazer no Clube com minha familia?
Me contem: o que?

7. "ORLANDO, ORLANDINHO"

Engraçado.
Contrataram o Orlando para falar bem de São Miguel. E ele falou mal.
Vocês conhecem o Orlando Pinheiro?
O Orlando Pinheiro é irmão do Ari.
O Ari Pinheiro diz que é jornalista. Os parentes dele dizem com voz grossa:
- O que é que vocês estão pensando? O Ari é jornalista!
O pessoal brinca:
- Vai ver que é jornaleiro, não jornalista.
A parentaiada fica brava:
- Ele está no "Cruzeiro", é importante.
Nunca apareceu o nome do coitado.
Mas ele é um moço inteligentíssimo!
Dizem até que ele ganha um milhão e oitocentos lá no "Cruzeiro", porque é adjunto, Auxiliar de Diretoria, etc. e tal.
Foi por isso que escolheram o Orlando Pinheiro para fazer uma promoção da Prefeitura.
Eu até ajudei o Zé França a escolher o Orlando.
O moço estava aqui, podia ajudar a gente.
Ele foi nomeado para o setor de Relações Públicas.
Mas o danado não falava com ninguém.
Que diabo de Relações Públicas que não fala com ninguém?
Até vieram perguntar se ele era um bocó.
Eu disse que não, imagine só uma coisa dessas, era um moço inteligentíssimo.
Eu sei que o Orlando começou a publicar algumas notícias.
Mas um dia publicou uma notícia criticando a Prefeitura.
Onde é que se viu?
O Zé França ficou danado da vida e foi brigar com o Orlando Pinheiro:
- Fora daqui, fora daqui! Que negócio é esse? Você trabalha para falar bem da Prefeitura e fala mal? Ficou louco? Que promoção é essa que você está fazendo?
E São Miguel Arcanjo ficou na história como a primeira cidade onde existiu um Relações Públicas que falava contra.
Porque todo Relações Públicas fala a favor, não é?

8. "OS HOMENS MORREM MAIS"

Por que morre mais homem que mulher?
Tem morrido tanta gente em São Miguel Arcanjo...
Nunca vi tanta gente morrendo.
Outro dia, não tinha nada pra fazer e comecei a contar: morreram já 60% dos antigos, mas estão vivas 60% das viúvas.
Conta meio louca, mas é verdade.
Hoje, eu acho que existem na cidade umas 160 viúvas e só uns 12 viúvos.
De cada 20 mortos, 18 são homens.
Eu acho que é assim em todo lugar. Aqui, em Itapetininga, em São Paulo...
Nossa Senhora!
Homem morre que nem pinto em dia de chuva por aí. Se publicassem anúncios fúnebres aqui em São Miguel, vocês iam ver como os homens estão morrendo mais que as mulheres.
Que coisa esquisita!
Por que a mulher dura mais?
Eu acho que a mulher dura mais porque não tem enfarte.
É, mulher não tem dessas bobagens...
Eu também não quero ter!
Já estou com 74 anos. E ainda sou bom de coração, animo qualquer festa.
Outro dia, fui a uma festinha na nossa creche.
Que beleza a nossa creche! As crianças são tratadas com muito carinho.
Eu fui lá animar. Muito bolo, doces, coisa e tal.
Aí, vem o Jaime Morengue, circunspecto, com um microfone bom que estava com o rapaz que tocava rebeca (é rebeca, não, aquele instrumento que a moçarada toca?).
Uma beleza de rapaz. Canta que é uma coisa.
Então, o Jaime fez o discurso, falou, tal e etcetera; aí, veio uma moça, eu fui apresentado. Ela era coordenadora da Assistência Social, coisa que o valha. Aí, eu percebi que se pegasse o microfone para fazer um discurso não ia lembrar nem do meu nome.
Engraçado!
Sou capaz de animar qualquer festa em qualquer lugar, mas na hora de fazer um discurso de improviso, não sai nada.
O Zé França pegou o microfone.
Graças a Deus que ele pegou!
Gozado. O pessoal da oposição diz que o Zé França é duro que nem uma porta. Mas precisavam de ver como ele vai longe num discurso. Fala que é uma beleza. Como deve ser falado. Ele tem o dom da palavra.
Eu, de oratória, não tenho dom nenhum, mas se for preciso animar uma festa, ah, isso eu falo a noite inteira, sem parar. Mas se tocar de eu me levantar para fazer um discurso, ah, isso vem um nó na garganta e não sai nada.

9. "A LENDA QUE A FÉ INVENTOU"

A história dos canhões que não arrasaram São Miguel.
Vocês conheceram o Tico?
O Tico Medeiros?
Pois, o danado do Tico andou publicando nos jornais que, na Revolução de 32, as forças do Sul colocaram os canhões no alto de um morro aqui de São Miguel Arcanjo, todos apontados para a cidade.
Uns seis, oito, dez canhões.
Os oficiais do Sul estavam prontos para bombardear a cidade, deixar tudo em poeira (aqui era o ponto de abastecimento, de concentração das tropas paulistas e tal e etcetera).
Foi aí que surgiu um soldado paulista, com a roupa brilhando, uma espada na mão, soltando faíscas. 
O soldado fez umas visagens lá com a espada.
Os oficiais que comandavam as forças do Sul ficaram com a visão toda ofuscada pelo brilho da espada, e coisa e lousa, e tal e etcetera, e eles suspenderam a ordem de acabar com a cidade de São Miguel Arcanjo.
O Tico ainda publicou que o soldado era daqui de São Miguel.
Pois não há de ver que na festa de aniversário da cidade fizeram um quadro sobre esse caso? Por sinal até um menino que representava bonito, com a espada, a balança. 
Formidável!
Era uma alusão a esse milagre que o Tico Medeiros andou publicando nos jornais.
Aí, eu estava no palanque apresentando a festa e escrevi na hora que o caso não era bem assim. Modifiquei a história. Onde é que se viu contar uma mentira dessas? Nunca aconteceu isso por aqui!
Uma mulher de São Paulo, meia metidona a sebo, estava por perto, leu a modificação que eu fiz na história - eu fiz no próprio programa da festa, na parte de trás.
Ela copiou o que eu tinha escrito e levou tudo com ela.
Uma história sem base, por isso que eu mudei.
Mas o Tico, coisa e lousa, tal e etcetera, inventou tudo aquilo.
Eu só deixei a impressão de que houve uma interferência do santo nas três Revoluções.
Mas não do jeito que o Tico Medeiros inventou.
Porque, verdade seja dita, São Miguel Arcanjo passou por três Revoluções sem nunca ter caído uma bala por aqui! E isso já é um grande milagre.
Houve qualquer coisa por aqui, isso houve. Parece que os gaúchos não acharam a cidade. Ela ficou invisível!
Mas não do jeito que o Tico contou, isso não.

10. "CASSIANO BOCÓ"

Outra história engraçada da Revolução.
A gauchada estava lá pelos lados de Capão Bonito.
O pessoal aqui em São Miguel Arcanjo querendo saber das novidades.
Todo mundo preocupado.
Eu até achava que era brincadeira. Aqui não acontecia nada parecido com Revolução.
Eu queria que acontecesse, assim, animava um pouco. Um farrão desgraçado!
Mas desta vez o negócio tinha jeito de ficar preto. A gauchada já estava lá pelos lados do Rio das Almas. O pessoal todo alarmado.
Naquele tempo, eu tinha um armazém em frente à farmácia do Antenor Moreira. Minha freguesia era lá do Retiro. Uma freguesia boa. 
Umas vinte pessoas do Retiro dentro do meu armazém, todos com os olhos arregalados, querendo saber o que andava acontecendo.
Então, eu peguei um jornal velho. Uma porcaria de jornal. Fiquei ali na frente do pessoal do Retiro com jeito de quem estava lendo o jornal.
Um deles perguntou:
- É jornal da Revolução?
Eu respondi:
- Claro que é. De hoje!
E ele pediu:
- Então, leia o jornal para nós.
Eu comecei a fingir que lia notícias sobre a entrada dos gaúchos na cidade de Capão Bonito.
Inventei cada notícia que deixava a caboclada assombrada.
Li que as pessoas velhas, inúteis, que não serviam mais para nada eram penduradas na cerca de cabeça para baixo.
Li que eles furavam os olhos das mulheres que não sabiam cozinhar.
Inventei que as crianças eram atiradas no rio.
Então, enquanto eu estava ali inventando notícias, falando muito sério, com os dois olhos pregados no jornal, ficando empolgado com as notícias, a minha mulher Antonieta apareceu e disse:
- Cassiano parece bobo. Não viu que já foi todo mundo embora?
Depois disso, a caboclada não voltou nunca mais ao meu armazém.
Quem ganhou com a história foi o Zico. O Zico Ruivo.
Um dia, ele apareceu e disse:
- Não sei o que aconteceu, Cassiano. Mas como melhorou o negócio lá no meu armazém! Sempre vem o pessoal do Retiro e leva os cargueiros lotados de coisas!
Sabe quem espantou o pessoal do meu armazém?
Eu mesmo!
Com aquela brincadeira de inventar notícias da Revolução.
Até hoje a Antonieta me chama de bocó.

