Salvo a primogênita, que sou eu, todas as meninas vieram ao mundo pelas mãos de nosso pai, claro que auxiliado por parteiras.
Quando minhas irmãs e eu éramos "de menor", respeitávamos até à temeridade todas as coisas que nossos pais ensinavam. Assim, pois, tudo o que fazíamos às escondidas das suas vistas era suprema transgressão às regras do aprendizado, beirava a pecado, e disso tínhamos certeza.
Tivemos pais enérgicos.
Enérgicos e bons, porque sempre respeitaram as leis de Deus.
Nunca que nossos pais incentivaram a que faltássemos da escola um só dia, por simples vontade nossa.
Na criação das filhas, nossa mãe jamais contrariou as ordens paternas, mesmo sabendo duras demais para as "de menor", todas meninas.
Deus que nos livrasse quando, por ventura, acordássemos emburradas e preguiçosas; fora a vara de marmelo, havia o olhar reprovador fitando a gente.
Nunca que nossos pais se divertiram com alguma peraltice nossa ou mesmo com alguma frase satírica acerca das coisas.
Mesmo quando trançávamos cebola e alho no barracão, nenhuma piada era permitido.
Mascar chicletes na frente deles?
Era desaforo! Nem pensar!
Rasgar um livro?
Apontar lápis sem necessidade?
Ler revistas de fotonovelas?
Querer vestidos caros?
Sapatos chiques?
Falar mal da vida alheia?
Desrespeitar os mais velhos?
Nunca.
As ilusões só eram permitidas quando manuseávamos piçarra e com ela construíamos objetos para, depois de secos, podermos brincar juntas... e sem brigas!
Nunca tivemos liberdade de caminhar à toa pela mata, correr atrás ou jogar pedras em passarinhos, soltar pipa na invernada, cortar uma fruta da árvore se não para comê-la, queimar folhas secas, desgalhar uma árvore, fazer buracos no quintal, etc.
Todos tínhamos o que fazer: desde ajudar na lida da roça até tratar de porcos, salgar os cochos para os animais maiores, debulhar milho para as galinhas, escolher feijão e arroz para guardar em recipientes predeterminados, recolher roupas do varal, arrumar a cama, varrer a casa, recolher ovos que as galinhas colocavam fora do galinheiro...
Qualquer coisa de errado, porém, tínhamos que consertar, claro que depois de uma boa surra, a qual logo era esquecida pelo prazer cheiroso do bolo que nossa mãe tinha no forno do fogão de lenha.
E ai de nós se, ao final do dia, depois do jantar sob a luz do lampião de gás, fôssemos para a cama sem um abraço do pai:
- Benção, pai?
- Deus te abençoe, filha!
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