sábado, 7 de setembro de 2013

CARLOS JOSÉ ENTREVISTA A GRANDE MÉDICA MÔNICA GUARNIERI MACHADO


Pediatra de Itapetininga fala de seu trabalho na ONG “Médicos sem Fronteiras” na África. 
Folha de Itapetininga - 28-08- 2013.
A dra. Mônica Guarnieri Machado, jovem médica pediatra itapetiningana, embora nascida em Botucatu, com família aqui residente, filha da profa. Maria Nívea Guarnieri Machado e do saudoso engº Sérgio Angra Machado, está mais uma vez na África.
A dra. Mônica, profissional competente, idealista e humanitária, integrou, há 3 anos, um trabalho importante da ONG Fidesco, que ela realizou na região africana de Guiné. 
Na oportunidade, quando voltou à nossa cidade, a dr. Mônica concedeu-nos uma entrevista, inclusive com fotos, sobre a tarefa humanitária junto às famílias pobres, especialmente crianças daquela região africana. 
Na última semana, em sua residência em Itapetininga, colhemos nova entrevista com a dra. Mônica que, agora, em período de férias, está com atividades profissionais em outra região da África, em Maputo, antiga Lourenço Marques, capital de Moçambique. 
O trabalho médico-pediátrico é voltado em especial na orientação, combate e medicamentos em torno do HIV.

FOLHA – Mônica, após aquela sua primeira experiência brilhante, que divulgamos, como está sendo agora esta nova tarefa?
MÔNICA – Antes, Carlos José, fiz o trabalho com a ONG Fidesco, na Guiné. Durante meu tempo na Guiné eu conheci melhor a ONG “Médicos sem Fronteiras” e fiz amizades de 2005 a 2007, com a médica-coordenadora que lá estava. E foi ela que disse-me que eu tinha perfil para a ONG “Médicos sem Fronteiras”, que estava necessitando de pediatras que tivessem experiência com AIDS. Daí, voltando ao Brasil, trabalhei mais dois anos e voltei a receber a informação de que aquela ONG precisava muito de uma médica-pediatra e que tivesse experiência com AIDS, já com trabalho na África e que falasse português. 

FOLHA – Mônica, onde nasceu a ONG “Médicos sem Fronteiras”?
MÔNICA – Ela teve início na França e hoje é uma Organização não Governamental das maiores e presente no mundo todo. E ela tem várias sedes autônomas, como Médicos sem Fronteiras” – França, Suíça e Bélgica. E no Brasil existe um Escritório no Rio de Janeiro, ligado ao MSF da Bélgica. E estamos integrados nessa repartição. É uma ONG muito interessante, que faz trabalho humanitário no mundo todo, basicamente ligado à saúde. E conta com médicos, enfermeiros, pessoal que trabalha com finanças, logística, recursos humanos e administração. Tem muita gente agrupada, tal qual um batalhão. E até digo que médicos e profissionais da saúde são em minoria.

FOLHA – Com o belo trabalho que você realizou anteriormente, como é o confronto entre a primeira e a atual jornada humanitária?
MÔNICA – São trabalhos muito diferentes. Na Fidesco ela era muito ligada à Comunidade Emanuel, fundamentação religiosa. A “Médicos sem Fronteiras” é uma ONG leiga, muito mais profissional. E tem valores que muito admiro, que é a questão da gratuidade. Todo tratamento e os medicamentos são gratuitos e a população não paga nada. E há uma busca de qualidade cada vez melhor para a população mais carente. E é uma estrutura de trabalho bastante interessante. E hoje há um trabalho integrado com o Ministério da Saúde local, de forma sustentável, para que, quando sairmos, o fruto do trabalho possa ficar. Por isso me sinto muito feliz e contente.

FOLHA – Como é a sustentação hoje na saúde em Maputo e região, em relação ao investimento do governo ou da ajuda estrangeira.
MÔNICA – Esses países africanos ainda são muito dependentes de investimento estrangeiro. E há muitas ONGs trabalhando lá. E nós trabalhamos em associação com outras ONGs, procurando ajudar o Ministério da Saúde. Mas, os maiores recursos procedem mesmo do exterior. 

FOLHA – No seu trabalho impera o idealismo, o desejo de bem servir às populações carentes, mas há compensações profissionais e financeiras nisso tudo?
MÔNICA – Exatamente. A gente tem um salário, mas é bem inferior ao que seria pago aqui no Brasil. Nós não vamos a esse trabalho por dinheiro. A possibilidade de fazer a diferença na vida de alguém, por nossa competência a serviço de quem precisa, é o que importa, que nos compensa.

FOLHA – Na sua atual tarefa em Maputo, você tem vários colegas brasileiros?
MÔNICA – Vem aumentando pouco a pouco o número de brasileiros, após a instalação do escritório no Brasil, principalmente em Moçambique, onde a língua é a portuguesa. Hoje somos três brasileiros lá em Maputo. E espero que esse número aumente, que o Brasil seja mais missionário. Eu tenho comigo no trabalho pessoas do mundo todo, como da França, Bélgica, Suíça, Nicarágua, Alemanha, Colômbia, enfim, é muito interessante essa união, essa riqueza cultural.