11. "O PRIMEIRO DENTISTA"

O primeiro dente aqui levou quatro horas para sair.
São Miguel Arcanjo tem histórias do arco da velha.
Vocês ouviram falar do Eduvirge Monteiro? O Eduvirge Monteiro, eu acho que foi o primeiro dentista de São Miguel Arcanjo.
Um dia apareceu um caboclo lá na casa dele e mostrou um dentão deste tamanho. Disse que estava doendo. Era para tirar logo.
O Eduvirge olhou para o caboclo e disse:
- Senta aí.
O caboclo sentou na cadeira.
O Eduvirge pegou o boticão que estava ali pelo chão e falou para o caboclo:
- Vê se aguenta, que o negócio está feio.
Depois, ele mandou o caboclo tirar o paletó. Foi aí que o caboclo abriu a boca e o Eduvirge grudou no dentão dele.
E vai e não vai, desgraçado de dente. O Eduvirge acabou botando o pé no peito do caboclo e força que força, e puxa pra cá, puxa pra lá. O Eduvirge acabou derrubando a cadeira; junto com a cadeira, veio o caboclo.
O Eduvirge caiu de costas, o caboclo e a cadeira em cima dele, e vai, espera lá, aquela ferramentaiada espalhada pelo chão, a bacia d`água virou, a mulher do Eduvirge entrou na sala.
A Zica viu aquilo tudo e gritou que ia chamar a polícia.
Ihhh, o caboclo rolava no chão, o Eduvirge não largava o dentão do caboclo, vira pra cá, vira pra lá, já durava uns quinze minutos aquele rolo ali na sala e, então, ploft.
Saiu o dentão do caboclo.
E o caboclo de um lado: Ai! Ui" Ai! Ui! Ufa! Ufa! E o Eduvirge bufando do outro: Ahh! Ahh! Ahh!
Então, o Eduvirge ofereceu um copo de água com Anacol para o caboclo lavar a boca.
E vai e vai e os dois ficaram ali e o caboclo gemia:
- Ai! Ui! Ai! Ui!
O caboclo acalmou-se um pouco e perguntou, bufando para o Eduvirge:
- Quanto é, quanto é?
E o Eduvirge, bufando de cansaço também:
- Dois mil réis, dois mil réis, ahh, ahhh, ahhh.
O caboclo:
- Tá muito bem! Valeu a pena. Um dinheiro bem empregado.
Passou uns cinco ou seis anos e o caboclo voltou para a casa do Eduvirge para arrancar outro dentão.
Bateu palmas e apareceu o filho do Eduvirge na porta, o Ademar Monteiro, que havia se formado há pouco tempo como dentista. Diploma bonito na parede...
O caboclo entrou e já encontrou uma injeção da Bayer. E se é Bayer é bom. Tudo moderno.
A primeira coisa que o caboclo perguntou:
- Cadê seu pai?
E o Ademar Monteiro respondeu:
- Agora ele não trabalha mais. Está cansado. Eu sou o dentista.
O caboclo, meio desconfiado:
- Eu queria arrancar o dente.
O Ademar, muito educado:
- Sente, por favor.
O Ademar Monteiro esterilizou as gengivas do caboclo, preparou uma injeção e... tuque! no lugarzinho do dente.
- Doeu?
- Não. Não doeu nada.
O Ademar preparou mais uma injeção e ... tuque!
- Como é? Está doendo?
E o caboclo:
- Não.
Então, o Ademar Monteiro apanhou o boticão mais apropriado, ajeitou bem e... ploft!
- Olhe o dente seu - disse o Ademar para o caboclo.
E o caboclo:
- Ué? Já tirou? Ué? Tirou mesmo!
O Ademar passou um Astringosol e tal e coisa.
E o caboclo perguntou o preço:
- Quanto é?
- Dez mil réis.
- Quanto mesmo?
- Dez mil réis.
O caboclo ficou zangado:
- Ah, não, isso eu não pago. Pois fique sabendo que há uns anos atrás eu estive aqui com seu pai e nós lutamos e rolamos umas horas seguidas aí pelo chão para tirar um dente. Até hoje eu sinto dor. E sabe quanto ele cobrou? Só dois mil réis. Agora eu venho aqui, não sinto dor nenhuma, nós não lutamos nada, você tira o meu dente depressa, e quer cobrar dez mil réis? Ah, não pago. Se quando eu quase morri de dor eu paguei só dois mil réis, por que é que agora que não senti dor nenhuma vou pagar dez?... Não pago e não pago!
Esse caboclo foi o primeiro cliente a dar prejuízo ao Ademar Monteiro.
Depois, apareceu uma porção de gente dando prejuízo, e o Ademar teve que se mudar para Sorocaba.

