quarta-feira, 12 de setembro de 2012

RABUGICES DE UM VELHO

O doutor Anselmo já estava marchando na casa dos setenta nos e conservava ainda o seu gênio extremamente alterado.
A constituição de seu corpo já era bastante nervosa e débil, motivo porque os seus clientes não mais se utilizavam de sua ciência médica.
Não tendo o que fazer, passava o bom velho, quase todos os dias, algumas horas debaixo das árvores do jardim, onde gozava momentos de alegria, recordando-se dos belos tempos da mocidade, em que muito se divertira.
Um dia, quando se achava todo imerso nessas vagas recordações, sentiu-se tocar de leve nos ombros e ao mesmo tempo ouviu uma voz que lhe disse:
- Oh!, doutor, sabe de uma coisa?...
O velhito que não costumava receber visitas no jardim quase foi acometido de uma síncope pelo medo que tomou; porém, dirigindo o olhar para o lado do interlocutor, pode conhecer distintamente um rapaz alegre e simpático, que havia sido seu discípulo e a quem muitas vezes puxara as orelhas.
Então, com tremeliques na voz, interrogou:
- Oh! Sílvio, que deseja contar-me? Alguma notícia boa?
- Ótima, doutor...
- O que é então?...
- Eu vou...
- Fala sem receio, menino...
- Doutor, eu vou ca... sar-me!
- Vaes casar! Oh! Seu grandíssimo besta! Então é essa a ótima notícia? Pois ainda ninguém te contou o que é o casamento? Escuta lá: o casamento é uma espécie de corda, onde os desprotegidos da sorte vão procurar os meios de acabar com a vida! A mulher, isto é natural, enche uma casa de filhos e, para sustentar esses "bebês", o "papá" carece trabalhar como um burro... Estás fazendo caretas? Vem cá. Escuta-me. Temos outras consequências: se a mulher é bonita...hum!... O marido precisa andar de binóculo! Se é feia... Jesus, que vida atrapalhada!?! Menino, quem tem juízo não casa e mesmo nem pensar nisso deve!
O pobre rapaz não pode pronunciar uma frase e o velho prosseguiu:
- Olha, Sílvio, os discípulos sempre devem seguir os exemplos dos mestres. Eu nunca quis casar-me e disso não tenho arrependimento, porque diverti-me muito! Corri diversos países do mundo, como sejam a França, a Itália, a Inglaterra, etc., etc., e não tinha que dar satisfações a ninguém, nem pensar em mulher, filhos, ou coisas que se assemelhem. Enfim, se ainda me quisessem casar com uma mocinha (bonita, já se sabe), de seus vinte e cinco anos, eu recusaria!
- Ora, doutor, isso é impossível!
- Não é impossível, Sílvio, eu já estou velho e ...
- Mas... se, por exemplo, eu lhe apresentasse uma rapariguinha bonita, engraçada, etc. e tal pontinhos, que lhe quisesse por esposo, nesse caso o meu bom mestre não recusaria!?!...
O velhito, erguendo-se repentinamente, deu um coice no banco, esticou a corcunda e, depois de limpar cautelosamente os pulmões, todo satisfeito, exclamou:
- Homem!... Como já me diverti muito nos tempos da mocidade, se com efeito achasse uma jovem de seus vinte e cinco anos - sempre daí para menos, bem entendido, eu...
- Casaria, provavelmente, obtemperou Sílvio, no auge da satisfação por ter vencido aquele obstáculo, a princípio tão possante.
- Arriscaria casar-me, disse o doutor, soltando uma gargalhada rouca e amarela.
Daí a quinze dias, Sílvio levara ao lado o velho mestre, como testemunha de seu casamento e - fatalidade - passado um mês, o doutor Anselmo, acometido de não sei que enfermidade, foi unir-se a sua esposa ideal, nas duras e sombrias regiões de um túmulo.
Sílvio derramou muitas lágrimas sobre o féretro do finado.

Este texto foi extraído do jornal "O Democrata", de Capão Bonito do Paranapanema, de novembro de 1.901, escrito por L., de São Miguel Arcanjo.
L. era um dos pseudônimos do Major Luiz Válio, meu avô, então com apenas 21 anos de idade; nesse ano, vereador pela primeira vez.

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