domingo, 28 de dezembro de 2014

A LIÇÃO DAS ÁRVORES

Se estão contentes, se o prazer estua no coração e a alegria canta n’alma, vão os homens arrancar os ramos e as flores que são as mães delicadas da floresta, para a
umentar o gozo; e se estão tristes, se a dor soluça em cada qual, vão igualmente buscar, entre as plantas, guirlandas que sublimem as mágoas irremediáveis.
Assim, continuamente parasitando as árvores, mal se recordam um belo dia, que não lhes dão o carinho de uma grata e filial assistência, a que todas as plantas tem direito.
Parecem-se os homens com as crianças irascíveis que destratam a ama de leite e nunca lhe fazem a esmola de um beijo de ternura e reconhecimento.
E elas, as árvores humildes ou majestosas, indiferentes à maldade humana, continuam a derramar, na sombra, o perdão dos seus algozes; continuam a condensar nos frutos o que dá vida e conforto aos seus tiranos; continuam a salpicar de matizes o céu que cobre o berço dos nossos filhos…
As árvores seguem o seu destino, fazendo viver, alegrando e perdoando!
Que poema de amor jamais encontrou o homem primitivo ou o que se requintou na civilização, maior e mais desinteressado do que esse que as folhas entoam quando sopra a viração, como se fossem aqueles mesmos instrumentos de corda que os antigos entregavam aos caprichos do vento para que neles o hálito do mundo compusesse as infinitas canções?
Árvores que sois o alimento, a proteção, a riqueza, a alegria ou a tristeza e até mesmo o castigo!
Árvores que transformais o ar para que nós outros possamos respirar; que preparais para nós o azul dos céus, que agitais o meio em que nos encontramos desde o primeiro instante de nossa vida, justo é, abençoadas amigas e protetoras, que um dia vos cerquemos do nosso carinho sem interesse, da nossa festa de amor!
A vida de cada árvore é uma lição de sabedoria, de modéstia e de fé. 
Na cova escura em que a escondemos, ou na encosta escalavrada do penhasco, estala uma semente. Brota então daquela humildade, daquela pequenez, toda a glória irrefreável do seu vigor magnífico. E cresce, honesta como nasceu, sem mentir à terra que a sustenta, porque não seria capaz de receber sem dar em troca muito mais do que lhe deram. 
Vive depois sem queixas e sem batalhas iníquas. 
As vitórias, nas lutas, são prêmios à paciência, são vitórias do tempo, da força e da persistência. 
As árvores não fogem à lei eterna do conflito universal. Sempre as ações traem no bojo as reações.
Mas se a luta animal é feroz e sangrenta, rápida e impiedosa, os combates das árvores são lutas da elegância e da tenacidade, lutas em que o vencedor é mais o tempo do que qualquer dos contendores. 
As pelejas das plantas são calmas e jeitosas; o senhor da vitória vai mostrando ao antagonista que sua guerra não é como a dos homens — uma explosão de maldades – e sim o cumprimento de uma fatalidade sem pressas que não deprime aos que dela são vítimas, morrendo ou vencendo.
No açodamento da conquista gloriosa foram os nossos avós e os nossos irmãos destruindo por toda parte as florestas, “fazendo ou alargando o deserto” – sem pensar um instante no futuro. 
Já quase ninguém consegue um pau-brasil, árvore que todos os lares, como símbolo gracioso, deviam ter ao lado. 
Sendo certo que as nossas grandes essências precisam de séculos para crescer, que pesada herança, nesse particular, nos chegou às mãos!
Serão mais felizes os vindouros, porque hoje a consciência do que às arvores devemos faz-nos cuidar da sua garantia.
Mas não é só a festa desse egoísmo, o que nos traz ao viveiro magnífico do Horto Florestal. É também o sentimento profundamente bom da simpatia pela nossa Natureza individualizada nas árvores.
Nelas contemplamos, não só as nossas doces amigas de bondade sem parelha; vemos também os suportes graciosos dos ninhos do Brasil.
Quando, nas horas da madrugada, começa a despertar a nossa terra, ou quando no crepúsculo da tarde ela se recolhe para adormecer, é dos ramos folhudos das árvores que rompe o hino abençoado das nossas pequeninas irmãs, as avezinhas que nasceram também neste berço de sonhos e amavios.
E quando os vendavais sacodem as frondes magníficas nós nos lembramos, vendo as árvores lutando, que elas agitam à face do infinito, uma porção do solo da nossa querida pátria que pela seiva ascendeu às folhas verdejantes.
Árvores piedosas, tendes o segredo de erguer às nuvens um pouco da terra natal, que lição profunda e delicada sabeis dar aos nossos filhos!
Roquette Pinto

O texto acima foi publicado no volume Apologia da árvore, compilação feita por Leonam de Azeredo Penna, 1973.

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