FOLHA – Como você encontrou a população que atende em relação à saúde e qualidade de vida, onde o ponto nevrálgico deve ser mesmo a AIDS?
MÔNICA – Esse Projeto do “Médicos sem Fronteiras” é basicamente o Projeto AIDS. Naquela região do mundo a prevalência do HIV é a mais elevada. Em Maputo chega a 26% da população contaminada com o vírus. E nós temos mais dois projetos no norte de Moçambique, na fronteira com Malawi, onde a prevalência é um pouco inferior, cerca de 13 a 7%, mas onde a pobreza é muito maior. Então o flagelo é outro. E o HIV dá uma reduzida esperança de vida àquela população. O número de crianças que nasce por dia em Moçambique, calcula-se em 85 contaminadas com o vírus. O que é imenso. A mortalidade infantil é elevadíssima. Por isso temos muita coisa para trabalhar e para lutar contra.

FOLHA – Mesmo com o trabalho profissional da ONG, dos investimentos estrangeiros e do governo, a cultura, o analfabetismo, a ignorância, são entraves à conquista da recuperação médica?
MÔNICA – A recuperação é muito lenta, mas vem melhorando bastante. Moçambique já se desenvolve bem e o número de crianças com necessidades de receber os medicamentos anti-retrovirais, que são os popularmente conhecidos como coquetéis, têm aumentado consideravelmente nos últimos anos. Mas, ainda assim, só 25% de crianças com necessidade estão recebendo medicamentos. E se trabalha muito para que 100% das crianças que têm necessidade recebam o medicamento que precisam.

FOLHA – Como é a expectativa de vida do povo daquela região, hoje?
MÔNICA – A expectativa de vida tem caído muito. Já havia chegado a 60 anos, e nos últimos anos, por conta da AIDS, caiu a 47 a 45 anos de vida. E há regiões de 40 anos. Faltam professores nas escolas, porque muitos faleceram por AIDS. Profissionais da saúde também faleceram e muitos por contaminação.

FOLHA – E os problemas com desemprego, precariedade financeira e miséria?
MÔNICA – Falta muito emprego, embora sinta que Moçambique está mais estruturada do que era a Guiné. Hoje já reúne mais paz, após Moçambique passar por guerra durante vários anos. A primeira pela independência. Depois, uma guera civil, interna, pela luta do poder no país. Mas,há cerca de 25 anos o país está em paz, o que é uma grande conquista para aquele povo. E há mais progresso. Lá estão a Vale, a exploração do carvão mineral, criação de hidroelétricas, eis que hoje Moçambique exporta energia para outros países, agricultura melhor organizada. E é bonito ver o país ser reerguendo.

FOLHA – E há quanto tempo você está naquele país?
MÔNICA – Estou há sete meses e meu contrato vai até janeiro de 2011, com possibilidade de renovação, ou participar de outro projeto, em outro lugar. FOLHA – E um confronto, mais uma vez, em relação ao trabalho na Guiné e ,a gora, em Moçambique? MÔNICA – Na Guiné morei em Konakri, sua capital e que vive, agora, uma grande instabilidade política, com o falecimento do presidente, várias insurreições populares, onde a prevalência da AIDS e da pobreza são muito grandes. Lá eu trabalhava como médica, dentro de um Centro de Saúde. Enfim, um trabalho mais específico. Agora, em Moçambique é bem diferente, é outra ONG, onde estou na coordenação pediátrica junto de três projetos. E trabalho muito mais na capacitação do pessoal, treinando as equipes moçambicanas para bem atender as crianças portadores do HIV, como usar e melhor escolher os medicamentos e integrar tudo isso na prática diária.

FOLHA – E como é a avaliação de todo esse trabalho?
MÔNICA – Isso é muito difícil. Os indicadores do próprio país mostram para a gente pouco a pouco. Além disso, nos Centros de Saúde a gente tem um certo monitoramento, com revisões de processo, vendo o índice de desnutrição, quais as doenças mais prevalentes naquela região. E todos os números demonstram avanços otimistas. 

FOLHA – E a saudade do Brasil?
MÔNICA – Claro. Sempre e por isso estou aqui nas minhas férias, revendo a família e os amigos. E eu não esperava que Moçambique tivesse tanta influência brasileira. É a nossa música em cada barzinho, em todos os lugares, tele-novelas, por conta do idioma. E todos os canais de TV do Brasil são vistos gratuitamente no país. E eles têm muito amor e carinho pelo Brasil. Tudo isso é gratificante. Por isso mesmo, ali perto fui assistir em Johannesburg o jogo do Brasil contra a Costa do Marfim, pela Copa do Mundo. Adorei muito, foi emocionante torcer e vencer naquele jogo.

FOLHA – Sua mensagem final.
MÔNICA – O Brasil hoje é, com a estrutura, um modelo para o mundo todo. E hoje ele colabora na construção de uma fábrica de antiretrovirais em Moçambique, o que me deixa muito feliz e estamos passando nosso conhecimento para outros países que mais precisam. É importante que nossa gente tome conhecimento de tudo isso, para conhecer outras culturas, de dar um ou dois anos de sua vida para ajudar a fazer a diferença na vida de outros, que vivam essa experiência, porque é muito bom. A alegria que a gente sente é imensa, a realização humana é inimaginável. Vale a pena. A África precisa disso, mais do que dinheiro. Ela precisa de pessoas que lá passem seus conhecimentos, de sua formação profissional para que aqueles países possam evoluir e sair da pobreza. 

(CARLOS JOSÉ)

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