sábado, 3 de janeiro de 2015

O COMUNISMO RUSSO MORREU COM O GAÚCHO LUIZ CARLOS PRESTES

Texto de Luiz Carlos Prestes Filho

O menino William nasceu dia 29 de junho de 1950, quase um ano após o assassinato de William Dias Gomes, ocorrido dia 7 de novembro de 1949 em Nova Lima, interior de Minas Gerais. Militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), vereador, ele liderou greves contra a companhia britânica “St. John Del Rey Mining Co”, exploradora de ouro em minas de grande profundidade naquela cidade. 
As condições de trabalho dos operários eram péssimas e os salários injustos, considerando os riscos de segurança e a ausência de programas de assistência social. 
Aquela morte sacudiu o Brasil, especialmente o movimento de esquerda. 
Ele foi uma espécie de Chico Mendes dos anos 50. Por esta razão, o nome do primeiro filho de uma jovem militante comunista no Recife, em Pernambuco, Altamira Rodrigues Sobral, só poderia ser William.
Pois, o menino William, é o Pedro, meu irmão, e a jovem militante comunista, de 20 anos, minha mãe, Maria.
Esta troca de nomes aconteceu anos mais tarde, por conta das lutas clandestinas do PCB. Lutas nas quais minha mãe esteve envolvida desde o berço. 
Nosso avô, João Rodrigues Sobral, foi importante militante do PCB desde os anos 30. Participou da organização do Levante Armado Antifascista de 1935, que ficou conhecido como Intentona Comunista. Preso e barbaramente torturado ele conseguiu fugir durante sua transferência para o Distrito Federal, onde seria julgado pelo Conselho de Segurança Nacional. Nosso avô era conhecido como Camarada Lima. Sua figura valente serviu de modelo para o escritor Jorge Amado desenvolver personagens do livro “Subterrâneos da Liberdade”. Certa vez me contou pessoalmente o autor do livro “Cavaleiro da Esperança”.
O Pedro, portanto, nasceu neste berço intenso de nossa mãe, Altamira, que dedicou sua juventude aos movimentos sociais. Apoiando greves, organizando passeatas e comícios, divulgando livros e jornais marxistas sempre com orientação do nosso avô.
Forçada a abandonar o Nordeste, após a separação do primeiro marido, mamãe foi para São Paulo com o William e o seu filho mais novo, o Luiz Carlos, que não sou eu, e sim o Paulo Roberto (a confusão de nomes, como dá para notar, tem longo histórico na nossa família) ela foi para São Paulo. 
É nesta cidade que o Comitê Central do PCB lhe dá a certidão de nascimento falsa, de Maria do Carmo Ribeiro, seu nome atual. 
Nesta ocasião – também – que o William passa a ser Pedro Fernandes e o mano Luiz Carlos é batizado de Paulo Roberto.
Na Capital paulista a mamãe recebe a incumbência de ser responsável por aparelhos do PCB - assim eram chamadas as casas destinadas a servir de residências clandestinas para os dirigentes do Partidão. 
Sua experiência de vida na ilegalidade durante anos ao lado do seu pai, inclusive a própria recomendação do mesmo ao Giocondo Dias, membro do Comitê Central do PCB, foi fundamental para que ela chegasse a esta atividade de alto risco.
Dia 4 de dezembro de 1952, no dia de Santa Bárbara, ou Iansã, como costuma lembrar mamãe, ela conheceu o homem que conquistaria definitivamente o seu coração e adotaria os seus primeiros filhos, conheceu – Luiz Carlos Prestes. 
Na época Secretário Geral do PCB, perseguido como um animal, seu local de esconderijo tinha que ter as mais rigorosas normas de segurança. 
Mamãe, no desempenho de suas tarefas, cumpriu estas normas ao pé da letra. Mas, avançou no campo sentimental. Criando, como todos sabem, uma grande família: Pedro Fernandes, Paulo Roberto, Antônio João, Rosa, Ermelinda, Luiz Carlos, Mariana, Zóia e Yuri. Somados com Anita, filha do primeiro casamento de papai com a militante comunista alemã, Olga Benário, somos 10 filhos que já renderam vinte e cinco netos e nove bisnetos. 
Assim, papai e mamãe misturaram amor e revolução.
O Pedro e o Paulo, por conta das regras da vida clandestina, tiveram que ser enviados para morar com a irmã de papai, Clotilde, moradora do bairro do Catete, na cidade do Rio de Janeiro. Os dois tinham que começar a frequentar a escola. 
