terça-feira, 1 de maio de 2012

"CIPRIANO SOARES"


O texto abaixo foi escrito por J. SEVERO, um dos pseudônimos do meu avô, MAJOR LUIZ VALIO, no jornal "O Progresso", que não existe mais, em 11. 10. 1.931.


" Vai entrar em novo julgamento na sessão do Júri que se realizará a 21 deste mês, o nosso conterrâneo Cipriano Soares, vítima de um desvio da sorte que lhe proporcionou essa temporada de sofrimentos e dissabores bem conhecidos.
O Júri, na primeira sessão deste ano, o absolveu, reconhecendo a seu favor a detrimento de privação de sentidos e inteligência. Mas a Promotoria apelou da justa decisão e ei-lo de novo prestes a ocupar o "banquinho dos réus".
Desta vez é certo que se lhe fará justiça definitiva, sem embargo dos sentimentos humanitários que da última vez restituíram ao seio da numerosa família, no extremo da miséria, o chefe querido.
Cipriano foi sempre homem trabalhador, cumpridor reto dos seus deveres para com a família e a sociedade.
Por ocasião em que se procedeu a descriminação das terras devolutas no município de Iguape, prestou grandes serviços, em cerca de dois anos, na demarcação da linha divisionária da Serra de Paranapiacaba, numa extensão de muitas léguas, pois aí foram aproveitados seus serviços de profundo conhecedor da zona sertaneja que separa este ( São Miguel Arcanjo) do município iguapense.
Pouco depois, teve início o serviço de abertura da Estrada de Sete Barras.
Centenas de operários de diversos Estados, bons e ruins, entraram para o trabalho, e Cipriano, que já havia acompanhado todo o serviço de exploração dessa estrada, como camarada de confiança do Dr. David Mac Knight, serviço que durou mais de um ano, também foi prestar o seu concurso, julgado até de necessidade, pois ele conhecia bem todos os obstáculos da íngreme vereda.
Desde o início até a paralisação das obras, Cipriano trabalhou sem cessar, ganhando o pão para sua família e o necessário para o cumprimento de suas obrigações.
Tratando-se assim de um homem trabalhador, qual a razão por que era ele tido como desordeiro perigoso e alcoólico habitual?
Qual a razão por que vivia sempre perseguido pelas autoridades locais e até pelo próprio chefete do seu bairro (Taquaral), que era o seu irmão Manoel Soares? 
Qual a razão por que as suas queixas às autoridades contra desafetos que lhe causavam mal, não eram tomadas em consideração?
Pelo simples motivo de ter sido oposicionista desde 1.922, fazendo parte de um grupo de sãomiguelenses intransigentes que se insurgiram contra todos os desmandos e prepotências do situacionismo local.
Esse foi o grande mal.
Foi essa a razão suprema que transformou o pobre homem em vítima desprezível dos seus adversários.
Vi muitas vezes Cipriano chamando a polícia sem motivo algum.
Vi também quando ele veio queixar-se às autoridades de lhe haverem desviado uma filha  para o caminho da prostituição, queixa que não teve cabida nem aqui nem na delegacia regional da Comarca.
Foi então que ele começou a abusar do álcool, desgostoso da vida; mas não o fazia habitualmente e, sim, de quando em vez.
Foi então que ele quis fazer justiça própria contra o sedutor do seu ente querido, indo esperá-lo na estrada por onde, afinal, não passou o bandido que ia ser justiçado.
Este fato foi que levantou medonho celeuma contra Cipriano e de que a promotoria que o acusou ultimamente, aproveitando-o, fez dele enorme cavalo de batalha, chegando ao ponto de defender da Tribuna o procedimento das autoridades relapsas que não tomaram conhecimento de sua justa queixa.
Mas o caso atual é outro.
Ele é acusado do assassínio e por isso está sendo julgado.
- Como se deu o crime?
Ouvi, por curiosidade, cerca de vinte pessoas das que se achavam na sala do baile fatídico por ocasião em que se deu o delito.
Ali foram encurraladas pelo agressor cerca de trinta pessoas, entre homens, mulheres e crianças.
O assassinado, munido de grosso varapau, pretendia ingressar no recinto, a fim de acabar com o baile, distribuindo pancadaria.
Fecham-se as portas.
Pela janela, o malvado ameaça de entrar.
Cipriano foi o único que tomou a defesa daquela gente, onde também sua família se achava.
Afastado por ele da janela que também foi trancada, o agressor, proferindo palavreado ofensivo à moral de todos, volta para a porta da cozinha que procura arrombar à força de pauladas.
Foi então que Cipriano, encontrando na sala uma faca comprida, que não era sua, abre a porta e grita para o agressor que se retire.
Este não faz caso e avança resolutamente.
Cipriano maneja, no entanto, o facão a esmo (a noite era escura), com o fim de afugentar o turbulento, avisando-o de que seria ferido se persistisse na ideia de invasão da sala.    
Em dado momento, Cipriano percebe que a ponta da faca encontra resistência.
Fica surpreendido.
O agressor retira-se e não mais volta a forçar a porta da cozinha.
Todos pensaram que ele, levemente ferido, retirara-se para a sua casa e continuam a dançar sem mais serem perturbados.
De manhã foi encontrado o agressor morto, nas imediações da casa.
Ninguém viu como foi ele assassinado. Mas Cipriano achou que devia confessar o crime involuntário que havia praticado, pois a resistência da faca fazia lhe crer que outro não fora o causador daquele homicídio.
E confessou.
E as perseguições da autoridade e dos adversários continuaram mais ferozes, agravando-lhe a culpabilidade.
Cipriano responde por um crime que cometeu, se bem que involuntariamente, em legítima defesa própria e de todos os que se achavam encurralados pela vítima na sala de baile.
Se ali penetrasse a vítima, o estrago seria enormemente maior.
O Júri, entretanto, dirá a sua última palavra.
Esperemos que se faça inteira justiça ao acusado, vítima da sorte e vítima do acaso, quando na prática de uma obra de defesa de sua família e outras pessoas amigas."

OBS:
Não encontrei mais notícias impressas sobre Cipriano Soares, mas fiquei sabendo pelos seus familiares que ainda residem no Bairro do Taquaral que um sobrinho dele fez de tudo para tirá-lo dessas encrencas.
Um dia ainda vou conhecer esse parente dele para contar como foi que aconteceu e o final da história de Cipriano Soares contada por meu avô.

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