quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

LEI NÚMERO 12.846/2013 - DÁ PARA CRER?

JORNAL CRUZEIRO DO SUL
EDITORIAL

"CULTURA DE CORRUPÇÃO"
Ainda são muitas as dúvidas sobre a aplicação da Lei Anticorrupção (lei nº 12.846/2013), que começou a vigorar ontem, e outras tantas perguntas só serão respondidas depois que sua aplicação for regulamentada. As incertezas e eventuais lacunas não afastam, no entanto, o mérito inegável do novo instrumento legal, que estende o combate à corrupção -- tradicionalmente focado nos agentes públicos -- para o ambiente corporativo, forçando as empresas a passarem em revista suas práticas e, mais que isso, a repensarem uma cultura de negócios voltada para o resultado a qualquer preço. 
Isso é possível porque a nova lei traz uma mudança de paradigma, ao introduzir a responsabilidade da empresa envolvida em ato de corrupção -- algo que as pessoas jurídicas têm evitado com relativa facilidade, alegando que não autorizaram qualquer irregularidade e deixando que a culpa recaia sobre funcionários. Pela nova lei, empresas que participarem de esquemas fraudulentos, independentemente de comprovação de culpa ou dolo, estarão sujeitas a punições que incluem a reparação total do dano causado, multa de até R$ 60 milhões ou 20% do faturamento bruto e até mesmo o fim das atividades. 

É claro que os efeitos saneadores da lei dependerão da disposição dos órgãos de controle para tirá-la do papel. Evidente, também, que alguns aspectos poderão ser questionados na Justiça, retardando por tempo indeterminado a aplicação de um ou mais dispositivos. Em especial o conceito da responsabilidade objetiva poderá gerar discussões -- mas a ideia de que uma pessoa jurídica, organizada legalmente para exercer uma ou mais atividades econômicas, não deva responder integralmente por aquilo que seus diretores e funcionários fazem não parece ter boas chances de prosperar nos tribunais. 
Grande parte dos escândalos conhecidos resulta de esquemas criminosos de fraudes em negócios e corrupção de agentes públicos, gestados diligentemente no âmbito de empresas privadas. Em muitos casos -- como teria ocorrido em licitações do Saae de Sorocaba e do Metrô de São Paulo, conforme investigações preliminares --, empresas que supostamente deveriam ser concorrentes se associam e formam cartéis para manipular licitações. Os valores das propostas são combinados previamente, de forma que a cada licitação uma integrante do grupo seja beneficiada com contratos, em geral superfaturados.
Fraudes em licitações estão entre as formas mais agressivas e escandalosas de crimes contra o setor público -- e certamente não são uma prática comum no mundo corporativo, havendo já muitas empresas que se preocupam em manter mecanismos internos de controle para evitar que seus diretores e funcionários saiam da linha. Mas, no contexto agressivo de negócios do mundo atual, em que as empresas se habituaram a impor metas e exigir resultados por vezes de maneira impiedosa e intimidadora, essas e outras irregularidades podem surgir como consequência natural das pressões exercidas.
É importante que as empresas sejam levadas -- se não por respeito às leis e à sociedade, ao menos para se prevenir contra processos ruidosos e punições rigorosas -- a repensar suas filosofias de trabalho, desde a forma como perscrutam novos clientes e negócios até os instrumentos utilizados para fazer com que seus executivos tragam bons resultados, passando por um controle maior sobre os procedimentos rotineiros, a definição de organogramas menos suscetíveis a distorções e a revisão do processo decisório, que precisa ser mais transparente.
É claro que sempre haverá os que optam por agir contra a lei e arriscar suas chances em grandes tacadas milionárias. Mas os que preferem um sono tranquilo à noite deverão se adequar, evitando que os deslizes de alguns acarretem castigos para todos.

Edição 30/01/2014

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