quinta-feira, 19 de julho de 2012

E CADÊ OS ÍNDIOS DE TAPIRAÍ?



A Prefeitura de Tapiraí, na região de Sorocaba, deverá pedir esclarecimentos à Funai sobre a transferência da comunidade indígena da etnia guarani que hoje ocupa terreno nas imediações do Rodoanel, zona sul de São Paulo. A administração da cidade quer avaliar as consequências e, se possível, evitar o impacto que o deslocamento do grupo traria. Na terça-feira, conforme noticiado ontem pelo Cruzeiro do Sul, o órgão anunciou que comprou áreas no município para as quais pretende transferir os cerca de 1,5 mil indivíduos que foram desalojados a partir da construção do anel viário. 
O anúncio foi recebido com surpresa pelas autoridade, já que a Funai não consultou o governo municipal sobre o remanejamento da comunidade. O prefeito Alvino Guilherme Marzeuski (PSDB) cumpriu agenda fora da cidade, mas a assessoria de comunicação confirmou que nenhum contato prévio foi mantido para discutir o assunto. O município está apreensivo e teme um impacto social, até porque não dispõe de estrutura para atender a demanda.
Tapiraí tem uma população estimada de 7 mil habitantes; a chegada dos índios guaranis implicaria num aumento de mais de 20% desse contingente. Também há informações de que a Funai adquiriu imóvel no bairro Comercial, que fica a 15 quilômetros do centro, próximo à "cabeça da anta", na estrada que faz a interligação com Juquiá, no Vale Ribeira. A região é bastante carente, e não oferece muitos recursos.
A chegada dos indígenas também preocupa pelo fato de Tapiraí não mais apresentar as mesmas características que favoreceriam a permanência de índios no território, como facilidade de caça e pesca. As espécies animais ainda existentes na reserva de proteção ambiental estão ameaçadas de extinção. Não se sabe, mais, se os índios produzem artesanato para manter a subsistência, e como farão para comercializar as peças. 
O professor de Geografia Humana da Universidade de Sorocaba (Uniso), Paulo Celso, prevê o risco de os serviços públicos em Tapiraí entrarem em colapso, caso a transferência dos índios guaranis se confirme sem um mínimo planejamento. Mais até do que isso, adverte o especialista, é preciso considerar o choque cultural que está prestes a acontecer. "Esses indivíduos desenvolvem uma dinâmica própria, têm seus códigos e valores. Um deslocamento como o que está para se confirmar pode trazer sérias consequências".
Ainda que os guaranis tenham aprovado a escolha da área pela Funai, Paulo Celso entende que muitos problemas poderão ser registrados. A começar pelo crescimento populacional. "Imagine que, entre desses mil e quinhentos índios, trezentos sejam crianças em idade escolar. Como encontrar vagas para acomodá-las. Sorocaba, que tem um porte muito maior, não conseguiria acomodar 300 novos estudantes em sua rede de ensino."
A comunidade ficará quinze quilômetros distante do centro do município. "Como eles farão para se locomover até a cidade? O sistema de transporte estaria dimensionado para dar conta desse fluxo? E em relação à saúde pública? Como fazer numa emergência? É preciso que a questão seja debatida com profundidade e que se adote uma estratégica minimamente eficaz para evitar danos ainda maiores."
O professor destacou, também, a importância dos usos e costumes dos indígenas. "Eles têm sua própria cultura e realizam rituais, cumprem tradições. Imagine se, por exemplo, decidem queimar a mata para reverenciar uma divindade na qual acreditam. Está feito o estrago". Paulo Celso mencionou as implicações jurídicas. Por lei, os índios têm tratamento diferenciado, são considerados inimputáveis civilmente. 
Sob o ponto de vista penal, eles só respondem pela prática de crime se, de acordo com sua cultura, costume e tradição, aquilo que fizerem for considerado ilegal. "Tivemos o exemplo de um índio que cometeu estupro e não foi detido. A lei considera que punir um índio que comete um ato, em situação em que ele desconhece ser crime, equivaleria penalizá-lo por ter uma cultura diferente. A situação é bem mais complicada do que parece."

Cruzeiro do Sul- 26.04.2.012

Nenhum comentário: