domingo, 29 de abril de 2012

A CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO MIGUEL ARCANJO E O CIDADÃO EMÉRITO ESQUECIDO




O pensador Montesquieu, considerado o pai da história e patrono da história da filosofia, foi o precursor da antropologia na classificação das formas políticas da sociedade humana: monarquia, aristocracia e comuns. Um tal de Jacques Le Goff apregoou que a história é cíclica, repetitiva e sobretudo mentirosa. E não é? A nova geração de pesquisadores brasileiros está trabalhando para recolocar a História do Brasil no caminho da verdade. 

Se dentro de um conceito universal, a história tem o poder mágico de passar da realidade para a lenda, o que pode acontecer numa cidade do tamanho de São Miguel Arcanjo, onde a sua história foi mal escrita por garranchos disformes numa casca de palmito, ou na parede branca da falta de memória com um pedaço de carvão, até se apagar de vez. 

Estas considerações principiaram como ruminações ao antever as comemorações do 122° aniversário da Câmara Municipal de São Miguel Arcanjo, da qual os poucos compêndios, já sem muita credibilidade por personificar heroicamente certos personagens, registram o seguinte fato: “A Câmara Municipal da Vila de São Miguel Arcanjo criou-se no dia 30 de outubro... A primeira Câmara Municipal da Vila de São Miguel Arcanjo era constituída de sete vereadores, sendo: Manoel Fogaça de Almeida, Alfredo Olegário dos Santos Terra, João Augusto de Souza Nogueira, José Alves Pereira, Ernesto Arantes de Noronha, Jeremias Moreira Branco e José Leme Brizolla. No dia da criação da Câmara, deixou de comparecer o cidadão José Leme Brizolla. Ainda no dia 30 de outubro de 1889, foi feita a eleição do primeiro Presidente da nova Câmara, verificando a seguinte votação: Manoel Fogaça de Almeida (quatro votos, )Alfredo Olegário dos Santos Terra(dois votos). Sendo dessa forma constituída a primeira autoridade e o primeiro Presidente da Câmara do Município” (sic). 

E quem foi o secretário que redigiu essa primeira sessão de posse para a formação da Câmara, antes da conhecida primeira ata guardada a sete chaves, a qual passa a registrar os primeiros trabalhos dos vereadores já constituídos? Quem estava lá, no histórico dia 30 de outubro, há 122 anos? 

Era o primeiro secretário, cidadão Manoel Rufino de Medeiros,  que sem nenhuma explicação dos historiadores da época, foi desrespeitosamente omitido. Hoje é apenas um personagem obscuro que a história esqueceu. Aliás, a história do município é cheia de contradições que precisam ser revistas, a começar pela tradição oral da doação das terras para a construção da capela, atribuída à dona Maximina Ubaldina Nogueira Terra.

São Miguel Arcanjo passou a existir historicamente no papel a partir dos anos 50. Primeiro através do engenheiro Ricardo Gambleton Daunt que palmilhou as sesmarias do tenente Urias e arrecadou documentos confiáveis. Após ele, baseado provavelmente em comentários populares, o agente do IBGE, Daniel Carneiro registrou em documentos desse instituto o resumo de uma tradição oral na qual aparece dona Maximina como doadora das terras de São Miguel Arcanjo. 

O historiador Manoel Valente Barbas em sua obra “Da Fazenda Velha à São Miguel Arcanjo” no capítulo XIX, página 121 escreve sobre a doação das terras ao patrimônio da Paróquia de São Miguel Arcanjo ao cônego Júlio Marcondes, secretário do bispado de São Paulo o seguinte: “Em abril de 1884 vai por mim assinada, Tereza Augusta Nogueira, desta freguesia da Fazenda Velha, perante a testemunha de Manoel Rufino de Medeiros(...) declaro e faço doação de uma parte de 750 braças de alto com quatrocentos e cinquenta de fundos(...) sem qualquer embaraço para que se empregue à capela com a condição de nunca ser vendida”. 

Conforme Judas Isgorogota, biógrafo do poeta Vital Fogaça de Almeida, filho do primeiro Presidente da Câmara, em 17 de junho de 1957 foi comemorado o centenário de Manoel Fogaça de Almeida. Houve sessão magna com a presença do deputado Ciro Albuquerque. Falou-se de história nessa sessão solene, principalmente sobre a formação da primeira Casa de Leis. Mais uma vez o primeiro secretário, Manoel Rufino de Medeiros não foi mencionado. 

As autoridades, os estudiosos e os pesquisadores da história do município não podem passar um rolo compressor em cima dos fatos. É evidente que naquela época, Manoel Rufino de Medeiros era um dos poucos cidadãos letrados com condições para redigir decretos, escrituras, requerimentos e atas, numa vila que mal se desvencilhava de sua condição de bairro rural de Itapetininga, por isso mesmo, composta de pessoas analfabetas em sua maioria, assim como políticos que sabiam, quando muito, desenhar o próprio nome para votar. Após trinta e um anos(1889/1920), quando por motivo de saúde Manoel Rufino de Medeiros deixou de registrar e escrever os atos emanados do legislativo, seu filho Mário Augusto de Medeiros, foto acima, assumiu esse mister. Este também a história esqueceu.

Ainda há tempo para que nossos ilustres cidadãos, e outros que agora fazem a história do município, cumprirem aquela máxima que diz “dar a César o que é de Cesar”. Os pares da Câmara poderiam reconhecer esse lapso lamentável do passado e como escusas, denominar uma rua ou algo do gênero com o nome de Manoel Rufino de Medeiros e outra com o de Mário Augusto de Medeiros. 

Longe de qualquer preconceito ou acepção de pessoas, se o Tapichi por ser uma figura popular dos bares e botequins, por sua longevidade etílica mereceu reconhecimento “pós mortem”, Manoel Rufino de Medeiros pelo seu trabalho, merecia mesmo ter seu retrato perenizado no quadro de honra das figuras ilustres da Câmara. Ali mesmo, onde sorrateiramente, o major Fonseca, há muitos anos homenageado com o nome numa das principais escolas de Itapetininga, ocupa um espaço que não é dele. A falta de seriedade nas pesquisas históricas fez dele um intruso, enquanto os legítimos filhos da terra são esquecidos.



(Paulo Manoel in Chãomiguelense)


Nenhum comentário: