quarta-feira, 8 de abril de 2015

"A TOCA DA PRETA CLOÉ"


É mais ou menos assim a história da preta Cloé: uma gorda e boa mulher, criada, mas sempre tratada como amiga, que era dedicada, alegre por natureza, prestativa e bem amada, mas também severa e rígida na disciplina.
Viu nascer três gerações dentro da família Carter para a qual trabalhava e sempre fora muito bem remunerada.
Não tinha filhos, parente nenhum, poucas vezes saía a passear e nunca viajou para fora da cidade. 
Então, as pessoas que a conheciam se perguntavam:
- O que será que a preta Cloé faz com o seu polpudo salário mensal? No que o empenhará, se não precisa comprar uma bala sequer trabalhando para os Carter?
Um verdadeiro mistério, mas com certeza uma fortuna que a preta mantinha em segredo. 
Com o tempo, Cloé foi ficando velha e, como todo mundo, quando se cansava também se retirava para descansar num quarto que ninguém jamais teve acesso, por respeito a sua privacidade. 
Nem os patrões e muito menos os meninos da família tinham alguma autoridade para entrar no seu "castelo" particular.
Assim foi até que um dia a senhora Carter não se conteve e acabou abrindo a porta do cômodo onde vivia Cloé, no entanto, parando, assombrada ao ver as condições de miséria em que vivia a pobre mulher.
Lugar apertadinho, o reboco já caindo das paredes, as ripas todas de fora, buracos cobertos com pedaços de jornal, tábuas do assoalho sem forro, uma mesa com tampo de mármore quebrado, um espelho tão velho que não prestava mais para nada, uma cadeira ao lado, uma cama cujas molas enferrujadas e já arreadas com o peso da mulher, tocavam o chão.
O colchão era de palha, o que fazia a cama parecer-se mais com uma banheira, no meio da qual tinha-se a impressão de ver desenhado o corpo da coitada.
E era só.
Resolveu, então, a senhora Carter dar umas férias para a negra Cloé, que a muito custo acabou aceitando sair para uma viagem.
A única intenção da patroa era arrumar aquele aposento para que, ao retornar, a velha empregada encontrasse maior comodidade e conforto para viver pelo resto da sua vida.
Incluindo a cama, todos os móveis da velha empregada foram queimados.
Pintores foram chamados para dar mais alegria ao quarto.
O chão foi coberto com um lindo e macio tapete florido.
Cortinas maravilhosas foram postas na janela.
Um lindo toucador com espelho, uma cadeira de braços com balanço, mesa com lâmpada e cadeiras, uma cama bem confortável e até um aparelho de rádio seriam os novos companheiros da velha Cloé, a partir de então.
Quando a velha voltou das férias, a família em polvorosa e imensamente feliz por tê-la de volta, a acompanhou ao seu recanto para ver como seria a sua reação.
Ela entrou, maravilhada, empolgada e feliz, mas, de repente parou, estática e branca como cera.
Feito louca, arremessou-se por sobre a cama, arrancou o lençol e as cobertas, gemeu, gritou, ergueu os braços para o alto, horrorizou-se, chorou e de novo empalideceu, e afinal voltou-se para a patroa e pediu que ela, por caridade, mandasse buscar a antiga cama.
Pois demoraram a entender que, naquela cama onde havia um colchão de palha e que havia sido queimado com o resto dos móveis imprestáveis, Cloé havia guardado todas as economias de sua vida inteira.
E fora uma longa vida!

Adaptação de uma história de Edward C. Aswell, lida numa edição da revista Reader`s Digest de 1942, a qual já foi contada por diversos autores.
Aqui, a minha versão. 

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