Era difícil garantir, por eles, que não comentariam com colegas detalhes da vida de seu pai que nunca podia sair de casa à luz do dia.
A rua Arthur Bernardes, que leva o nome do Presidente brasileiro contra o qual lutou, dois anos e três meses, a Coluna Prestes entre 1924 e 1927, é a rua da adolescência do Pedro. 
A ladeira Tavares Bastos, o Largo do Machado, a praia do Flamengo completam esta geografia particular daquele menino que, apesar de todo o carinho de sua tia, vivia um vazio de órfão, tendo os pais vivos, escondidos e incomunicáveis. Este vazio, na minha opinião, não deve ter se arrumado até sua morte.
Vejam que quando o Pedro achegou a casa da tia Clotilde, ele ficou dias sem tirar suas botas. Repetia: “A minha mamãe me calçou dizendo que eu ia fazer um passeio e voltar para ela. Não tirem minhas botas”. Proibia. E assim, dormiu calçado até que a amiga Haydée Catanhede Serra levasse ele para um sítio em Petrópolis. 
Cercado de outros meninos, correndo no mato, finalmente, resolveu tirar as botas.
O Colégio Pedro II no bairro do Humaitá é outro forte referencial, assim como as brigas por seu time de coração, o Flamengo. 
Outro marco destes anos é o início de sua militância política no PCB. Ao lado de colegas como o economista George Vidor e o Alex Xavier, revolucionário assassinado durante a ditadura militar, o Pedro viveu experiências inesquecíveis como o de ser responsável pela organização de grandes reuniões clandestinas. Para o ator Benvindo Sequeira, seu vizinho de prédio, meu irmão ficou na lembrança por conta das peladas memoráveis e – também – por subir a ladeira da Tavares Bastos para aprender a fumar: 
-“Os meus vizinhos de prédio diziam, menino este garoto é sobrinho da irmã do Prestes, da Clotilde, ele deve ser comunista. Ele é perigoso”.
Entre os anos de 1959 e 1964, apesar da semilegalidade do PCB meu irmão continuou residindo no Rio de Janeiro e não nos acompanhou na mudança para São Paulo. Época quando moramos legalmente com papai numa ampla casa no bairro de Vila Mariana. 
Juntou-se aos irmãos somente após o golpe militar. 
Com o papai outra vez na clandestinidade, mamãe assumiu – sozinha - os nove filhos. Ela não podia mais acompanhar o marido.
Em 1970, seguimos para o exílio na União Soviética. Tinha ficado perigoso, com a tortura e mortes de líderes políticos e de seus familiares, continuar no país. 
Em Moscou, após a chegada de papai em 1971, quase toda a família toda se reúne debaixo de um mesmo teto pela primeira e única vez. 
Quase toda, porque a Anita, nossa irmã mais velha, que já tinha formação acadêmica e ocupava um cargo importante na direção do PCB, morou separada.
Pedro, em poucos meses aprendeu a língua russa e, em seguida, foi estudar no curso técnico de aviação na cidade de Yegorovsk. Formado, resolveu morar em Cuba, onde foi trabalhar no aeroporto José Marti. 
Mesmo se desejasse não poderia voltar ao Brasil. Ele, como todos nós seus irmãos, teve a recusa do governo brasileiro na renovação do passaporte. 
Na cidade de Havana é que ele vai criar sua família, após o casamento com Marina, mãe de suas duas filhas: Claudia e Gabriela.
Em Havana realiza-se profissionalmente mas, paralelamente, continua dando sua contribuição ao PCB, servindo de contato direto de papai com o Comandante Fidel Castro e com seu irmão, o hoje Presidente, Raul Castro. 
As cartas de papai para o Pedro e as do Pedro para papai, um dia contarão esta História de cumplicidade, confiança e coragem. 
Naquela época os países latinoamericanos viviam debaixo de regimes militares fascistas: no Uruguai, no Brasil, na Argentina, no Paraguai e em El Salvador, entre outros.
Destemido, meu irmão participou de treinamento guerrilheiro para lutar como soldado da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN). Somente não embarcou para a Nicarágua porque 19 de julho de 1979 o ditador Somoza foi deposto. E Pedro nunca fez uso de suas habilidades com as armas, porque 28 de agosto do mesmo ano no Brasil foi assinada a Lei da Anistia. Esta lei permitiu a sua tão acalentada volta à terra natal. 