12. "A BOTA DO CAIPIRÃO"

O par de botas que grudou no pé do caboclo.
Vocês não conheceram o Elias Jorge, sapateiro?
Um dia chegou um caboclo do Taquaral Abaixo querendo um par de botas.
- Eu quero uma bota, seu Elias.
- Pois não, eu faço a bota.
- Mas eu quero uma bota de primeira, que seja a melhor; sou padrinho de casamento aí de um amigo, quero uma bota último tipo. Não tenha dó de enfeitar a minha bota que eu pago.
- Não tem dúvida, eu faço a bota.
O Elias Jorge tirou as medidas do pé do caboclo. Mas o Elias era muito distraído, acabou perdendo os números que tinha anotado.
O que o Elias fez?
Ficou na porta da sapataria vendo os pés de outras pessoas passarem por ali. Quando ele via um pé parecido com o pé do caipira, perguntava:
- Que número você calça?
Uns diziam 40, outros 41, outros 39 e o Elias resolveu somar todos esses números e dividir por três. Assim ele tinha certeza de que não errava no tamanho da bota pedida pelo caboclo.
O Elias fez a bota.
Quando chegou o dia marcado, o caboclo apareceu.
- Está pronta a bota, seu Elias?
- Prontinha.
O caipira arrancou o botinão que estava com ele, o pé estava sujo.
O Elias mandou o caboclo lavar o pé, viu que o pé era menor do que a bota, mandou o caipira comprar um par de meias e disse:
- Agora, calce o par de meias, porque a bota tem forro especial e com o pé assim sem meias a gente vai suar para calçar e vai doer e etcetera e tal.
O caboclo colocou a bota.
Era uma bota assim que no meu tempo chamavam de bota de fazer cocô em pé. A botona vinha até quase os joelhos, o sujeito podia ficar de cócoras que o cano da bota segurava o corpo dele, não deixava cair.
O Elias percebeu que, mesmo com o par de meias, ainda ia sobrar bota no pé do caboclo.
Então, ele pegou um grude de colar sola de sapato, levou a bota para dentro de um quartinho dos fundos e lambuzou tudo por dentro.
Voltou, olhou desconfiado para o caboclo e disse:
- Calce, que agora vai dar certo.
O caboclo colocou as duas botas; grudou tudo no pé e ele saiu feito um papagaião.
- Quanto é, seu Elias? 
- É tanto.
O caboclo achou que a bota ficou do gosto dele e pagou parece que doze mil réis.
Foi para o casamento. E rojão e tiro de garrucha na porta da igreja, um festão danado.
Naquele tempo podia disparar garrucha para comemorar casamento.
Todo mundo a cavalo. O caboclo orgulhoso com a bota grudada no pé.
O festão continuou depois que os noivos chegaram em casa. Foi até a madrugada.
Quando chegou umas horas, o caboclo se entregou e caiu dormindo num canto.
Acordou com a bota ainda no pé.
Amanheceu meio doente, gemendo: ai, ui, ai, ui.
Acho que ficou doente de tanto comer. Então ele quis tirar a bota, mas o grude fincou a bota no pé dele.
Quando viu aquela barbaridade, a bota grudada no pé dele, alguém falou:
- Vamos chamar o Antenor Moreira lá na farmácia. Quem sabe ele tira essa bota.
O Antenor Moreira chegou, examinou a situação e pediu um facão:
- Não tem problema. A gente rasga a bota.
E meteu o facão no lado da bota. Nos dois lados das duas botas.
- Agora, é só puxar. O cano já está rasgado.
Então, o Antenor Moreira meteu a mão com fé nas tiras da bota e puxou com força.
O caipira, coitado, gemeu.
A bota saiu, mas ele ficou sem os pelos das duas pernas.
Do calcanhar até os joelhos, a bota veio com pelo e tudo.
E o Elias Sapateiro se escondeu do caboclo até que os pelos crescessem de novo.

NOTA:  
Tudo está de acordo e do jeitinho que Cassiano escreveu nas páginas extraídas do Jornal "Tapichi", de maio de 1.976. Ano 1 - número 0 - aliás, número experimental.
O Diretor e Responsável pelo periódico - só conhecemos um - era o jornalista Miguel Arcanjo Terra.
Mário Scapini era o Diretor de Arte.
Dr. Paulo Enéas era o Consultor Administrativo.
Segundo se propagava, os proprietários do jornal já estavam cumprindo todo o trajeto necessário para transformar "Tapichi" num jornal dentro da lei e da ordem na cidade de São Miguel Arcanjo.
Conforme se lê do seu expediente, o aludido jornal era confeccionado e administrado na "Vila dos Ortiz", embaixo da laranjeira, sujeito a chuvas e pedradas".
Vinha honrar o nome de um adorável andante desta cidade, o Tapichi, e fazer de tudo o que ele fez, como por exemplo:

1) - Não ver diferença entre pobres e ricos;
2) - Ser amigo dos cães vadios;
3) - Não carregar um tostão no bolso;
4) - Cumprimentar moça bonita;
5) - Fugir de moça feia;
6) - Falar bem do prefeito quando for justo;
7) - Falar mal quando for possível.

Editora Trombetti Ltda- agosto de 2.010





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