terça-feira, 11 de novembro de 2014

EDITORIAL DO "CRUZEIRO DO SUL": IMPERDÍVEL!

A CHACINA DO MÉXICO

Como testemunho da repulsiva simbiose entre os criminosos e o poder político, a ordem para sumir com os jovens teria partido de um prefeito.
Além do horror do episódio em si, o que mais incomoda no assassinato de 43 estudantes de magistério no interior do México é a percepção de que todos os ingredientes da tragédia estão presentes, em maior ou menor proporção, também no Brasil. 
Grandes cartéis (que aqui são chamados de facções), guerras por territórios, corrupção policial e política, uso em larga escala de suborno e de violência para remover as resistências, submissão da população civil em grandes regiões dominadas pelos criminosos são alguns dos elementos que se uniram para dar lugar a um dos capítulos mais chocantes da história de violência associada ao narcotráfico naquele país. 
Porta de entrada para o maior mercado consumidor de drogas do mundo -- os Estados Unidos --, o México sofre há anos com a ação dos cartéis que dividiram e procuram controlar seu território, com métodos que incluem de assassinatos de jornalistas e defensores dos direitos humanos a suborno das forças policiais e lideranças políticas. 
Acredita-se que os cartéis mexicanos dominam, hoje, 100% do tráfico de drogas nos Estados Unidos. Eles existem há décadas (o mais antigo, chamado Cartel do Golfo, teria sido organizado nos anos 1930), mas foi a partir da derrocada dos cartéis colombianos de Cali e Medellín que se fortaleceram e assumiram o controle total das operações. 
Em 2006, o ex-presidente mexicano Felipe Calderón declarou guerra aos cartéis e mobilizou as forças armadas para combatê-los. 
A contabilidade oficial apresenta resultados superlativos: em apenas quatro anos, mais de 120 mil pessoas foram presas -- entre elas, muitos dos líderes das mais de duas dezenas de cartéis ativos no país. 
Organizações de defesa dos direitos humanos denunciam, no entanto, grande número de pessoas comuns entre os mais de 70 mil mortos do confronto, além de supostos abusos cometidos pelos militares. E afirmam que a redução do índice de criminalidade -- comumente mensurado pelo número de assassinatos -- deriva não da redução das atividades dos cartéis, mas de sua expansão geográfica. 
Nesse processo de internacionalização, Honduras, Guatemala e El Salvador (que também são rotas importantes para o ingresso das drogas nos Estados Unidos) foram engolfados pelo narcotráfico mexicano e pela violência. 
Não por acaso, Ciudad Juarez, na fronteira do México com El Paso, nos Estados Unidos, perdeu o título de cidade mais violenta do mundo para San Pedro Sula, em Honduras, com 187 assassinatos por 100 mil habitantes. 
Honduras é hoje o país mais violento da América Latina, que, por sua vez, ultrapassou a África como região mais violenta do mundo. Em média, Honduras teve 90,4 homicídios por 100 mil em 2012 -- um índice espantoso, considerando-se que a média global é de 6,2 assassinatos por 100 mil e que taxas acima de 20 por 100 mil, como a brasileira (25/100 mil em 2013) já são consideradas altas. 
A chacina dos estudantes no México chocou o mundo pela extrema crueldade. 
Caçados como animais pela polícia, os jovens foram espancados e empilhados em caminhões (suspeita-se que muitos morreram asfixiados, no caminho), antes de serem entregues a um dos cartéis locais para que fossem abatidos. 
Como testemunho da repulsiva simbiose entre os criminosos e o poder político, a ordem para sumir com os jovens teria partido de um prefeito, temeroso de que os protestos organizados pelos "normalistas" atrapalhassem uma festa política preparada por sua mulher e pré-candidata a prefeita.
Os brasileiros podem se confortar imaginando que uma barbárie desse nível seria impossível por aqui, mas é inquietante observar que os elementos -- todos -- estão presentes no Brasil, e tendem a se agravar na mesma proporção em que as instituições se mostrarem permeáveis ao poder das facções criminosas. 
Não há como combater o crime organizado sem combater, até com mais rigor, a corrupção que corrói e subverte as instituições pelo lado de dentro, colocando parte de seus integrantes a serviço daquilo que deveriam reprimir.

11.11.2014.

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