NÚMERO 728/2011.
Dispõe sobre a inclusão do nome social de travestis e transexuais nos registros internos de documentos escolares das instituições de ensino integrantes do Sistema Estadual de Ensino de São Paulo e dá outras providências.
Veja a JUSTIFICATIVA dela:
{{{{ "Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é"
(Caetano Veloso, Dom de Iludir)
Todos os direitos e/ou obrigações dos cidadãos tem base na Constituição Federal de 1988. A carta magna erigiu um valor fundamental para a ordem jurídica brasileira: A PROTEÇÃO E A PROMOÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (art. 1º, III, CF).
A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA é a fonte legitimadora de nossa organização política, sendo a matriz, o princípio-fonte e o critério-limite de todos os direitos existentes na ordem jurídica.
"Se o direito é uma criação humana, o seu valor deriva, justamente, daquele que o criou. O que significa que esse fundamento não é outro, senão o próprio homem, considerado em sua dignidade substancial de pessoa. (...) A nossa Constituição de 1988, por sua vez, põe como um dos fundamentos da República a 'dignidade da pessoa humana' (art. 1º - III). Na verdade, este deveria ser apresentado como o fundamento do Estado brasileiro e não apenas como um dos seus fundamentos." (grifei) (COMPARATO, Fábio Konder. Fundamento dos direitos humanos.
São Paulo: IEA-USP, 1997, pp.07-08. Disponível no site www.iea.usp.br/artigos (acesso em 12 de abril de 2011).
A dignidade da pessoa humana, em resumo, é a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade.
Transexualidade e travestilidade são formas através das quais indivíduos constroem, ao longo de suas trajetórias, suas identidades quanto ao que socialmente se compreende como masculino e feminino.
A identidade de gênero de transexuais e travestis não se enquadra no padrão culturalmente dominante, conhecido como dimórfico, que relaciona a construção da identidade de gênero à determinada orientação sexual e sexo anatômico:
Aqueles que nascem dotados dos genitais masculinos (sexo biológico ou anatômico) deveriam: a) adotar comportamentos sociais culturalmente atribuídos a homens (questão de gênero); e b) ter desejo afetivo-sexual por mulheres (orientação sexual).
O mesmo raciocínio se aplica a quem nasce com genitais femininos.
A questão é que o padrão cultural dominante não corresponde à multiplicidade de combinações possíveis entre estas três categorias distintas (sexo biológico, gênero e orientação sexual).
Adotar socialmente o nome que expressa adequadamente a própria identidade pessoal, construída no percurso da vida, "com suas luzes e suas sombras", é direito fundamental da pessoa humana, protegido largamente pela ordem jurídica.
Ademais, uma sociedade que se pretenda democrática deve ter o compromisso de buscar a inclusão de todos os segmentos sociais - com especial atenção aos "grupos vulneráveis"-, a redução das desigualdades sociais e a promoção do bem de todos, sem preconceitos e discriminações de qualquer natureza (art. 3º, I, III e IV, CF).
Os índices de "evasão escolar" de travestis e transexuais são estarrecedores. Dados da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLBTT) informam que a evasão escolar entre transexuais e travestis chega a 73%!
Por evidente, a existência de tais índices não pode ser atribuída a decisões meramente individuais. Estamos diante de um verdadeiro e sistemático processo de exclusão fomentado pelo preconceito. Seria, portanto, mais apropriado compreender que transexuais e travestis na maioria das vezes não se evadem das escolas, mas sim expulsos do sistema de ensino por uma cultura em muito marcada pela intolerância com a diferença.
Nesse contexto, sair da escola não representa, em verdade, uma "opção" pessoal das travestis e dos transexuais, mas uma forma de autoproteção.
Diante de tal quadro, o sistema de ensino tem papel fundamental na luta pela construção de uma cultura democrática e de respeito aos direitos fundamentais dos seres humanos.
Sem dúvida alguma, a inclusão passa pela educação.
Não esqueçamos que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) apresenta, dentre seus princípios fundamentais, o direito ao acesso e à permanência na escola, além do respeito à liberdade e o apreço à tolerância (art. 3º, I e IV, LDB).
A escola não pode se omitir diante das opressões, dos preconceitos, dos atos de intolerância com a diversidade, das violências; pois é no campo da cultura que podem ser alteradas realidades como esta.
A escola, como campo privilegiado a ensejar transformações, deve adotar ações voltadas para a inclusão, desenvolvendo e utilizando instrumentos pedagógicos que fomentem o respeito pela diferença e pela diversidade, bem como promovam os ideais de justiça e solidariedade, conformando a produção dos saberes e a própria organização da sua estrutura administrativa à construção de uma cultura de direitos.
Ao fazer isso, o sistema de ensino atende plenamente aos ditames constitucionais; respeita e concretiza os princípios e fundamentos primordiais da nossa ordem jurídica; cumpre, exemplarmente, sua importante missão institucional.
Por fim, é importante lembrar que a proteção da dignidade da pessoa humana não é a proteção de um ser humano idealizado e modelar, mas a proteção do ser humano concreto, autêntico, em sua luta cotidiana, com seus erros, suas falhas e seus gestos valorosos, nos momentos bons e nos momentos maus, e que deve respeitar ao outro, mas também ser respeitado, como é, incondicionalmente.
Igualmente, sabemos que não se estabelece a afetividade por meio de leis, mas que o respeito ao próximo é um valor ético que, ao ser transgredido, exige que instrumentos assegurem o respeito e a dignidade dos grupos vitimizados da nossa sociedade.
Sala das Sessões, em 5-8-2011.
Leci Brandão - PCdoB }}}}}}}
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