quarta-feira, 26 de novembro de 2014

"A FLOR MURCHA DO ALTAR"


Está murcha : — assim nos foge
A briza que corre agora.
Está murcha : — assim o fumo
Cresce, cresce,— e se evapora.
Está murcha : — assim o dia
Em raios affoga a aurora.
Está murcha: — assim a morte
Do mundo as glorias desfaz:
Assim um'hora de gosto
Mil horas de dores traz :
Assim o dia desmancha
Os sonhos que a noute faz.
Está murcha.... Ainda agora
— Eu a vi — não era assim.
Era linda, era viçosa,
Accesa como o rubim.
Reinava, como a rainha,
Sôbre as flores do jardim.

Foi a donzella mimosa,
Foi passear entre as flores.
Foi conversar co'as roseiras,
Foi-lhes contar seus amores,
Julgando que sôbre as rosas
Não se reclinam traidores.
Ella foi co'os pés formosos
Deixando mimoso rastro,
Qual no ceu passou de noute,
Correndo, fulgindo, um astro.
E esta rosa foi cortada
Com seus dedos de alabastro.
A rosa ficou mais bella
N'aquella virginea mão.
Encheu de perfume os ares,
Talvez com mais expansão.
Mas a virgem teve á pena
De pôl-a em seu coração.
Entrou no templo a donzella
Cuberta co'o veu de renda.
— Teme que aos olhos dos homens
Sua modéstia se offenda:
Como a cortina das aras,
Que aos impios se não desvenda.
Leva a modéstia na fronte,
Leva no peito a oração,
Leva seu livro dourado,
Leva pura devoção:
Leva a rosa,— a linda rosa
Nos dedos da breve mão.
Rezou : — e depois ergueu-se,
Dirigiu-se ao sanctuario,
Modesta,— qual sua prece,
Qual a luz do alampadario:
E depoz a linda rosa
Ao pé do sancto calvário.

Os anjos depois vieram,
Respiraram sôbre a flor.
A flor cobrou mais belleza,
Mais gala e mais explendor.
Alli ao pé do calvario
Deu mais expansivo odor.
Alli parecia aos olhos Crescer,
crescer... Mas agora?
Agora murcha — tam murcha —
Não tem a gala de outr'ora.
— Assim o fumo do tecto
Cresce, cresce,— e se evapora.
Assim as horas do tempo
Correndo, correndo vam.
Assim passou inda ha pouco
O matutino clarão.
Assim hontem foste infante,
Assim hoje és ancião
Murcha, murcha! — não expande
Jamais seu odor intenso.
Ha de seccar — feliz d'ella —
Juncto á Cruz do Deus immenso.
Ha de aspirar sobre as aras
O cheiro do grato incenso.
Feliz! — seu leito de morte,
Sobre as aras, ella tem.
A prece que vai ao ceu,
Sôbr'ella primeiro vem.
A myrra que a Deus incensa,
Incensa a ella também.

O autor, Luis José Junqueira Freire, foi um sacerdote, monge beneditino e poeta nascido em Salvador no ano de 1832 e ali mesmo falecido em junho de 1855.
É o patrono da cadeira de número 25 da Academia Brasileira de Letras; seu nome foi escolhido pelo fundador Franklin Dória.
Poesia de 1853.
O que era o português!

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