Mas a volta trouxe outra dolorosa experiência, a de ser impedido de exercer a sua profissão. A Lei de Segurança Nacional, que ainda estava em vigor, impediu que meu irmão trabalhasse em qualquer aeroporto do país. 
Desta maneira, depois de várias buscas de alternativas de sobrevivência, ele volta para uma segunda temporada em Havana, onde vai trabalhar, desta vez na Rádio de Havana, nas transmissões para o Brasil.
O Pedro volta definitivamente para o nosso país, desatualizado com a tecnologia aérea, no ano de 1989. Com apoio dos seus queridos sogros Mara e Afonso, depois de uma rápida passagem por Belo Horizonte, vem morar em Anchieta.
Hoje entendo que aqui ele encontrou uma geografia parecida com a de sua infância. Com aquela geografia do bairro do Catete no Rio de Janeiro de sua adolescência. Geografia que não existe mais. Aqui ele encontrou a sua cidade que tinha uma rua Arthur Bernardes limpa e um Largo do Machado sem mendigos. Aqui ele encontrou a sua praia do Flamengo com o barulho de ondas e os ventos constantes. Praia que ficou muito distante dos moradores atuais, após a obra do aterro do Flamengo e a construção de centenas de edifícios que bloqueiam o frescor do mar. 
Como sou morador do canto mais remoto da rua Tavares Bastos, bem debaixo de uma antiga pedreira, dentro de uma Área de Proteção Ambiental do Catete, consigo ouvir os apitos dos navios que entram e saem da Baia da Guanabara todos os dias. 
Imagino que estes sons colaboraram para afinar os ouvidos musicais do meu irmão menino. E vejam que Anchieta é uma cidade que sabe o que é o movimento de um porto, o que é a entrada e saída de navios pesados. Quem sabe, sem meu irmão se dar conta, os navios o seduziram a ficar por aqui?
Sabemos que ele se realizou em Anchieta como Secretário de Administração e como gestor do Orçamento Participativo. Sabemos que deixou saudades em muitas famílias. Especialmente a população mais necessitada. E isso nos conforta. 
Obrigado a todos os presentes por terem dado ao Pedro tanta alegria e felicidade! Terem permitido ele desenvolver atividades nobres no campo das políticas públicas.
Um registro. Imaginem que ao primeiro encaminhamento realizado por meu irmão à Comissão da Anistia foi negada qualquer reparação ou pedido de desculpas, pelas violências que viveu por conta dos regimes autoritários brasileiros! 
A Comissão, numa primeira instância não reconheceu que ele nasceu e passou sua primeira infância na clandestinidade; que teve que passar sua adolescência longe de seu pai, da mãe e irmãos; que foi obrigado a acompanhar seus pais numa longa jornada de exílio na União Soviética e Cuba; que foi impedido pela lei de Segurança Nacional de exercer sua profissão e voltar forçado, pela realidade econômica, a um segundo exílio, mesmo após a promulgação da Lei da Anistia.
Hoje esta falta de sensibilidade Histórica foi reparada.
Em breve a Marina, sua querida mulher, receberá toda documentação oficial do Governo Federal, onde o Estado Brasileiro reconhece oficialmente que o meu irmão Pedro foi um brasileiro que durante os seus melhores anos foi impedido de viver em sua Pátria, de viver em liberdade, a sua liberdade.
O Pedro não era somente o meu irmão mais querido. Ele era o irmão mais querido de todos os seus irmãos. 
Como seria bom que sua morte fosse mentira, que ele chegasse coçando a cabeça dizendo: “Pô, pessoal, eu tava só brincando. Sumi um pouquinho, tô de volta. Pô, pessoal, eu tava só brincando! Na vida não se pode levar tudo a sério. Deste jeito a gente termina morrendo mesmo!”
É isso. Um beijo no coração!

OBS: Registrada como Altamira Rodrigues Sobral, Maria do Carmo Ribeiro nasceu em 02 de fevereiro de 1930.
Militante da Juventude Comunista Brasileira, casou-se em 1950 com Luiz Carlos Prestes, nascido em 1898 e morto em 1990, tendo com ele nove filhos.

do site de Maria Prestes.

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