sábado, 24 de janeiro de 2015

São Paulo, 461 anos: história sem fim, paixão inexplicável

(*) Ucho Haddad –

Ponto de partida das minhas idas, destino dos meus retornos. Receita do inusitado, alquimia do impossível. São Paulo assim é. Paulistano da gema, filho da terra, aprendi com a maior cidade brasileira a sobreviver em qualquer parte do mundo. Da teoria à prática, cá estou. Universidade da vida, razão dos irracionais. Loucura em profusão, paixão arrebatadora. Quem chega quer ficar, quem muito fica quer dar adeus, o desejo de quem foi é voltar. Vai e vem de muitos, de quem, para quem.
Tudo pode na Pauliceia Desvairada: sonhar, viver, rir e perder. Querer, amar, torcer, chorar… Dar a volta por cima, começar mais uma vez. Chora-se diante do caos, ri-se à sombra da majestade concreta. São tantas esquinas, são tantas meninas… Nem tudo acontece no cruzamento da Ipiranga com a São João, mas alguma coisa acontece no coração de um punhado de gente. São Paulo, terra de ninguém, mãe de cada um.
Amor é fissura, dureza é ternura. Prazer de pão com mortadela, inexplicável como “dois pastel e um chopps”. Reino da discordância, cardápio do transtorno. Trânsito é perdição, shopping é diversão. Assim é São Paulo, assim é a minha terra. Locomotiva do devaneio, raiz quadrada do absurdo. Na outra linha travessão, no dia seguinte revolução. Sampa!
Quando a polícia chega tem cana, na feira tem caldo de cana. Tem nobre, tem pastor, tem pobre, tem inventor. Tem pai de santo, tem manobrista. Tem ziquizira, tem budista. Ora-se na Praça da Sé, pragueja-se no quarteirão seguinte. Pede-se aos céus, vive-se no inferno. Tem frango com farofa na padaria da esquina, tem na encruzilhada do mal também. Tem quem se vira na vida, tem quem fica parado no tempo. Tem pra todo mundo, tem pra ninguém. Tem de um jeito, tem de outro, tem… Às vezes não tem, mas amanhã tem. Tem…
Equação da maluquice, doses de meiguice. São Paulo assim é: docemente bruta, inexplicavelmente nunca. Sempre… São Paulo é ser sempre, é ser do mundo. É ser são, é ser louco. É ser tudo, é ser nada. É ser um, é ser todos. É ser Paulo, é ser José. É ser João, é ser Mané. É ser Maria, é ser Ana. É ser Cristina, é ser Luiza. É Sebastiana. É ser, é não ser. É querer, é conseguir. É! Ou não é? Sampa…
Maquete do mundo, São Paulo reflete cada canto do planeta. Tem italiano da Mooca, japonês da Liberdade. Coreano do Bom Retiro, muçulmano do Brás. Chinês da Paulista, judeu de Higienópolis. Tem gente aqui, tem gente acolá. Tem grito no Ipiranga, protesto na Marginal. Tem ladrão, banqueiro, charlatão e pipoqueiro. Tem, como tem… Freira, puta, hóstia e biscoito de araruta. Nadar de braçada, morrer na praia que não existe. Ressuscitar do nada, padecer de amores. Querer o que não se quer, buscar quem não se encontra.
Tem pão de queijo, abraço e beijo. Tem sarapatel, feijoada e bordel. Tem pão na chapa, pingado e bicho de pé. Tem gente folgada, sangue bom e cara amarrada. Tem, como tem… Tem cartomante, vidente e macumba. Pagode, reza e baile de rumba. No ônibus, gente espremida, no pensamento, gente oprimida. No Bixiga tem pão de linguiça; domingo, ode à preguiça. Na segunda, tudo outra vez, mais uma vez. Em busca do novo, em busca do sempre. Dorme-se em pé, sonha-se acordado. Casto cenário da vaidade, duro retrato da realidade. Sampa!
Tem bife a cavalo, tem quem distribua coices. Tem café carioca, rodízio gaúcho, churrasco grego e cantina italiana. Tem de tudo, tem pra toda gente. Momentos de ternura, virado à paulista, até “pindura”. Tem Ibira, tem quem pira. Tem Mercadão, tem Coringão. Torcida, gol e confusão. Tem gente que dá de ombro, tem gente comendo cuscuz. Tem, como tem… Sanduíche de pernil, tubaína e bolinhos mil. Tem os que tomam média logo cedo, tem quem faz média o tempo todo.
Tem brigadeiro na avenida, major na rampa, piloto no túnel e batata no largo. Tem escola de samba, ponto de encontro e casa de bamba. Tem dialeto, hospício e desafeto. No enredo do desconexo, “orra meu” e “os mano da ZeLê”. Fruta do conde, rua com nome de barão. Tem visconde, comendador e canastrão. Assim é…
Singular na multiplicidade, unicamente plural. Catapulta de ideias, usina de sonhos. Máquina de fazer, palco do acontecer. São Paulo assim é. No raiar do sol o chulear do imaginário. Ruas e avenidas caminham na contramão da lógica. Trilhos e vagões unem oximoros, aproximam desconhecidos, viabilizam desejos. De longe, beleza incrível, de perto, incerteza crível. Endereço do ter, esconderijo do ser. Passarela da pressa, refúgio do dever cumprido.
São Paulo de sempre, terra do nunca. Conta que não fecha, cartilha do avesso, lugar em que menos é mais. E vice-versa. Subtrai para somar, divide para multiplicar. Entender é difícil, esquecer é impossível. Então, o que fazer? Ficar, ir, voltar, fugir? Nada disso, pois aqui vale um só mantra: “é nóis”. Porque paulistano é um jeito de ser, de encarar a vida, de driblar as dificuldades, de aceitar desafios. É um estado de alma marcado pela expectativa do nada e a inquietude do tudo.
São Paulo, obrigado sempre – das lições aos aperreios, das oportunidades às realizações. Afinal, alguma coisa sempre haverá de acontecer no meu coração. Assim é, assim são, assim Sampa!

(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, cronista esportivo, escritor e poeta.
Transcrito do Ucho.Info de 24/01/2015.

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