segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Richard Sennett: “O gratuito significa sempre uma forma de dominação”


ERIK TANNER

O que aconteceu para que o que nós entendíamos como direitos hoje sejam vistos como privilégios? 
O capitalismo moderno funciona colonizando a imaginação do que nós consideramos possível. Marx já havia percebido que o capitalismo tinha mais a ver com a apropriação do entendimento do que com a apropriação do trabalho. O Facebook é a penúltima apropriação da imaginação: o que víamos como útil agora se revela como uma forma de entrar na consciência das pessoas antes de que possamos agir. As instituições que se apresentavam como libertadoras se transformam em controladoras. Em nome da liberdade, o Google e o Facebook nos levaram pelo caminho em direção ao controle absoluto.

Como detectar o perigo nas novas tecnologias sem se transformar em um paranoico que suspeita de tudo? 
Devemos nos perguntar sobre o que se apresenta como real. Isso é o que fazem os escritores e os artistas. Eu não suspeito. Suspeitar significa que existe algo oculto e eu não acho que o Facebook tenha algo oculto. Simplesmente não queremos ver. Não queremos enfrentar que o gratuito significa sempre uma forma de dominação.

De que maneiras podem agir hoje os políticos para defender os direitos das pessoas contra as pressões dos poderes econômicos? 
A história explica. Há 100 anos Theodore Roosevelt decidiu que o Estado deveria romper os monopólios. Era conservador. Mas era o presidente de todos os americanos. O capitalismo tem a tendência a passar com grande facilidade do mercado ao monopólio. E aí, com a repressão da concorrência, começam os grandes problemas, a grande desproteção. Com monopólios, o capitalismo passa de ser o sistema da concorrência a ser o da dominação. Aumentar a diferença salarial entre os ricos e os pobres de tal maneira como ocorre agora é o caminho a todos os populismos. Isso foi Trump. No Reino Unido tivemos o equivalente a Obama em Tony Blair. Pior do que Obama. Obama é um homem de total integridade pessoal. E Blair é somente um político.

Em A Corrosão do Caráter o senhor descreve a falácia de que a flexibilidade trabalhista melhora a vida. Que tipo de caráter produzirão o Uber e o Deliveroo? 
Vidas sem coluna vertebral. Um caráter cujas experiências não constroem um todo coerente. Algo muito circunscrito a nosso tempo e preocupante porque os humanos precisam de uma história própria, uma coluna vertebral.

Como vê o futuro de seus estudantes? 
Tento tirar de suas cabeças que a vida intelectual depende das universidades. Em qualquer profissão a pessoa pode e deve ter uma vida intelectual ativa. É fundamental que qualquer pessoa tenha consciência de sua capacidade intelectual e de sua necessidade de contribuir a esse desenvolvimento. Até mesmo se não tiver uma carreira universitária.

O que acontecerá depois de Trump? 
É evidentemente um criminoso. A questão é se será considerado responsável ou não por seus crimes. O mundo está cheio de criminosos soltos. E pode ser que ele se junte a esse grupo. A única coisa que me consola é que Trump é um juiz tão ruim dos demais que isso o faz cometer grandes erros. Quando se é tão egocêntrico, é difícil ver o resto. Mas... por enquanto é o homem mais poderoso do mundo. Até mesmo seus eleitores sabem que é um delinquente.

E por que o apoiam? 
É um enigma. Mas não é um fenômeno unicamente americano. Já o presenciamos com Berlusconi. As pessoas sabiam como era e, ainda assim, o queriam para demonstrar sua irritação, para incomodar. Trump é a expressão da política da ofensa. Nesse país já deixamos para trás a ideia de caçá-lo. Já foi caçado. O que ainda não sabemos é se pagará ou não por isso. Berlusconi foi capaz de destroçar o sistema judicial italiano. E pode ser que Trump consiga fazê-lo aqui.

Hoje a criatividade é fundamental em todos os trabalhos? Sim. Em sociologia, criativo é procurar uma voz própria. Mas só a temos falando para alguém. Não se tem voz própria para falar sozinho.

Alguns trechos da entrevista em EL PAÍS

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