quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

ORLANDO PINHEIRO E "O SUPLÍCIO".


"Não há necessidade de ser um grande estudioso na área humana para saber o que é suplício. Essa atrocidade já nasceu com o homem, ou o homem a adquiriu posteriormente ao longo de sua caminhada pela vida. 
Isso gerou discussão entre duas correntes de pensadores, entre os quais Freud e Young. 
Para um, o ser humano nasce mau e perverso (o pecado original), para o outro, a perversão e a maldade são introjetadas pelo ambiente no qual o homem vive e provavelmente é adquirida na primeira infância. 
A maldade, seja ela no nível que for, nos acompanhará até o túmulo. Depois do tumulo, os místicos e espiritualistas ainda continuarão o debate. 
Esta nossa conversa é aqui mesmo, neste chão dos viventes. 
É verdade que muitas vezes, a maldade tem a capacidade até de abreviar o seu destino à caminho da cova.
A palavra suplício é tão pequenina, mas encerra grandes maldades. 
Vejamos: trata-se de uma grande punição moral imposta por sentença, de justiça; execução capital; pena de morte; grande tormento; sofrimento físico de pessoas ou coisas semoventes e que aflige muito. 
O último suplício é a pena de morte, porque depois dela não tem mais com o que se torturar. 
Não se dispensam para supliciar as correias que servem para açoitar, manietar e tornar mais doloroso e agudo o suplício. 
Vale a pena realçar que isso tudo ainda está presente nos nossos dias. É a forma que encontramos de demonstrar nossa superioridade (?) perante alguém. 
Em determinados atos, mudaram apenas o nome e o método, tal como a exposição do indivíduo frágil ao assédio moral ou o “boulling” nas crianças e adolescentes indefesos. 
Um exemplo de marcante de dor e suplício está na formação da nossa etnia, oriunda da escravidão do negro sob o pré julgamento de que esses seres humanos pertenciam à uma sub raça.
Os povos antigos eram aficionados aos suplícios humanos como oferta às divindades. 
Durante o Império Romano a prática foi proibida, tanto que o povo judeu forçou Pôncio Pilatos a crucificar Jesus, pois somente Roma decidia sobre a vida e a morte dos seus súditos. Em todos os tempos o ser humano valeu menos que um sopro de vida. 
Ter fôlego por um dia já era uma vitória... e já estava pronto para mais um dia de suplício constante. 
Quanto mais o suplicante pedisse clemência, mais se cristalizava o pouco do sentimento humano que ainda existia sob os atos negativos do agressor.
Suplicar é pedir com extrema humildade ao supliciador que é o algoz ou carrasco. O súplice, ou suplicante está sempre em atitude de quem implora; que se prostra pedindo clemência. 
Os anos passaram e isso tudo apenas mudou de rótulo. 
Banido do seio da sociedade mais elitizada, a barbárie passou a ser exercida com os animais que morrem na arena por não saberem pedir clemência. 
À primeira vista não apresenta aspecto de um espetáculo hediondo, mas de um esporte texano, importado com exclusividade diretamente dos Estados Unidos, porque tudo que é bom para o americano é bom para o Brasil. 
A febre tomou conta do país sob a trilha sonora de duplas sertanejas medíocres, fabricadas nas coxas nos estúdios da Avenida Paulista. 
Quem lucra com isso são as fábricas de cerveja, além das gravadoras que aproveitam dessas festas interioranas para descartarem seus “jabás” fonográficos. 
Nada tem a ver com os gladiadores que enfrentavam leões na arena. Os homens de calça jeans ou bombacha com protetor de couro e espora enfrentam a mansidão do boi e a docilidade do cavalo, fustigados por instrumentos e celas desconfortáveis. 
O final do século XX desvendou a maneira de como o ser humano não lapidado aos costumes civilizados fazem para extravasar suas neuroses. 
Menor pior. 
O problema seria tentar domar em casa a patroa e os filhos da mesma maneira e com os mesmos instrumentos. 
A supremacia do homem sobre o animal é a mostra do seu desvio de personalidade, de quem não consegue domar-se a si mesmo e nem seus instintos primitivos. 
Eu me lembro que meu pai adestrava um cão sem usar de violência, a ponto de fazer com que o bicho o seguisse andando rente a sua perna.
Se você achou pouco o fato de ser apenas um cão, vou mais longe. Ele domava também urutus, jararacas e cascavéis. Qual peão se habilitaria a manipular com destreza um ofídio com as mãos nuas e com a certeza de jamais ser picado?
É ilusão acreditar que esse estado de coisa vai mudar um dia. 
Quando essa modalidade esportiva perder seu encanto aparecerão outras no mesmo estilo, com os mesmo requintes de crueldade, ou quem sabe ainda piores. 
Estamos agonizando dentro do nosso parco conceito sobre dor, desprezo e humilhação. 
Por isso, somos o que somos. 
Um povo que caminha trôpego na trilha tortuosa de um futuro incerto. 
Não conhecemos o poder da argumentação. Sem argumento prevalece o tacão da bota e a predominância da força bruta. 
É tempo do homem repensar a si mesmo. Principalmente os homens de boa vontade da minha terra, onde ainda há muito para fazer num lugar onde demonstrações esportivas dessa categoria não levam a lugar nenhum. Toda essa energia poderia ser usada para a construção de uma cidade melhor para nossos filhos e nossos netos; e mostrar com satisfação a eles que o tempo do laço, do relho e do chicote já passou. 
Afinal, quando é que a gente vai chegar nesse tal século XXI, o qual dizem ser a nova era da humanidade." 

Nenhum comentário: