domingo, 5 de agosto de 2018

A SEGUIR, UMA NOVELA REAL: A PUPILA BRASILEIRA DE ANTHONY QUINN

por René Ruschel — publicado 31/12/2014 
Arquivo pessoal

Maria Rosa Silva em 1998, quando foi descoberta pelo ator Anthony Quinn.

Maria Rosa Silva tem 28 anos. Encontrei-a em Pontal do Paraná, litoral norte do estado.
Casada, mãe de Pedro, 6 anos, e Enrico, recém-nascido, recuperava-se de uma cesariana com enormes complicações que a obrigara a outra cirurgia em menos de oito dias. Não, não se trata de uma história de superação de uma gestante, mas de um conto de fadas com final diferente.
Tudo começa em agosto de 1998. O ator Anthony Quinn, de carreira profícua, ganhador de quatro Oscar, chega ao Brasil para filmar Oriundi, seu penúltimo filme. Parte da película foi rodada em Pontal do Paraná. Maria Rosa tinha então 11 anos. Durante o dia auxiliava a mãe, conhecida como Doca, na peixaria da família. Ao lado do comércio, incrustado numa pequena rua ainda sem asfalto e pouca infraestrutura, ficava o restaurante onde a trupe do cinema almoçava. Doca queria conhecer Quinn. Um dia, avisada pela amiga que servia de tradutora, correu para pedir autógrafo, sem se esquecer de levar uma bandeja de camarão-pistola e a filha a tiracolo. Maria Rosa mal sabia quem era o ator, mas gostava da brasileira Gabriela Duarte, escalada para um papel coadjuvante na trama.
E aí a magia aconteceu. “Quando passei por ele, fui pega pela mão. Ele me olhou estático e disse que eu era a reencarnação de alguém que fora muito próximo dele. Nunca me disse quem.” Segundo alguns críticos de cinema, seria a atriz Suzan Ball, falecida aos 21 anos em agosto de 1955.
O encontro mudaria a vida da menina nos meses seguintes. Quinn propôs levá-la para os Estados Unidos. Além de se responsabilizar por sua educação, prometera transformá-la em atriz. Foi embora sem conseguir o intento, mas não desistiu. Após dois meses de telefonemas diários, conseguiu convencer Doca a levar a filha ao seu encontro. Maria Rosa foi recebida como celebridade na cidade de Bristol, Rhode Island. Na enorme propriedade, cercada de lagos e uma floresta particular, havia um quarto especialmente construído e decorado para ela. “Era muito lindo. Enorme, todo cor-derosa. Um sonho para qualquer criança.”
Quinn tinha tudo pronto. Levou-a para conhecer sua futura escola. “Fiquei assustada e disse não.” Sem problemas, sugeriu o ator, professores particulares dariam aulas em casa. Kathy Benvin, mulher de Quinn, encarregou-se de comprar roupas. A brasileira viu-se cercada de conforto e carinho.
O conto de fadas durou menos de 15 dias. “Decidi não ficar. Sentia saudade da minha casa, dos amigos, da família. Nesse período, não dormia, pois tinha medo que minha mãe acabasse sozinha. Foi maravilhoso, mas meu lugar era aqui.” Quinn tentou demovê-la, sem sucesso. Mas não interrompeu o contato depois do retorno de Maria Rosa ao Brasil. Em 2001, o ator morreu. Desde aqueles 15 dias no fim de 1998, eles nunca mais se viram.
Maria Rosa rejeitaria os holofotes em outras oportunidades. Em 2005, recusou todos os convites para posar nua em revistas masculinas. No ano seguinte, a RTP, canal de tevê português, a queria no elenco da série Morango com Açúcar, versão lusitana do programa juvenil Malhação. Ouviu um não. Poderia ter se aproveitado da fama e levar uma vida de subcelebridade, como fazem tantos participantes de reality shows. Nada feito.
A menina reencarnada, segundo Quinn, preferiu uma vida comum. Cursou Administração e agora frequenta a faculdade de Direito. Seu sonho era ser juíza, mas a decepção com o sistema jurídico brasileiro a fez repensar. “Vou concluir a faculdade, mas pretendo continuar trabalhando na peixaria.” Mora em um pequeno apartamento na parte superior de um posto de gasolina. Não se arrepende de nada, porém. Suas histórias são experiências que lhe renderam boas lembranças. E isso, diz, basta.
Seu pai saiu de casa quando ela tinha 8 anos. A mãe, desde então, assumiu toda a responsabilidade. Doca educou os filhos com a venda de peixes. Apesar da vida difícil, nunca tentou influenciar as decisões de Maria Rosa. “Se ela quisesse ficar nos Estados Unidos, eu apoiaria. Mas quis voltar e não procurei mudar seu destino. O importante é ser feliz.”
A dificuldade é conviver com quem insiste em criticá-la. Muitos moradores da cidade não entendem como Maria Rosa abriu mão de outro destino. 
Ela explica: “Minha vida sempre foi voltada à família, aos amigos e às coisas simples. Para ser feliz é preciso pouco. Muito pouco. Aqui sou feliz”.

Fonte: Carta Capital

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