sexta-feira, 16 de novembro de 2012

"EU CONHECI LAMPIÃO"

No ano de 2.006, entrevistei o senhor Avelino José Ferreira, meu vizinho, casado com a senhora Nelsina, ambos já saudosos, especialmente para o jornal "A Hora de São Miguel Arcanjo".
Entre um assunto e outro, fiquei sabendo que ele já havia perdido a conta de quantos anos se radicara em São Miguel Arcanjo.
Casado com uma potiguar guerreira, tiveram os filhos: Severina, Olga, José, Hélio, Tiago, Givan e Gorete.
Sempre tive em conta que a família do casal era das mais distintas da Rua Edwirges Monteiro.
É Avelino quem vai tecendo com gestos largos a própria história, falando do avô que ajudara na construção da cidade de Orobó, zona do agreste pernambucano, onde hoje alguns remanescentes da família "mantém uma capela e um cemitério fundado em 1.855".
Dos sete irmãos, apenas ele chegara aos nossos dias, levando no coração a lembrança de sua gente: "gente de têmpera, gente forte assim como o cedro e o ipê", como afirmava.
Em criança, os caminhos foram percorridos ansiosamente pelos pés de Avelino que cruzaram Bom Jesus, nas encostas da Serra dos Cariris Velhos; que passaram por Umbuzeiro, divisa da Paraíba com Pernambuco; que também pisaram em São Vicente Ferrer ( ao lado da Serra), João Alfredo ( junto do Rio Capiberibe), Limoeiro (uma boa cidade), etc. 
Das bandas de lá, conheceu e lembra bem do Virgulino Ferreira da Silva, "que não era seu parente, não; era o Virgulino, o  famoso Lampião, o Rei do Cangaço, que nasceu no dia 4 de junho de 1.898, na Fazenda do Ingazeiro, em Vila Bela, interior de Pernambuco".
Conheceu ele de pertinho, depois de crescer ouvindo muito falarem do homem. 
E foi assim: numa noite chuvosa, ele apareceu por lá pedindo uma pousada ao seu avô, que prontamente concordou.
"Era um homem alto, cego de um olho, vestia-se muito bem, pois tinha lá suas posses, era proprietário de muitas terras herdadas do pai".
"O olho perdido foi numa fuga para escapar de uns "volantes" que o perseguiam".
E Avelino lembrava a história do temido cangaceiro que começara assim: um fazendeiro chamado Zé Saturnino, também muito bem de vida,  brigara, certa vez, com o pai de Virgulino só por causa de umas cabras. Dessa rixa para o assassinato do pai de Virgulino não demorou nada; foi num relâmpago que aconteceu a tragédia.
O criminoso fugiu e, a partir desse dia, Virgulino só viveu mesmo para vingar a morte do pai.
Foram vinte anos nesse intento, nessa perseguição de morte. Virgulino nunca mais teve uma vida normal como todos os outros mortais. 
Arregimentou um grupo e saíram à caça, destruindo, pisoteando, trucidando tudo e todos que encontravam pelo caminho, só livres de sua fúria os pobres e os miseráveis que moravam pelos sertões e lugares mais ermos.
Sem piedade alguma.
Quando o grupo chegava nalguma fazenda, o dono das terras tinha que cuidar dele; compunha-se de mais ou menos uns quarenta capangas. 
Quando entravam nalguma cidade, o delegado e o prefeito eram obrigados a entregar a chave da mesma para os homens mais temidos da época.
Eles nunca admitiram porta nenhuma fechada para eles.
Também, quem se atreveria?
O grupo vivia armado até os dentes!
Quando se falava nele, o sertão paralisava, os passarinhos nem saíam de seus ninhos e as onças ficavam mudas.
E assim o grupo percorria Pernambuco, Alagoas, Ceará, Bahia, Paraíba, Sergipe, Rio Grande do Norte...
Quantas mortes!
Entrincheirados em tocas de pedras, os cangaceiros de Lampião  surpreendiam e matavam seus desafetos.
Parecia que o futuro não existiria mais.
Foi quando então aconteceu.
Avelino devia ter seus quinze ou dezesseis anos de idade. 
Na madrugada de 28 de julho de 1.938, começaram a espocar rojões aqui, ali, lá, acolá, e de mais longe respondiam.
Eram milhares de rojões.
Vinha pela estrada o tropeiro Ananias Aragão. Inquirido a dizer que festa aquela que os rojões representavam, de cabeça baixa, ele respondeu:
- Mataram Lampião!
E o final da história se fez.
Virgulino fora traído por Joça Bernardes, um "coiteiro", que denunciou o seu esconderijo.
Sob o comando do Tenente José Bezerra, um "volante" da polícia acabou com a vida de Virgulino e parte do seu bando, lá no Sergipe, na Fazenda de Angicos.
Os cadáveres foram decapitados e as cabeças colocadas em baldes de sal para serem enterradas só em 1.969.
A vingança nem aconteceu. O Zé Saturnino jamais fora encontrado por Virgulino.
O jornal americano "The New York Times" já comparou Virgulino Ferreira da Silva com o Robin Hood, do lado do bem, e com Jesse James e Billy The Kid do lado do mal, porém em maiores proporções. 
Bandido ou herói?
Na opinião de Avelino José Ferreira, as duas coisas, pois todos eles tem seus dramas.
A neta de Lampião, Vera Ferreira, jornalista residente em São Paulo, já pesquisou sobre o avô e, em parceria com Antonio Amaury Correa de Araujo, publicaram o livro "O Espinho de Quipá - Lampião, a História".

           

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