quinta-feira, 3 de setembro de 2015

UM POEMA QUE MORREU NA PRAIA

 

Uma criança morta na praia, no lugar em que acontece esse idílio do mar com a terra e que aí não espalha felicidade, mas o terrível som de uma notícia de que chove como o pranto no coração. 
Uma criança morta na praia, em busca de refúgio no mundo, fugindo da guerra, fugindo do som cruel das armas e também da fome.
Essa imagem da criança síria morta em uma praia turca, a desolação que apresenta o gesto do guarda que foi salvá-la, a luz, a praia, essa costa que parece um símbolo da própria passagem descalça da criança por um mundo que já não vai recebê-la nunca, nem ela nem muitos. 
É um poema comovente, um réquiem como aquele que entoava José Hierro: é uma criança como milhões de crianças, um ser humano que já ri, pergunta e persegue sombras como se fossem brinquedos.
A machadada cruel dos nossos tempos faz dela o retrato com o qual a consciência do mundo há de conviver como expressão dessa afronta. 
O guarda fez o gesto desesperado; mas antes do guarda foi o mundo que não soube salvá-la; o guarda foi o herói dos olhos tristes, fez tudo o que podia. 
O mundo não soube salvá-la. 
Seu único destino, o de seus pais, o de seus passos, era sobreviver; seu horizonte não era sequer viver, ter profissão, amores e despedidas: seu destino, esse que agora jaz sem vida no mundo, era o de desenhar na areia a casa, o barco, e já não há nem casa nem barco nem nada. 
Não há nada. 
O mundo levou-lhe tudo: nem este nem aquele, nem este país nem este outro: o responsável por esta terrível expressão dos nossos tempos é o mundo inteiro, porque a criança é também o mundo inteiro. 
Suas mãos são os desenhos que deixa, seu corpo de três ou quatro anos é o que resta da árvore que ela teria imaginado que era a vida, e antes da hora soube que o mundo não sabe salvar as crianças, porque também desconhece como se salvar. Aí jaz, nessa praia, o mundo inteiro.

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