sexta-feira, 11 de março de 2016

JOÃO CUTILEIRO, ESCULTOR, DOA PARTE DE SEU PATRIMÔNIO E ESPÓLIO AO SEU PAÍS. EM NOME DA HUMANIDADE, NOSSOS AGRADECIMENTOS!

 
João Pires Cutileiro nasceu em Lisboa/Portugal no dia 26 de Junho de 1937. Sua mãe, Amália, natural de Pavia, no Alto-Alentejo, foi viver em Évora, onde conheceu José Cutileiro, médico militar, e com ele veio a casar-se; o casal teve três filhos.
Em Lisboa, a família Cutileiro mantinha amizade com a chamada "intelligentsia" e sua casa era frequentada por boa parte das personalidades que desenhavam o panorama intelectual português da época.
Com 6 anos de idade, o menino fez seu primeiro trabalho: esculpiu um presépio.  
No ano de 1946, o menino João Cutileiro recebe convite para ir desenhar para um atelier durante dois anos; de 1949 a 1951, Cutileiro frequentou o estúdio de Jorge Barradas, onde aprendeu a modelar, pintar e executar vidrados de cerâmica, depois, aborrecido, foi passar dois anos como assistente voluntário de canteiro, iniciando trabalhos com pedra.
Aos catorze anos, Cutileiro faz a sua primeira exposição individual em Reguengos de Monsaraz (Alto Alentejo), numa loja de máquinas de costura, apresentando peças de escultura, cerâmica, aquarelas e pinturas.
João Cutileiro fez o liceu no Colégio Valsassina onde, influenciado pelos amigos e pelo ambiente que respirava em sua casa, decide ingressar no MUD JUVENIL.
Em 1951, passando por Florença, teve contacto com a obra de Miguel Ângelo e decidiu fixar-se na Escultura.
A frequência de apenas dois anos na E.S.B.A.L., 1953-1954, foi suficiente para lhe provar o que há muito suspeitava: em Portugal qualquer pesquisa era travada e o bronze era o único material considerado "digno" para escultura.
Não havia espaço para a criatividade, nem para o experimentalismo, o que o fez optar por morar em Londres.
Durante o curso que fez em Londres, entre 1955-59, Cutileiro não só enriqueceu sua formação, como desenvolveu sua experiência. 
No ano em que acabou a Slade, Cutileiro recebeu três prêmios: composição, figura e cabeça.
Em Londres, casou-se, descasou-se e casou-se de novo; deste segundo consórcio, nasceram os filhos Tiago e João.
Nessa altura Cutileiro viveu um período difícil devido às circunstâncias econômicas e começa a procurar por um caminho próprio, resultando as primeiras figuras articuladas, utilizando-se de máquinas elétricas de corte da pedra, dedicando-se exclusivamente ao mármore.
Começaram a surgir torsos, paisagens, caixas, árvores e flores. Entre 1961 e 1971, Cutileiro expôs cinco vezes em Lisboa e uma no Porto e no ano de 1970 já havia optado por voltar a morar em Portugal: foi viver em Lagos, no Algarve, onde permaneceu por mais quinze anos da sua vida. 
É no seu atelier de Lagos que se empenha na construção das suas primeiras figuras bífidas e da obra mais polêmica de sua vida, o "D. Sebastião", erguido na cidade de Lagos, na praça Gil Eanes. Por esta obra, recebeu, de um lado, críticas ferozes e, de outro, elogios rasgados; estes elogios, porém, davam-se apenas porque o escultor tinha posto fim ao academismo de escultura do Estado Novo, sem que se entendesse o renovar da tradição moderna e a singularidade da obra. 
Por provocação, Cutileiro declarou que tinha abandonado a criação artística para se tornar "um fazedor de objetos decorativos destinados à burguesia intelectual do ocidente". Com esta frase irônica, que Cutileiro compara ao "só sei que nada sei" de Sócrates, quis ridicularizar todos os que menosprezavam a sua escultura ou que se julgavam mais escultores do que ele. 
Segundo ele próprio, toda arte tem uma função decorativa, logo, todos os escultores são manufatureiros de objetos decorativos, não se percebendo o porquê do espanto desses escultores.
Em 1971 o escultor conquistou uma menção honrosa no Prêmio Soquil, em Lisboa.
Em 1976 e 1977, suas esculturas e mosaicos foram apresentados em Wuppertal, Alemanha. 
Seguiram-se exposições em Évora (1979, 1980 e 1981) e em Dortmund, Alemanha, em 1980. Este ano ficaria ainda marcado por uma exposição em Washington (E.U.A.) e outra na Sociedade Nacional de Belas Artes (Lisboa). 
No ano de 1981 Cutileiro participou no Simpósio da Escultura em Pedra, em Évora, e numa exposição realizada na Jones Gallery, em Nova Iorque.
O sangue que corre nas veias de Cutileiro é todo Alentejano. Talvez por isso, em 1985, o escultor tenha decidido mudar-se para Évora. 
Nesta cidade, na sua própria casa, está exposta boa parte da obra multifacetada do escultor.
"As Meninas de Cutileiro", como alguns lhes chamam ironicamente, têm valido ao escultor muito dinheiro e momentos da mais distinta glória mas também do mais visível desprezo.
Em 1988 Cutileiro realiza exposições em Lisboa, Macau e Almansil.
Em 1989 expõe novamente em Lisboa e Almansil e, em 1990, decide fazer uma retrospectiva da sua arte, através de uma exposição ontológica, realizada em Lisboa, na Fundação Calouste Gulbenkian. 
Desta exposição ficou-lhe a desilusão de só ver mostrada uma pequena parte da sua obra e a amarga compreensão de que jamais poderia realizar o sonho de reunir, de uma só vez, tudo aquilo que produziu ao longo do tempo.
Em 1992 e 1993, volta a realizar mais exposições individuais, em Bruxelas, Almansil, Luxemburgo, Évora, Lisboa, Guimarães e Lagos e outras e outras.
Apesar do escultor ter conquistado um lugar invejável no panorama da escultura portuguesas e das suas obras serem hoje muito cobiçadas, depois do "D. Sebastião", muito poucos foram os monumentos de Cutileiro erguidos publicamente.
É como se o conservadorismo estético privilegiado pelo Estado Novo ainda se mantivesse vivo na arte estatuária portuguesa.
O escultor decidiu, agora com 78 anos de idade, doar ao Estado parte do seu patrimônio, que vai permitir a criação da Casa-Atelier com o seu nome em Évora.
O Ministro da Cultura em Portugal, João Soares, acrescentou que é "um gesto extremamente importante, antes de mais nada porque vai contra aquilo que tem sido dominante na Europa e na nossa terra, infelizmente, nos últimos anos, que é o egoísmo".
Com esta doação, João Cutileiro, que é "uma grande figura das artes", "dá prova de desapego dos interesses materiais", disse ainda o Ministro após a cerimônia de assinatura da Carta de Compromisso que vai orientar a constituição da Casa Atelier João Cutileiro, numa parceria entre a Direção Regional de Cultura do Alentejo, a Universidade e a Câmara de Évora.
 
Faz parte da doação do escultor, além do patrimônio, o espólio que inclui parte da sua casa, onde vive e trabalha e o respectivo recheio, que compreende um conjunto muito significativo de obras de escultura, desenho e fotografia, assim como a sua biblioteca, documentação variada e os seus instrumentos de trabalho, tudo para "poupar os filhos de ficarem com isto". 
--------- "Não quero que eles recebam o espólio porque, senão, nunca mais fazem nada na vida por eles". 
 
Fonte: CITI

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