Justiça do RJ nega retirada de imagem religiosa: "laicidade não autoriza repressão à fé".
“Faria melhor serviço se tentasse retirar das praças população de rua”, disse juiz sobre promotor que ingressou com ACP.
O pedido do MP para que a prefeitura do RJ retire o oratório religioso na Praça Milton Campos, no Leblon, foi julgado improcedente pelo juiz de Direito Sérgio Roberto Emilio Louzada, da 2ª vara de Fazenda Pública da Capital/RJ.
A decisão também desautoriza a prefeitura a remover outros ícones construídos em logradouros após a CF/88.
Trata-se de ACP de autoria da 2ª promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Proteção da Ordem Urbanística do Estado do Rio de Janeiro contra o município, para que este se abstenha de autorizar a construção de oratórios religiosos em praças públicas, bem como retire oratórios religiosos construídos em praças do RJ desde a CF/88, "com o restabelecimento da laicidade do Estado".
O juiz, por sua vez, entendeu que o pedido deveria ser julgado improcedente.
“Entendemos que a laicidade do Estado não autoriza a repressão a qualquer prática de profissão de fé, como requer o Ministério Público. Ao revés, exige do Estado que assegure o livre exercício dos cultos religiosos e garanta, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias, nos exatos termos do inciso VI, do artigo 5º, da Constituição da República, sendo também vedado embaraçar-lhes o funcionamento."
Na sentença, o magistrado destaca símbolos religiosos como o Cristo Redentor e os Orixás no Dique do Tororó, na Bahia, ao exaltar a importância de locais religiosos como pontos de peregrinação e como atrações turísticas relevantes para a economia das cidades.
De acordo com ele, o Estado não pode limitar direitos fundamentais do cidadão, como o de orar, ou de escolher ou não uma crença.
"Ninguém se deixa influenciar por imagens ou oratórios, que nada mais são, de fato, do que monumentos históricos de enorme importância cultural, integrando o patrimônio urbanístico das cidades. Somente irá se interessar pela imagem, oratório, pregação, ou qualquer outro tipo de símbolo religioso quem estiver buscando o conforto espiritual e se identificar com a doutrina teológica que melhor alcançar os anseios mais íntimos de cada indivíduo."
Ele termina dizendo que parece ter havido desvio de finalidade no atuar do MP, “arvorando-se em advogado de alguém que se viu incomodado pela existência de um símbolo religioso em praça pública".
Foi determinado o arquivamento do processo.
"Bronca"
Ao analisar o pedido, o magistrado afirmou que a questão de fundo, "travestida na defesa da ordem urbanística", cingiu-se a um hipotético "assédio religioso" que, na suposição do subscritor, poderia estar sendo imposto pela presença da imagem, "tendente a influenciar 'pedestres e transeuntes que pertencem aos credos religiosos minoritários', a fim de que adiram à outra crença".
Sobre este ponto, afirmou o magistrado, "não parece crível que tais assertivas tenham sido idealizadas e escritas por um Promotor de Justiça, de currículo notório e ampla cultura jurídica".
E continua: "Mais parece que algum crente fanático e extremista - daqueles que se apresentam publicamente depredando imagens religiosas, pregando intolerância e violência em nome de sua fé - teria sido o autor do raciocínio discriminatório e tendencioso que não se conseguiu disfarçar em meio às teses jurídicas tomadas por empréstimo sem que guardem relação direta e estrita com os fatos trazidos ao Judiciário."
"Melhor serviço público estaria prestando S.Exª., data vênia, se dedicasse tanto empenho a retirar das praças públicas a crescente população de rua que vive em condições precárias sem que os poderes públicos pareçam com isso se importar; ou, mesmo, cuidando S.Exª. de zelar pelo paisagismo urbanístico das comunidades carentes que socadas nas favelas do Estado sem as mínimas condições de dignidade humana, contribuem mesmo involuntariamente para o crescimento desordenado da cidade que se debruça em precipícios desprovidos de serviços públicos essenciais, transformando a urbe no caos que conhecemos e convivemos como meros espectadores de tragédias anunciadas."
Processo: 0023538-41.2019.8.19.0001
Veja a decisão.
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