terça-feira, 20 de março de 2012

É PELAS BEIRADAS QUE SE COME ANGU FERVENTE.



Já dizia meu avô, o Major Luiz Válio, que o homem, esse enigma indecifrável e misterioso, está sempre sujeito às intempéries, às leis naturais da evolução e da involução.
Como tudo na natureza, ele evolui até certa época, para depois descarrilhar ou involuir para os fenômenos da reintegração final no cadinho purificador do Cosmo.
Material e fisicamente se falando, porque, no abstrato, há também qualquer coisa à qual se dá o nome de sorte, de felicidade, de fortuna, também sujeita à evolução e à involução.
Aquele que nasce na pobreza, pode, por algum fenômeno de reação, um dia tornar-se abastado e feliz.
Ou pelo contrário...
Era uma vez um homem pobre, carregado de filhos, que tinha um irmão muito rico, sem prole alguma. 
Pelo Natal, o pobre, querendo festejar com a família, foi até o irmão rico pedir-lhe algo:
- Olha, disse o irmão, quem é pobre não tem o direito de gozar o Natal. Eu posso, porque tenho fortuna. Leve este porquinho, engorde-o e para o final do próximo ano poderá comer a metade, porque a outra metade me pertence.
Voltando ao lar, a filharada se arvorou, toda feliz com semelhante carga por ele trazida. 
O pobre, porém, explicou tudo.
Na mesa, apenas pão de centeio negro e duro.
As instâncias e rogos da família foram tão desesperados que o pobre acabou matando o porquinho e o comeram.
Um dos mais belos natais que tiveram.
O tempo passou.
Um dia, o irmão rico veio lhe fazer uma visita sem avisar e quis ver o porco. 
Não adiantou chorar; no dia seguinte, foi intimado judicialmente.
O Juizado de Paz ficava a alguns quilômetros e, naquele tempo, os Magistrados julgavam "de pé ou sentados de plano e pela verdade conhecida".
Sapiquá às costas, lá se foi o desprotegido da sorte.
Foi então que encontrou no caminho um tropeiro tentando arrancar um burro que atolara.
Na tentativa de ajudar, puxou a alimária pela cauda e... Acabou ficando só com a cauda do bicho na mão!
O tropeiro, desesperado, avisou que iria ao Juiz.
- Paciência, respondeu o pobre homem, vamos então ao Juiz...
E pôs-se a caminho novamente.
Sentindo fome, parou em frente a uma vivenda abastada, à sombra de uma belíssima mangueira, e dispôs-se a comer o minguado pão duro que trazia amarrado num pano.
Apareceu na porta uma senhora que olhou bastante para ele, mas não disse nada.
Feita a refeição, retomou a caminhada para o seu calvário particular.
Foi quando um homem, com um bacamarte de boca larga, apontou-lhe o peito, dizendo que ele havia matado seu único filho e por isso o chamaria ao Juiz.
No pensamento do pobre homem brilhou uma luz:
- Pois vá, que lá eu não estarei! Vou acabar e já com esta vida desgraçada!
Sabia que à entrada da "cidade judiciária" existia uma ponte altíssima e para lá se dirigiu, apressadamente.
Chegar e atirar-se da ponte abaixo era só um relâmpago.
Mas a ideia do suicídio não deu certo.
Lá embaixo viu dois mendigos contando a féria do dia; não deu para desviar e foi cair em cima de um deles, matando-o instantaneamente.
O mendigo sobrevivente, furioso, prometeu levar o caso ao Juiz. 
Era um assassinato perverso!
- Pois vamos lá. Agora nada mais me aborrece. Quero ver até onde vai a minha sorte. Ao Juiz!
O Juiz, quase analfabeto, era, porém, uma figura respeitável: barbas longas e grisalhas, tinha um ar cheio de gravidade, como convém ao cargo.
- Defenda-se! - disse-lhe então.
- Senhor Juiz, o primeiro denunciante é meu irmão. Ele é muito rico e eu sou muito pobre. Ele não tem filhos e eu tenho dez. Matei o porquinho dele. O segundo? Eu quis ajudar a safar o burro dele, de boa fé, e agora não tenho outro para lhe dar. Que fazer?
- Adiante! - respondeu o Juiz.
- No terceiro caso, como é que eu podia saber que a senhora poderia perder seu único filho só porque desejou comer o meu pão duro? Ela nem me falou nada! Em vista de tanta desgraça, resolvi suicidar-me e veja o que aconteceu...
Terminado o processo, assim sentenciou o Juiz:
- Vistas e examinadas as questões presentes, e solidário com as leis com as quais me conformo, julgo improcedentes todas as queixas contra o réu e condeno: ao primeiro queixoso a entregar ao réu metade da sua fortuna, pois não se concebe uma disparidade de meios econômicos entre irmãos. Depois de cumprida esta sentença, deverá o réu entregar metade do porco ao seu irmão, depois de gordo. Ao segundo queixoso, que entregue o burro ao réu até que lhe nasça outra cauda. Ao terceiro queixoso, que tome para si o último filho  do réu, educando-o até ele ser doutor e outorgando-lhe toda a fortuna. E ao quarto queixoso, que atire-se de cima da ponte, ficando o réu lá embaixo para por ele ser esmagado, conforme aconteceu com o companheiro mendigo.
De nada valeram as reclamações.
A sentença foi cumprida à risca.
Só o mendigo ficou espatifado, pois o réu, torcendo o corpo, fê-lo bater sozinho na pedras que haviam sob a ponte fatídica.
Assim ficou o rico muito pobre e o pobre muito rico.
Portanto, não vamos nos desesperar pela má sorte.
Uma ação provoca sempre uma reação ao contrário.
Estejamos porém sempre prevenidos, porque não sabemos o momento.

    

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