segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

JUAN GELMAN: O POETA E SEU SOFRER

O poeta, jornalista e militante argentino Juan Gelman, vencedor do Prêmio Juan Rulfo de 2000 e do Cervantes de 2007, entre outros, morreu no dia 14 de janeiro de 2014, aos 83 anos.
Ativo militante da poesia revolucionária, integrou grupos clandestinos que se opunham à Tríplice A, grupo paramilitar que operava com a proteção do governo da presidente civil Isabelita Perón e à ditadura militar argentina.
Foi integrante das Forças Armadas Revolucionárias (FAR), desde os anos 60, mas acabou rompendo, quando então partiu do país em exílio na França e Itália.
No final dos anos 80, entregou-se de corpo e alma à campanha
 internacional encontrar seu filho, Marcelo Gelman Schubaroff, ex-militante do Exército Revolucionário do Povo (ERP), sua nora Maria Claudia Iruretagoyena, ambos sequestrados pela ditadura em agosto de 1976 e a neta Macarena, 
nascida no cativeiro.
Em 1989 a Equipe Argentina de Antropologia de Medicina Legal identificou os restos mortais de seu filho, que havia sido executado com um tiro na nuca disparado a meio metro de distância. O cadáver foi misturado com cimento e areia, colocado dentro de um tambor metálico e jogado no Rio San Fernando, na província de Buenos Aires. Nesse mesmo ano,
 o poeta foi indultado pelo presidente Carlos Menem com outros 64 ex-integrantes de organizações guerrilheiras. 
Gelman nunca encontrou o corpo de sua nora, que havia sido levada para o Uruguai. 
A busca terminou quando finalmente encontrou a neta no ano 2000, 
no Uruguai; havia sido apropriada por um militar que a criou, ocultando sua verdadeira identidade. 
Macarena recuperou sua identidade e propiciou uma volta à felicidade ao envelhecido poeta em seus últimos anos de vida.
Pelo caso de Macarena Gelman, entre vários outros, foram condenados à prisão perpétua em 2012 os ex-ditadores e generais argentinos Jorge Rafael Videla e Reinaldo Bignone. 
Juan Gelman foi o autor de Violino e Outras Questões, O Jogo no Qual Andamos, Gotán, Cólera Boi, Para o Sul e Isso, entre outros livros.
Filho de imigrantes judeus-ucranianos, Gelman foi introduzido na poesia por seu irmão mais velho, nascido na Europa, que lia os versos do poeta russo Aleksandr Pushkin (1799-1837) enquanto tomava conta do caçula Juan.
Em 2007, quando recebeu o Prêmio Cervantes, Gelman referiu-se aos crimes da ditadura argentina e ao tempo transcorrido desde o fim do regime militar: 
- “As feridas ainda não estão fechadas. Seu único tratamento é a verdade e, depois, a Justiça. Somente assim é possível o esquecimento verdadeiro”. 
Gelman afirmava que havia decidido “não escrever desde o ódio, que nos causa danos”, mas sim, “desde a perda (de um filho)”.
Em memória a ele, leia seu poema, com tradução de Eric Nepomuceno:

"Final" 

Um homem morreu e estão juntando seu sangue
em colherinhas,
querido Juan, morreste finalmente.
De nada serviram teus pedaços
molhados em ternura.

Como foi possível
que tu fosses embora por um furinho
e ninguém tenha posto o dedo
para que ficasses?

Deve ter comido toda a raiva do mundo
antes de morrer
e depois ficava triste triste
apoiado em seus ossos.

Já te baixaram, maninho,
a terra está tremendo de ti.
Velemos para ver onde brotam tuas mãos
empurradas por tua raiva imortal.”

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