terça-feira, 20 de novembro de 2012

"DONA MULATA, DE TATUÍ"


"Eu tinha um filho por ano e ficava muito contente porque sabia que ia me "arregalá". Então eu andava bem vestida, bem calçada, bem alimentada e não me faltava nada. O patrão providenciava tudo".
É dona Mulata sendo entrevistada certa vez pelo jornalista Sérgio Coelho, cuja matéria foi publicada pelo "Estadão", edição de 13 de maio de 1.980, na página 20.
Nessa época, morava num casebre à Rua Marechal Deodoro, em Tatuí. 
Dona Mulata, como era chamada, nasceu Maria da Conceição Andrade, mas não tinha certidão de nascimento.
Seu primeiro documento foi feito aos 17 anos, quando casou-se com Leôncio Pinheiro no dia 03 de junho de 1.905. Antes, o pai a quis casada com um servente de pedreiro que morava em Itapetininga, mas ela descobriu que ele tinha outra mulher e então despediu-se dele deixando-lhe um recado assim:

"Negrinho cor da noite,
Cabelo pixaim,
Se tiver vergonha, 
Não olhe mais pra mim".

Quando ficou famosa, contava com 93 anos de idade e vivia cercada de netos, bisnetos e até tataranetos, porque o marido e os filhos já estavam mortos há tempos.
Entre uma coisa e outra, dizia ela: "Eu nunca queria ser negra. Queria ser filha do patrão. Minha mãe era retinta, mas de feição fina e bonita, não era beiçuda. Ela e minha avó Maria Rosa foram compradas na África pelos Andrades e morreram com mais de 120 anos".
A mãe chamava-se Josefina Maria da Conceição Andrade. Quando os escravos foram libertados, " minha mãe arrumou a trouxa e abandonou a fazenda dos Andrades, em Guareí, onde a gente morava, fugindo com outro negro lá pelas bandas de Porangaba. Anos depois, ela voltou para a fazenda, reclamando os três filhos que tinha deixado atrás. Eu neguei de ir com ela, até desconfiava de que fosse minha mãe, era pretinha e eu mulata...". 
Mas teve que ir embora para Porangaba com a mãe; depois foram para Tatuí, quando começou a trabalhar na fábrica de tecidos São Martinho.
Foi ama de leite do filho do promotor de Tatuí, da filha do Dr. Guedes, dono da fábrica São Martinho, do neto do Dr. Guedes e do Fernando Guedes que se tornou um advogado importante.
"Todas essas famílias antigas me reconhecem e me cumprimentam na rua", termina dona Mulata, com tanta ingenuidade.


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