quinta-feira, 25 de abril de 2013

ADMIRÁVEL MUNDO LOUCO


"Ontem, tive uma experiência inusitada, quando por conta de um relâmpago o computador lá de casa queimou. Pude experimentar novamente sensações há muito tempo adormecidas, as quais eu nem dava conta de poder senti-las novamente. Percebi com os olhos da realidade, a voracidade do tempo passado diante da tela do micro na busca de alguma coisa para revelar a nós mesmos a nossa condição de ser humano escravo da máquina, tragado definitivamente no buraco negro da alta tecnologia. O micro é o deus do presente século! Inclusive, lá em casa, onde há um nicho especial para ele, tal qual um oratório, onde todos os dias lhe reverenciam a sua presença luminosa. Logo ao abrir a porta do quarto pela manhã, já conectamos nossa vida monótona às páginas coloridas dos “blogs”. É quando o computador suga à única coisa que Deus não tem de mim: a vontade. Assim, por dias seguidos, todas as manhãs, saímos diretos do mundo dos sonhos para mergulharmos no mundo virtual.
Entretanto, ontem eu me redescobri gente de carne e osso outra vez, quando a tela do meu computador escureceu. Isso aconteceu no momento em que eu pensava substituir a velha cadeira já gasta de tanta bunda ociosa, por uma cadeira de barbeiro, a qual seria bem melhor! Além de giratória, poderia ser regulada até a altura do pescoço, e com um detalhe: ficaria fixada para sempre no chão. Afinal o entra e sai era constante, como se aquele pequeno espaço fosse de fato uma barbearia, com alguém sempre a espera de uma vaga. 
No apagar das luzes, digo, do monitor, descobri a minha ansiedade no limite. A falta de uma luz, por pequenina que fosse, na tela de cristal liquido me deixou nervoso. Ainda por cima, o defeito no equipamento me deixava também sem telefone. Eu estava me sentindo um eremita, um brucutu primitivo. De uma hora para outra, me vi outra vez, caipira de Santa Cruz dos Matos. Estava me sentindo sem a proteção sagrada daquele pequeno ser eletrônico, quase místico, na vida de todos lá em casa. Foi a oportunidade para tirar os olhos do colorido das imagens e admirar de novo o rosto sereno da minha mulher, já marcado pelo tempo, tanto quanto o meu. Ela está madura e bonita. Amadurecemos juntos, sem artificialismo algum, enfrentando a vida real por caminhos quase intransponíveis. A beleza a gente só percebe quando está em paz. Se não estamos bem, o tempo não passa! Mesmo passado os anos, naquele instante, ao olhar no espelho tive a impressão de ser uma pessoa nova e decidi que valia a pena se renovar todas as manhãs, ao invés de navegar por mares nunca dantes conhecidos. Por certo, naquela tarde, até o concerto do aparelho, minha mulher e eu poderíamos por a prosa em dia, sem que ela mergulhasse de cabeça no MSN no bate papo diário com as amigas virtuais, das quais nunca soubemos qualquer virtude. Meu filho adolescente, apesar de aborrecido e revoltado com o infausto curto-circuito, teria de por os pés na terra e pisar firme no chão da realidade a descortinar-se além da soleira da porta onde nossos cães dormitavam. Os cachorros eram a nossa única ligação com a afetividade. Ao se queimar, o computador ressuscitou os seres humanos enclausurados dentro de nós. Eu não sabia como fazer longe dos meus amigos do Face, os quais todos os dias recebiam de mim uma mensagem de otimismo. Sempre gostei de abrir a minha página pela manhã e ler dezenas de recados, por mais artificiais e impessoais que fossem. Era a única forma de transportar o meu “eu”, envolvendo-o em fotos para centenas de pessoas como um grito de desespero provando estar vivo no mundo dos autômatos. Um “eu” artificial, porque eu mesmo estava soterrado sob o peso de tantas informações impessoais, algumas vazias e outras vulgares.
Naquele canto de sala aconteceu o milagre do encontro, o prazer da conversa e a troca de calor humano. Voltamos ser gente de carne e osso, com defeitos e virtudes. Nesse hiato de tempo, eu me doutrinava junto ao computador, que se me apegasse em detalhes saudosistas de ontem eu me deprimia. Ou se eu pensava no futuro, tinha surto de ansiedade. Então, eu não pensava! O tic-tac do relógio sempre me contava menos um, menos um no estirão da vida, enquanto lá fora as pessoas contavam mais um, mais um... Decidi naquele momento não usar mais relógio ou qualquer coisa que me prendesse em redoma onde o tempo não passa. Percebemos que por longo tempo estávamos vazios de nós. Um tempo onde a gente não amava, nem brigava e nem chorava. O micro havia penetrado até na nossa alma. Finalmente acontecia o grande desapego. Afinal a gente tem que aprender a morrer. No instante em que se olha no espelho e vê nascer sempre uma pessoa nova. Fazer de cada dia um novo alvorecer. Olhar a vida como um universo em transformação.
Se fosse por mim, quando o técnico chegou, eu o dispensaria na porta. O diabo é que somos parte integrante do microcosmo pulsante desse admirável mundo novo. Mais uma vez, olhando para os meus cachorros que continuavam dormitando na soleira da porta, tive a ideia louca de imaginar, como disse certa vez um ministro de estado: Os animais são mais gente do que a gente."

Orlando Pinheiro

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