sábado, 10 de janeiro de 2015

AVENIDA PELÉ: CARTA ABERTA AO POVO DE BAURU

Apóllo Natali 

Boa gente de Bauru, ouçam-me todos!
Permitam-me que me apresente: já perto dos 80, sou jornalista da imprensa escrita há 50 anos, com a particularidade de ter acompanhado a vida de Pelé em coberturas dos seus jogos e nas redações do Estadão e do Jornal da Tarde desde que ele chegou ao Santos, ainda um adolescente. O mundo inteiro chorou, eu chorei, em meio ao clima de velório daquele momento em que esse ser negro fantástico, que já pertence à história do Brasil, parou de jogar. Cliquem meu nome no Google, Apollo Natali, e procurem a crônica que escrevi para a Agência Estado em 1974 quando os campos de futebol ficaram órfãos de Pelé e recentemente republicada no blog Náufrago da Utopia. Recordem nesse meu texto choroso a grandeza desse jogador de futebol que levou o nome do Brasil a todos os cantos do planeta, quando nosso País era conhecido como um país de onças e de bananas e nossa capital era Buenos Aires.
Pois bem. Correm boatos de que Bauru não gosta de Pelé. Vejam só! Bauru, a Terra Prometida, o solo sagrado onde o negrinho começou nos campinhos de várzea a desenvolver a sua majestade no futebol! Ele veio de Três Corações, em Minas Gerais, todos sabem, e chegou a Bauru com 3 anos de idade. De lá para cá, mudou o futebol com seus dribles, gestos e gols pelo mundo afora. Quando Pelé surgiu, a espécie humana se apressou em abrir mapas para localizar o país do menino que chegou a parar uma guerra na África porque amigos e inimigos queriam vê-lo em campo.
O que me angustia, querido povo de Bauru, é o seguinte: dizem os meus amigos que vocês repudiam nomear uma avenida da cidade com o nome de Pelé: avenida Pelé. Que me perdoem os outros merecedores candidatos a nome de uma avenida que está prestes a ser batizada, mas o nome de Pelé é fundamental. Sem poder entrevistar cada morador de Bauru para perguntar por que estão prestes a arremessar Pelé no lixo da história da grande, querida e próspera cidade paulista que ele tornou em museu mundial do futebol, fui beber nos livros que falam da filosofia da história. Pelé é história. Nome de rua é história. Afinal, qual a utilidade da história, se é que ela tem alguma? Será a história um contraponto à fragilidade da memória humana?
Nas minhas procuras, encontrei o historiador Marc Bloc (1866-1944), que trabalhou incansavelmente em defesa de uma história ampla e mais humana. Pensando nos boatos e nos juízos críticos sobre Pelé que varrem Bauru, aprendi com esse historiador que, para descobrir como boatos e juízos ganham crédito, devemos examinar a “consciência coletiva” de um povo. Para Marc Bloc, os juízos críticos são lentes de aumento por meio dos quais vemos obscuramente a consciência coletiva. Por que a consciência coletiva de Bauru, berço de um milagroso futebol, rejeita Pelé? Por que Bauru não quer uma avenida com seu nome?
Fica a obra e esquece-se o autor, diz Machado de Assis. Mas numa histórica inauguração da avenida Pelé, Bauru conseguirá eternizar a obra do gênio do futebol sem esquecer o autor, pois poderá erguer um memorial com a gravação da minha crônica de 1974 sobre a despedida do gênio do futebol - a crônica é hoje acervo do Museu Pelé, em Santos - e poderá deixar gravada em bronze, para a eternidade, estas palavras: “Pelé, Rei do futebol. Como jogador, Pelé conquistou tudo e mais um pouco. Em 21 anos como profissional participou de 1.375 partidas e marcou incríveis 1.285 gols. Uma espetacular média de 0,93 por jogo. Além disso, Pelé conquistou mais de 50 títulos em sua carreira, entre eles três Copas do Mundo, em 1958, 1962 e 1970, duas Copas Libertadores e dois mundiais interclubes com a camisa do Santos, em 1962 e 1963. Em 1980 o craque foi eleito o Atleta do Século, pelo jornal francês L”Equipe”. 
Viva Pelé! Viva o futebol! Viva Bauru! Viva a avenida Pelé!

O autor é jornalista.
Do JCNET, em 07/01/2015.

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